Para acabar com esta agonia
Após a Standard & Poor's ter rebaixado a classificação da dívida americana e as bolsas terem desabado, os analistas econômicos de todos os matizes se apressaram para dar seus veredictos e apresentarem suas explicações. Porém, como sempre acontece quando o assunto é economia, "só se acredita no que se vê". Keynesianos, monetaristas e austríacos podem todos olhar para um mesmo acidente de trem e dizer que os dados fazem jus às suas previsões.
Naturalmente, concordo com a análise de Jeffrey Tucker, que diz que, dentre todas as escolas de pensamento econômico, os austríacos se mostraram os melhores guias ao longo da crise financeira. Porém, o paladino do keynesianismo, Paul Krugman, tem seguidamente se autocongratulado, dizendo que ele esteve certo durante todo este tempo, ao passo que os economistas pró-livre mercado estiverem o tempo todo completamente equivocados. Sua coluna do dia 6 de agosto é uma perfeita ilustração de como os fatos podem sempre ser moldados de forma a se encaixarem em uma narrativa pré-concebida.
Krugman: Jamais tivemos uma recuperação econômica
Krugman começa sua coluna com essa depressiva afirmação:
A queda de mais de 500 pontos no índice Dow Jones na quinta-feira e a queda dos juros para patamares quase nunca vistos confirmaram a notícia: a economia não está se recuperando e Washington esteve se preocupando com os fatores errados.
Não se trata apenas do fato de a ameaça de um duplo mergulho recessivo ter se tornado muito real: tornou-se agora impossível negar o óbvio, qual seja, que não estamos e nunca estivemos no caminho da recuperação.
Puxa, com tanto pessimismo assim, Krugman poderia virar colunista do mises.org. (Apenas confira as citações sombrias e circunspectas de vários austríacos que foram compiladas por Jeffrey Tucker). Se você ler toda a coluna de Krugman, ficará com a sensação de que ele sempre teve essa premonição ruim quanto à economia americana, e que sempre foi um pessimista.
Mas a verdade é que ele nunca foi assim -- ao menos não da mesma maneira que os austríacos, que confiantemente sempre disseram que todas as notícias otimistas sobre "recuperação" eram totalmente inverossímeis. Por exemplo, em agosto de 2009, Krugman escreveu,
Ainda estou muito preocupado com a economia americana. Ainda há, creio eu, uma chance substancial de o desemprego permanecer alto por muito tempo. Porém, tudo indica que já evitamos o pior: uma catástrofe deixou de ser plausível.
E o motivo disso é o fato de termos implementado um governo grande, gerido por pessoas que entendem suas virtudes.
Um pouco depois, ainda naquele mês, Krugman foi mais definitivo. Em uma postagem em seu blog intitulada "A Resposta é Sim", ele iniciou seu texto dizendo isso: Barbara Kiviat [repórter da revista Time] pergunta: estamos em uma recuperação ou não? A resposta é sim."
Agora, é preciso ter em mente que estamos lidando com Krugman. Logo, qualquer coisa que ele escreva pode ser livremente adaptada, após o fato, de acordo com o que quer que venha a acontecer. Desde o princípio, ele vem dizendo que o desemprego continua abissal, que os republicanos estão doidos para sabotar a frágil recuperação e por aí vai. Assim como ele espertamente se protegeu em relação à questão dos pacotes de estímulo -- ele alega que foram volumosos o bastante para evitar outra Grande Depressão, mas não volumosos o bastante para levar a uma economia saudável --, ele também sempre deixou aberta uma saída de emergência pela qual fugir em suas discussões sobre a situação da economia.
Todavia, quando se trata de pessoas alertando que os EUA não estão em recuperação, os austríacos sempre estiveram claramente corretos Krugman, claramente errado. Releia a citação acima se você duvida de mim.
Krugman: Se ao menos tivéssemos mais inflação e mais déficits...
Agora chegamos à parte realmente divertida, na qual Krugman explica sem rodeios por que a economia dos EUA ainda está paralisada, há três anos e contando:
Para reverter este desastre, muitas pessoas terão de admitir que estiveram erradas e que precisam mudar suas prioridades, imediatamente.
É claro que há aqueles que simplesmente não vão mudar. Os republicanos não vão parar de gritar a respeito do déficit porque nunca foram sinceros em relação a isso: sua preocupação com o déficit foi um porrete com o qual golpearam seus oponentes políticos, e nada mais do que isso.
Mas a desastrosa política econômica dos últimos dois anos não foi apenas o resultado do obstrucionismo do Partido Republicano, que não teria tanta força se a elite dos governantes -- incluindo-se nela alguns nomes do governo Obama -- não tivesse concordado que a redução do déficit, e não a criação de empregos, deveria ser nossa grande prioridade. E não devemos isentar Ben Bernanke e seus colegas. O Fed não fez tudo o que podia, parte por estar mais preocupado com uma inflação hipotética do que com o desemprego real, e parte por ter se deixado intimidar por tipos como Ron Paul.
Pronto, aí está: de acordo com Krugman, a economia americana está atolada na lama porque (a) o governo federal não tem se mostrado disposto a incorrer em grandes déficits orçamentários, e (b) o Banco Central americano não tem se mostrado disposto a imprimir grandes quantias de dinheiro.
À luz dessa explicação de Krugman, os dois gráficos a seguir são significativos. O primeiro mostra a "poupança líquida do governo", em dólares (um número negativo indica um déficit orçamentário):
É verdade que o gráfico acima não seria tão espantoso caso eu tivesse convertido os valores nominais em porcentagens do PIB. Porém, quero lembrar o leitor que, apenas três anos atrás, a noção de um "déficit de um trilhão de dólares" provocaria um ataque cardíaco nos americanos. Quantos se lembram de como os analistas econômicos ficaram estupefatos com o tamanho do pacote de estímulos implementado por George W. Bush no início de 2008? Aquele pacote era de meros US$ 152 bilhões.
Podemos ver uma história similar quando analisamos a política monetária. Eis um gráfico da "base monetária", que é a medida mais simples da oferta monetária (base monetária = cédulas e moedas metálicas existentes + reservas bancárias) e que está sob controle total e direto do Banco Central:
Pergunta: as afirmações de Krugman fazem algum sentido? Após ver os dois gráficos acima, como pode alguém em seu juízo perfeito dizer que a economia americana está parada em decorrência de déficits insuficientes e da timidez do Banco Central?
Ver para crer
Como pode um sujeito esperto como Krugman (e outros caras astutos, como Tyler Cowen, que pede mais inflação) ter essas ideias totalmente contraditórias sem que sua cabeça exploda? Há duas explicações.
A primeira é que, se uma pessoa adota um modelo que sugere que a solução para um alto desemprego e para um PIB estagnado é estimular a demanda agregada, e, uma vez implementadas ambas essas medidas, o desemprego continua alto e o PIB continua parado, então, ora essa, é óbvio que os déficits orçamentários e as várias rodadas de impressão de dinheiro não foram agressivos o suficiente. Se você está totalmente convicto de que um determinado veneno é um bom remédio, mas os pacientes continuam morrendo após um aumento da dosagem, então claramente a dosagem ainda não foi agressiva o bastante.
Fora isso, Krugman e outros defensores de mais intervencionismo estatal têm alguns dados a seu favor, como ele explica em uma postagem em seu blog na semana retrasada:
O Wall Street Journal disse que os empréstimos tomados pelo governo federal iriam afugentar os gastos privados porque fariam com que as taxas juros disparassem. Observe que, quando o editorial linkado acima foi publicado, a taxa de juros de 10 anos estava em 3,7%, com o jornal prevendo que ele subiria ainda mais.
A minha visão era a de que o governo tomar empréstimos quando a economia está em uma armadilha da liquidez é algo que não afeta os juros, e que, com efeito, as taxas de juros iriam permanecer baixas enquanto a economia continuasse deprimida.
Trata-se de um teste bastante claro; dentre outras coisas, você teria perdido muito dinheiro caso tivesse acreditado no The Wall Street Journal
A inflação é outro tópico; o WSJ continuamente diz a seus leitores que um grande surto inflacionário está por vir. O aumento dos preços das commodities obscureceu um pouco essa questão, mas mesmo assim todos os outros acontecimentos no quesito inflacionário têm estado muito mais próximos daquilo que os keynesianos previram do que tudo o que foi previsto pela direita.
Observe a brilhante manobra retórica de Krugman: as coisas que realmente interessam são aquelas que ele corretamente previu e que o WSJ não previu -- a saber, taxas de juros de longo prazo e inflação de preços ao consumidor. Já a disparada nos preços das commodities -- algo que, obviamente, é consistente com a visão de mundo à la Peter Schiff, e totalmente oposta à visão keynesiana de que "só a demanda afeta a economia" -- apenas "obscureceu um pouco essa questão." Mas podemos simplesmente ignorar esse último fato, pois, como sabemos, no fundo, apenas os modelos keynesianos são os corretos, e todos os modelos "direitistas" são errados.
A frase de Krugman sobre perder dinheiro por ter seguido os conselhos do WSJ é algo que ele vem dizendo há um ano já, mas isso também não é muito claro. O único conselho financeiro que os "paranóicos" tipos direitistas do Tea Party vêm oferecendo é para comprar ouro. (Eu mesmo venho dizendo isso a meus leitores desde o início da crise, quando criei meu blog pessoal em agosto de 2008). Ao longo dos últimos três anos, o ouro subiu mais de 90%. Nada mau para pessoas que supostamente, segundo Krugman, se mostraram totalmente erradas sobre como a crise financeira iria se desenrolar.
Observe também que Krugman indubitavelmente não previu essa enorme valorização do ouro (ou, aliás, de todas as outras commodities). A única -- e hilária -- explicação que ele forneceu para a valorização do ouro foi dizer que se tratava de uma conspiração direitista insuflada por paranóicos como Glenn Beck (famoso ex-apresentador de um programa da Fox News, o qual, segundo Krugman, teria o poder de influenciar todo o mundo a sair comprando ouro maciçamente, pois estaria gerando pavor ao alertar sobre os riscos de uma vindoura hiperinflação).
Conclusão
Pelo que sei, nenhuma escola de pensamento econômico previu com 100% de correção, ainda lá em janeiro de 2008, todos os fenômenos econômicos que estariam por vir. Os keynesianos convencionais empregados na Casa Branca, bem como todas as grandes firmas que fazem prognósticos, se mostraram completamente errados quanto aos efeitos dos pacotes de estímulos implementados por Obama. A Escola de Chicago também se mostrou completamente errada quanto ao impacto dos déficits sobre os juros. Pessoas como Peter Schiff (e este que vos escreve) estavam completamente errados sobre a inflação de preços ao consumidor em 2009 e 2010. Os "quase-monetaristas" (que culpam Bernanke por suas políticas monetárias supostamente muito restritivas) e Paul Krugman se mostraram completamente equivocados em relação aos preços do ouro e da prata, e discutivelmente equivocados em relação à fragilidade da "recuperação" das bolsas de valores.
Mas uma coisa é certa, e aqui eu vou concordar com Krugman quando ele conclui seu artigo assim: "Os milhões de americanos que deveriam estar empregados -- mas não estão -- já sabem o que é que não está funcionando: a política econômica dos últimos dois anos."
Veja novamente os dois gráficos acima. Qualquer pessoa de bom senso irá admitir que, nos últimos dois anos, a economia americana foi submetida a déficits orçamentários sem precedentes e a uma inflação monetária inaudita. Krugman está certo: isso não está funcionando absolutamente nada. É hora de finalmente deixar o livre mercado corrigir os desequilíbrios da economia para acabar com esta agonia e nos propiciar uma genuína recuperação.
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