Freddie + Fannie = Fascismo
N. do T.: com o anúncio de que o governo americano irá salvar financeiramente duas gigantes do setor imobiliário, é hora de entendermos melhor de onde surgiram essas duas gigantes, como elas operam, como elas se endividaram e por que tal calamidade não existiria em um ambiente de genuíno livre mercado.
Ludwig von Mises tinha uma teoria sobre o intervencionismo:
Ele nunca atinge seus fins declarados. Ao invés disso, ele apenas distorce todo o mercado. Essa distorção implora por correções. As correções podem consistir em duas medidas opostas: recuar o estado e liberar o mercado, ou dar passos ainda mais resolutos em direção à intervenção total. O estado quase sempre escolhe a última opção, a menos quando forçado a escolher a primeira. O resultado é ainda mais distorção, o que eventualmente leva a mais nacionalizações, que, por sua vez, levam ao destino final: estagnação e falências.
Quando você pensar sobre a atual crise das empresas Fannie Mae e Freddie Mac, você tem de se lembrar sobre a teoria de Mises sobre o intervencionismo. Os jornalistas não irão, mas você terá de, considerando-se que você de fato queira entender o que se passa.
Para tal, é necessário entender um pouco da história dessas duas empresas. A Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) foi criada em 1938 por Franklin Delano Roosevelt, durante o New Deal. Sua função era fornecer liquidez ao mercado hipotecário. Durante os 30 anos seguintes, ela desfrutou do monopólio do mercado secundário de hipotecas nos EUA. Tornou-se uma corporação privada em 1968, para conter o déficit orçamentário do governo. A Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) foi criada em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas e, assim como a Fannie Mae, tem a função de fazer empréstimos e dar garantias a empréstimos. Tanto a Freddie Mac como a Fannie Mae, junto com outras empresas, compram (dos bancos) hipotecas no mercado secundário e as revendem para investidores no mercado aberto como títulos lastreados
A Fannie Mae e a Freddie Mac são conhecidas como "empresas apadrinhadas pelo governo", o que significa que elas são empresas privadas, mas com propósitos públicos. Esse tipo de empresa tem o apoio implícito do governo americano, conquanto não tenha obrigações diretas para com ele. Por causa desse apadrinhamento que elas recebem do governo, essas duas empresas conseguem financiamentos a taxas vantajosas - os credores imaginam que, em caso de insolvência, o governo ajudará essas empresas. E, devido a esses financiamentos facilitados, elas acabaram por sobre-estimular o mercado imobiliário, inflando-o a alturas inimagináveis, ao comprar hipotecas que foram securitizadas por bancos de todo o país.
Essas duas empresas não deveriam existir. Nenhuma empresa privada deveria desfrutar de linhas de crédito que levam diretamente ao Tesouro dos EUA, isto é, ao dinheiro do contribuinte. Nenhuma empresa privada deveria receber mandatos do governo obrigando-as a facilitar, através da compra desmesurada de hipotecas, o acesso da população a imóveis. Nenhuma empresa privada deveria emitir títulos que os investidores acreditam ter uma garantia implícita dada pelo dinheiro do contribuinte.
Sem o governo na jogada, não haveria como a Fannie Mae e a Freddie Mac terem crescido tanto. Os ativos e passivos dessas duas empresas totalizam $1,6 trilhão. Seu passivo fora do balanço totaliza mais de $3,5 trilhões. A dívida total, portanto, é de $5 trilhões (trilhões, com "t")! Qual é a grandeza de $5 trilhões? Ora, a dívida nacional é de $9,5 trilhões!
É quase inacreditável que essas duas empresas possam ter acumulado dívidas que chegam a mais da metade da dívida nacional. Mas isso é algo inerente a essa promiscuidade entre governo e setor imobiliário, o que gerou garantias estatais a dívidas imobiliárias do mercado privado. O mercado imobiliário é gigante, principalmente se considerarmos que ao longo do tempo o estoque de casas só aumenta. Ao dar à Fannie Mae e à Freddie Mac vantagens na emissão de dívidas, essas empresas acabaram por dominar o setor de finanças do mercado imobiliário. E não há momento melhor do que este para acabar com esse absurdo.
O presidente Bush, por sua vez, está planejando uma solução fatídica para um problema de 60 anos: a nacionalização dessas empresas. Ele quer dar garantias a essa dívida de $5 trilhões. Uma outra opção considerada é colocar essas monstruosidades sob "tutela", o que significa que o contribuinte terá de pagar diretamente pelos prejuízos.
Não importa qual seja a decisão, o fato é que não há mágica capaz de dar para todo cidadão americano, independentemente de seus meios financeiros ou de seu histórico de crédito, casas de
O diabo é que qualquer opção seria devastadora para o já calamitoso mercado imobiliário. A razão por que esse setor foi tão desenfreadamente inflado é que os bancos sabiam que Fannie e Freddie seriam capazes de comprar qualquer dívida hipotecária criada pela indústria bancária. Se essas empresas forem nacionalizadas elas não mais farão isso seguindo critérios de mercado. Isso significa que os bancos repentinamente teriam de agir com responsabilidade.
Agora, você pode pensar, se isso é verdade, então a culpa toda é dos banqueiros que vinham fazendo empréstimos irresponsáveis, acreditando que essas empresas apadrinhadas pelo governo iriam absorvê-los. Mas isso não procede. Coloque-se no lugar de um banqueiro pelos últimos vinte anos. Você tem concorrentes. Você tem de apresentar resultados. Se você não ampliar seus empréstimos, ficará para trás e passará por bobo. A concorrência vai jantá-lo. Ficar à frente das tendências de mercado significa que você tem de jogar o jogo, mesmo sabendo que ele está manipulado.
Culpe não apenas os bancos, mas também as instituições que estão jogando para outros todos os seus passivos adquiridos irresponsavelmente. E essas instituições são a Fannie Mae e a Freddie Mac. Aqui está um artigo sobre a criação da Freddie Mac. E aqui está outro sobre a criação da Fannie Mae.
Ambas foram criadas para financiar hipotecas seguradas pela Federal Home Administration (algo semelhante ao nosso Sistema Financeiro de Habitação). Ambas foram usadas por todos os presidentes como um meio para realizar esse misterioso princípio americano de que cada pessoa existente deve ser dona de um imóvel, não importa o quê. Assim, a elas foi dada a permissão para comprar hipotecas e torná-las parte de seu portfolio. Depois, nas administrações Johnson e Nixon, elas se tornaram empresas de capital aberto e passaram a vender ações. As pessoas chamaram isso de privatização, mas não foi bem isso que ocorreu. Ambas tinham acesso a uma linha de crédito direta do Tesouro americano. Ambas tinham acesso a empréstimos mais baratos do que qualquer equivalente no setor privado.
Empresas apadrinhadas pelo governo não estão sujeitas às disciplinas do mercado, como as empresas do setor privado. Seus títulos são listados como títulos do governo, o que faz com que seus prêmios de risco não sejam ditados pelo livre mercado. Elas podem se alavancar em 50-, 75-, 100-1, fazendo pirâmides de dívida sobre uma minúscula base patrimonial. Os mercados financeiros acreditavam desde há muito que essas empresas seriam salvas pelo governo em caso de insolvência. E isso as coloca em uma posição completamente diferente da de uma empresa como a Enron, a qual os mercados vigiavam de perto. O que está causando o atual pânico é o fato de os mercados terem acordado e começado a avaliar essas instituições usando padrões realmente de mercado. Freddie e Fannie estão com seus preços de mercado em queda vertiginosa, e seus títulos estão carregando prêmios de risco cada vez maiores. A Fannie Mae, que chegou a ter ações precificadas a $90, hoje tem ações valendo $10. As ações da Freddie Mac, por sua vez, caíram de $70 para $7. Novamente: essas ações despencaram drasticamente por causa dos maus investimentos que essas empresas fizeram em hipotecas, investimentos encorajados e subsidiados por políticas antigas do governo federal.
Agora que essas instituições que carregam a marca da legítima manipulação governamental entraram em colapso, a ineficiência de qualquer intervenção governamental se torna ainda mais evidente. A tentativa de restaurar essas empresas apadrinhadas pelo governo não será capaz de esconder o fracasso que elas são, sob qualquer perspectiva. O fracasso já está registrado nos mercados financeiros.
Em outras palavras, não estamos vivenciando uma falha de mercado. Por gentileza, suba no telhado da sua casa ou na cobertura do seu prédio e grite isso a plenos pulmões, pois a imprensa e o governo farão o possível para culpar os financiadores e os mutuários privados por essa calamidade. A origem de ambas essas organizações está na legislação federal. Elas não são entidades de mercado. Elas há muito são garantidas pelo contribuinte. Não, elas também não são entidades socialistas, pois são gerenciadas privadamente. Portanto, elas ocupam um terceiro status, para o qual há um nome: fascismo. Como Mussolini definiu, "o fascismo deveria ser chamado de corporativismo, pois trata-se da fusão entre o estado e o poder corporativo". Realmente, é disso que estamos falando: o conluio entre estado e grandes corporações leva ao fascismo financeiro que, por sua vez, tem a inexorável tendência de se transformar em socialismo financeiro de larga escala - por conseguinte, em falências.
Ademais, o desejo governamental de que cada cidadão seja dono de um imóvel, independente dos meios utilizados para se atingir esse objetivo, só pode ser financiado através de um socialismo financeiro ou do roubo
Para tornar esse fascismo financeiro ainda mais evidente, no domingo, 13 de julho de 2008, o Fed (o Banco Central) e o Tesouro anunciaram medidas para manter de pé as duas gigantes. Essas medidas incluem acesso a empréstimos feitos pelo Fed a uma taxa preferencial de 2,25%, aumento do acesso ao crédito junto ao Tesouro e a compra de ações dessas empresas pelo Tesouro. Ou seja: a nacionalização (socialismo financeiro) dessas empresas é praticamente inevitável.
Não obstante, essa seria uma oportunidade de ouro para liquidar essas duas empresas de uma vez por todas. E fazer isso é incrivelmente simples! Qualquer banco de investimento
Os investidores dessas empresas, tanto acionistas como aqueles que possuem títulos de dívida, não devem ser salvos pelo contribuinte. Essas duas empresas fizeram investimentos ruins comprando hipotecas ruins. Essas duas empresas também emitiram muitas dívidas para financiar esses investimentos, o que lhes gerou uma combalida estrutura financeira. O valor de seus ativos é menor do que o valor de suas obrigações, o que as torna insolventes. Elas ainda não estão falidas. Elas ainda têm o dinheiro para pagar o serviço de suas dívidas. Essas dívidas de maneira alguma são desprezíveis. Aproximadamente 11,6 por cento do dinheiro dos fundos mútuos está investido nessas empresas. Ao preço atual dessas dívidas, ainda não surgiram notícias sobre problemas com fundos mútuos. Se esses preços caírem 10 por cento, as perdas dos fundos mútuos seriam de modestos 1 por cento.
Há milhões de americanos que podem temer pela dissolução dessas empresas. Eles vão se perguntar onde e como eles conseguirão financiar suas hipotecas. Também há centenas de colunistas na imprensa que compartilham desse medo. Alguns vão tapar o nariz e defender o resgate governamental. Outros vão querer manter a interferência do governo no mercado imobiliário e até mesmo expandi-lo como questão de política pública.
Mas não há nada a temer. A quantidade de dinheiro disponível nos mercados paralelos para o financiamento de hipotecas é enorme. Ele pode ser seduzido e direcionado para as hipotecas se os juros pagos forem altos o bastante. Um livre mercado em hipotecas irá facilmente fornecer capital para mutuários com capacidade creditícia. Mas esse é também o obstáculo. O governo quer manter os juros hipotecários baixos para poder manter a indústria imobiliária funcionando e satisfazer os eleitores que estão hipotecados. O governo não quer um livre mercado em hipotecas, e isso porque nem os eleitores e nem a indústria imobiliária querem um livre mercado para o setor imobiliário. Enquanto houver um governo com poderes para interferir, a pressão para interferir irá superar o livre mercado.
Quanto ao futuro, a teoria de Mises de que o governo sempre irá favorecer mais governo parece totalmente sólida.
Veja, por exemplo, John McCain:
"Essas instituições, Fannie e Freddie, foram responsáveis por tornar milhões de americanos aptos a possuir uma casa própria, e elas não irão quebrar, não iremos permitir que elas quebrem ... faremos o que for necessário para garantir que elas continuem operando com essa função."
Nem um único Democrata discorda.
Assim como ocorreu com as S&L (caixas de poupança) na década de
Como Hans-Hermann Hoppe já demonstrou, a democracia não funciona. Cedo ou tarde - nesse caso 70 anos mais tarde, 70 anos após Fannie Mae ter sido criada - o sistema começa a ruir. Chame-o do que quiser, socialismo democrático ou fascismo democrático ou ambos, a democracia não funciona. Ela não funciona na agricultura, nas forças armadas, no programa espacial, no sistema bancário, ou em qualquer outra parte da economia. A democracia estimula mentiras, encoraja os mentirosos, gera propinas e covardia frente aos eleitores. A democracia simplesmente não funciona, meus amigos. Cedo ou tarde, dependendo de várias coisas em particular, implosões ocorrem.
A democracia assume como premissa um público informado e educado. Mas a mídia já foi cooptada pelo sistema político. Consequentemente, ela não está vigilante e não está reportando o que deveria - e isso resulta
A intervenção governamental é como um frasco de veneno mutante derramado na rede fornecedora de água. Podemos beber essa água por um bom tempo sem que ninguém realmente pareça pior. Até que um dia acordamos e todos estão desesperadoramente doentes - e culpando não o veneno, mas a água. O mesmo ocorre com a atual crise imobiliária. Os financiadores estão sendo culpados por todo o fiasco, e o capitalismo será submetido às surras de praxe, já que Freddie e Fannie são empresas de capital aberto. Mas a verdade é imutável: a razão por que tudo durou tanto tempo e ficou tão ruim é uma só: foi aquele frasco de veneno do governo.
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Para mais sobre o assunto, ver As raízes da crise imobiliária.
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