Acordo fechado, teto elevado - qual o futuro da economia americana?
Talvez o termo 'teto da dívida' do governo americano devesse ser renomeado para "meta da dívida", pois parece que Washington está sempre se esforçando para atingi-la e superá-la. Essa renomeação seria ótima para o governo, pois faria com que ele finalmente pudesse parecer eficiente em alguma coisa.
Nos últimos 50 anos, o teto da dívida americana já foi elevado 70 vezes. Logo, não é exagero algum dizer que superar o teto é a única atividade na qual o governo possui excelência incontestável. Por isso, o teto deveria passar a ser chamado de 'meta', pois sempre que a meta da dívida é atingida, o governo prontamente se esforça para ampliá-la novamente a fim de descobrir o quão rapidamente a nova meta pode ser superada. Eficiência governamental, enfim!
Ao se comprometerem a elevar o teto da dívida, Obama e o Congresso simplesmente prepararam o cenário para que os gastos do governo americano sigam crescendo irrefreavelmente. Embora o governo tenha sido poupado do trauma de sofrer restrições sobre sua capacidade de pedir empréstimos, o fato é que o real risco de um calote existia apenas na cabeça dos políticos. A verdadeira crise não é, e nem nunca foi, o teto da dívida. Não haveria um Armagedom econômico em decorrência de uma não elevação do teto da dívida; mas o Armagedom virá justamente porque o teto foi elevado.
Ambos os partidos estão agora fingindo que os cortes de gastos prometidos excedem o aumento no limite da dívida. Porém, os US$ 900 bilhões que supostamente serão cortados estão difusos ao longo de intermináveis dez anos, sendo que a grande parte dos cortes está concentrada no final deste período. Além destes US$ 900 bilhões, afirma-se que haverá cortes adicionais de US$ 1,4 trilhão, os quais serão definidos por uma comissão orçamentária bipartidária. Entretanto, comissões semelhantes e com poderes semelhantes já foram montadas no passado e quase nunca cumpriram suas promessas.
O que é ainda mais importante, nenhum destes "cortes" são definitivos e obrigatórios. Há muito tempo pela frente para que futuras legislaturas revertam tudo o que foi acordado nestas últimas semanas. Meu palpite é que o aprofundamento da recessão será utilizado como justificativa suprema para a suspensão dos cortes. Além do mais, a maioria das reduções de gastos já estava programada para ocorrer antes deste acordo. Sendo assim, o que houve, realmente?
O Congressional Budget Office [agência federal do legislativo dos EUA que fornece dados econômicos para o Congresso] estima que US$ 9,5 trilhões de novos títulos da dívida terão de ser emitidos ao longo dos próximos 10 anos. Ou seja, mesmo que toda a pretendida redução de US$ 2,3 trilhões no déficit venha de fato a ser cumprida -- algo bastante improvável --, ainda assim haveria um aumento de US$ 7,2 trilhões na dívida até 2021. Os problemas americanos não estariam resolvidos nem na mais onírica das hipóteses.
Essencialmente, a estrutura do acordo anunciado ontem permite que ambos os partidos falem sobre reforma sem que necessariamente tenham de fazer coisa alguma. Para enfatizar esse ponto, o acordo estabelece um corte imediato de algo em torno de míseros US$ 25 bilhões. Isso é menos do que um erro de arredondamento no atual orçamento de US$ 3,8 trilhões! Estamos testemunhando a política em seu estado puro.
Ademais, até mesmo esses cálculos e estimativas de redução do déficit se baseiam em róseas presunções econômicas que não têm a menor chance de ocorrer. Por exemplo, para o atual ano fiscal americano, Washington está estimando um crescimento do PIB de 4%. Porém, o crescimento econômico do primeiro semestre de 2011 ficou abaixo de 1%! Ora, se o governo já está superestimando o crescimento do ano vigente por um fator de 4, quão acuradas podem ser suas previsões para daqui a dez anos? Uma estimativa mais honesta sobre os prováveis (e pífios) desempenhos futuros da economia americana iria indicar déficits orçamentários futuros disparando totalmente fora do controle.
Alguns podem dizer que o principal objetivo deste acordo era evitar o temível rebaixamento dos indicadores de risco divulgados pelas agências de classificação, como Moody's, Fitch e Standard & Poor's. Mas, infelizmente, o acordo não ataca nenhum dos problemas relatados por essas agências. Caso elas não levem a cabo suas ameaças de rebaixamento de seus indicadores de risco para o governo americano, irão perder o pouco da credibilidade que ainda lhes resta. Por razões políticas, os rebaixamentos podem não vir por agora, mas são inevitáveis. Entretanto, como já ocorreu tantas vezes no passado, quando esse tardio rebaixamento chegar, o mercado provavelmente já terá imposto seu veredito.
O teto da dívida, por si só, representa apenas um limite que o próprio governo americano se impõe a si próprio sobre o volume total de empréstimos que ele pode pedir. Dado que o Congresso pode decidir elevar esse limite, sua existência tem sido, por toda a história, muito mais uma chateação política do que uma barreira efetiva. O fator influente não é o quanto os americanos permitem que seu governo se endivide, mas o quanto os credores estão dispostos a emprestar para o governo. E esse tipo de teto não pode ser elevado por um ato do Congresso.
Tão logo os credores do governo americano cheguem à conclusão de que emprestaram muito mais do que a capacidade do governo de lhes pagar de volta, eles ficarão muito relutantes para continuar emprestando. À medida que os títulos de curto prazo do Tesouro americano forem vencendo, e o governo precisar emitir mais títulos para poder pagar estes que estão vencendo (operação essa que chamam de rolar a dívida), os compradores desses novos títulos irão demandar juros cada vez maiores para compensá-los pelo risco. E o governo americano não estará em condições de bancar esses juros mais elevados, a menos que retire dinheiro de todo o resto do seu orçamento.
Na semana passada, foi revelado que, não obstante as seguidas advertências de Obama de que haveria um calote imediato caso o teto da dívida não fosse elevado, o governo já havia concordado em priorizar os pagamentos dos juros, justamente para evitar o calote. Esse tratamento preferencial para os credores só é possível porque as atuais taxas de juros estão extremamente baixas, de modo que o serviço da dívida representa apenas algo em torno de 10% da receita total do governo. Entretanto, quando o número de pessoas e entidades dispostas a emprestar para o governo americano diminuir acentuadamente, e consequentemente as taxas de juros dos títulos subirem, o pagamento líquido de juros da dívida poderá passar a consumir mais de 50% da receita federal. Tal fenômeno será intensificado pelo fato de que juros maiores jogarão a economia americana em uma recessão ainda maior, a qual irá fazer com que as receitas tributárias do governo sejam consideravelmente reduzidas -- e com os gastos com juros em disparada.
Nesse ponto, priorizar o pagamento de juros significa que o resto do orçamento federal teria de ser profundamente sacrificado -- inclusive a Previdência Social, o Medicare [programa governamental de assistência de saúde para idosos] e as Forças Armadas. A pergunta então passa a ser: estarão os políticos americanos realmente dispostos a encarar o desgaste político a que seriam submetidos caso priorizassem o pagamento de juros para credores estrangeiros ao invés de gastarem dinheiro em programas sociais voltados para os eleitores americanos?
Minha expectativa é que, tão logo os credores americanos decidam que não estão mais dispostos a emprestar dinheiro para os EUA a taxas de juros extremamente baixas, o governo americano vai se recusar a saldar tudo o que eles já lhe emprestaram.
Fora um calote ou enormes cortes nos gastos domésticos, a inflação monetária é o único outro meio com o qual o governo americano pode lidar com essa espinhosa crise. Por causa de sua maior palatabilidade política, a inflação monetária é, com efeito, a medida com maior probabilidade de ser implementada. Se o governo se enveredar por esse caminho, a inflação corre o risco de virar uma hiperinflação, o que iria dizimar o restante da economia americana.
Conclusão
O governo americano elevou o teto da dívida e está planejando cortes de gastos que apenas soam substanciais, mas que, na melhor das hipóteses, irão apenas diminuir o ritmo do aumento da dívida, até que o novo teto (ou nova "meta") seja atingido, reiniciando o processo.
O acordo bipartidário sugere um corte de gastos cumulativos que totalizará pouco mais de 1 trilhão de dólares ao longo da próxima década. Em outras palavras, Washington está propondo cortes que irão apenas reduzir os déficits em aproximadamente 10 ou 20%; a dívida continuará aumentando. Portanto, caso o novo plano orçamentário seja seguido com rigor, em vez de um déficit anual de US$ 1,5 trilhão, os EUA terão um déficit anual de US$ 1,2 trilhão. Enquanto isso, a dívida continuará crescendo. Em termos políticos, isso é classificado como "sucesso".
Claramente, estamos nos deparando com um cenário propício para metais preciosos. Afinal, é tudo mais do mesmo -- mais gastos, mais endividamento e, necessariamente, mais impressão de dinheiro.
Portanto, parece-me lógico que, independentemente do aumento do teto da dívida, é muito provável que futuramente a classificação de risco dos EUA venha a ser rebaixada por uma ou mais agências. E o efeito disso será enorme pois os maiores fundos de pensão, os maiores fundos mútuos e os maiores fundos soberanos do mundo possuem instruções explícitas para investir somente em títulos com classificação AAA. Um rebaixamento da classificação da dívida dos EUA significa que estes fundos terão de vender imediatamente estes seus principais ativos. É impossível exagerar as consequências dessa medida. Creio apenas que o ouro será o primeiro e o melhor refúgio de todo esse capital agora órfão.
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