O que faz com que itens de luxo se tornem bens populares
Ainda no final do século XIX, Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904), o grande sociólogo francês, abordou o problema da popularização dos itens de luxo. Uma inovação industrial, disse ele, adentra o mercado para atender exclusivamente às extravagâncias de uma pequena elite; porém, com tempo, passo a passo, tal produto finalmente vai se tornando uma necessidade até que, no final, se torna um item massificado e indispensável para todos. Aquilo que antes era apenas um bem supérfluo de luxo passa a ser, com o tempo, uma necessidade.
A história da tecnologia e do comércio fornece inúmeros exemplos que confirmam a tese de Tarde. No passado, havia um considerável intervalo de tempo entre o surgimento de algo até então completamente desconhecido e sua popularização no uso cotidiano. Algumas vezes, passavam-se vários séculos até que uma inovação se tornasse amplamente aceita por todos -- ao menos dentro da órbita da civilização ocidental. Pense na lenta popularização do uso de garfos, sabonetes, lenços, papeis higiênicos e inúmeras outras variedades de coisas.
Desde seus primórdios, o capitalismo demonstrou uma tendência de ir encurtando esse intervalo de tempo, até ele finalmente ser eliminado quase que por completo. Tal fenômeno não é uma característica meramente acidental da produção capitalista; trata-se de algo inerente à sua própria natureza. A essência do capitalismo é a produção em larga escala para a satisfação dos desejos das massas. Sua característica distintiva é a produção em massa feita pelas grandes empresas. Para o grande capital, não há a opção de produzir apenas quantias limitadas de bens que irão satisfazer apenas a uma pequena elite. Quanto maior uma empresa se torna, mais rapidamente e de maneira mais massificada ela possibilita às pessoas o acesso aos novos êxitos da tecnologia.
Séculos se passaram até que o garfo deixasse de ser um utensílio utilizado apenas por homens efeminados e se transformasse em um instrumento de uso universal. Antes visto meramente como um brinquedo de ricos ociosos, o automóvel levou mais de 20 anos para se tornar um meio de transporte utilizado universalmente. Já as meias de nylon, ao menos nos EUA, se transformaram em artigo de uso diário de todas as mulheres em pouco mais de dois ou três anos após sua invenção. E praticamente não houve nenhum período de tempo em que o usufruto de inovações como a televisão ou os produtos da indústria de comida congelada fosse restrito a uma pequena minoria.
Os discípulos de Marx sempre se mostraram muito ávidos para descrever em seus livros os "inenarráveis horrores do capitalismo", os quais, como seu mestre havia prognosticado, resultam "de maneira tão inexorável como uma lei da natureza" no progressivo empobrecimento das "massas". O preconceito anticapitalista deles impedia que percebessem o fato de que o capitalismo tende, com o auxílio da produção em larga escala, a eliminar o notável contraste que há entre o modo de vida de uma elite afortunada e o modo de vida de todo o resto da população de um país.
O abismo que separava o homem que podia viajar de carruagem e o homem que ficava em casa porque não tinha o dinheiro para a passagem foi reduzido à diferença entre viajar de avião e viajar de ônibus.
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