A tragédia do Realengo e a lógica da segurança
É lamentável que, diante de uma tragédia dessa dimensão, a cobertura jornalística do massacre tenha sido tão fraca. Além de, inicialmente, terem tentado ligar o assassino ao islamismo e dizerem que era aidético, não demorou mais que um dia para que, por exemplo, o Jornal Nacional tenha vaticinado: "Esse caso deve servir como exemplo para que a sociedade perceba que é preciso reforçar a segurança das nossas crianças."
De minha parte, eu sinto que, embora esteja chocado com o acontecido, não
consigo nem imaginar a dor que os familiares das vítimas estão sentindo.
Mas é exatamente por isso que, ao contrário das pessoas que extendem cartazes
na porta do colégio pedindo mais segurança, eu posso analisar a situação com um
grau maior de isenção.
E, se pararmos por um momento para estudar os fatos, vamos ver que o acontecido
não foi uma falha de segurança.
Probabilidades
Não é possível estabelecer ligações claras de causa e efeito entre os
acontecimentos do Realengo. É possível especular as razões que levaram
Wellington a matar as crianças, mas não é possível colocá-las numa classe
específica de acontecimentos. Por que não?
Segundo Ludwig von Mises, há essencialmente dois tipos de probabilidade: de
caso e de classe.
As probabilidades de caso se referem às situações em que sabemos alguns, mas
não todos os fatos determinantes de uma dada situação. Casos são sempre
individuais, únicos e, portanto, seus resultados são incertos. É impossível se
segurar contra essas situações específicas.
Probabilidades de classe, em contraste, referem-se às situações em que nós
temos todas as informações relevantes sobre uma classe de eventos, mas não
sabemos o resultado de um caso particular. Quando é possível estabelecer uma
probabilidade de classe em relação a um conjunto de eventos, é possível se
segurar contra eles.
Classes e casos
Resultados de jogos de futebol são probabilidades de caso. Nós sabemos que um
time com um bom técnico e com bom preparo físico e tático tem maior
probabilidade de vencer partidas. Contudo, o fato de que o time venceu os
últimos nove jogos não significa que ele vai vencer o décimo. Da mesma forma,
num jogo de roleta, se a bolinha caiu em casas vermelhas nas últimas jogadas,
isso não é motivo para escolher casas vermelhas nem pretas na próxima rodada,
porque a probabilidade de sair uma ou outra continua igual.
Como exemplo de probabilidade de classe, vejamos o recente terremoto que
atingiu o Japão na região de Touhoku. O território japonês se localiza
exatamente no encontro de três placas tectônicas, resultando em grande
atividade sísmica no local. De fato, o Japão é atingido por centenas de terremotos
anualmente, a maioria de intensidade baixa ou moderada.
Essa pode parecer uma informação trivial, mas, sabendo a frequência da
distribuição de longo prazo de terremotos, é possível se segurar contra eles.
Não é possível saber que um terremoto específico terá uma potência determinada.
Mas sabemos que, dada uma certa distribuição de terremotos, teremos um dano
específico.
Erros e acertos
O que transformou o terremoto japonês em notícia mundial foi sua intensidade
atípica. Sua força devastou cidades inteiras e o dano material do tsunami
resultante ainda não foi precisado. Os problemas causados nas usinas nucleares
de Fukushima tornam a situação ainda pior.
Mas, dado que o Japão é vítima constante de terremotos, o que aconteceria se os
japoneses sempre presumissem que os próximos terremos seriam de 9.0 graus na
escala de magnitude de momento? Certamente nem todos os terremotos têm 9 graus
de magnitude. É possível também dizer que os japoneses sempre estariam
"seguros" contra terremotos. O fato, no entanto, é que eles
acertariam errando. Os custos que eles pagariam para se segurar contra todo
tipo de terremoto, mesmo contra os mais poderosos, seriam altíssimos. Como nós
vivemos num mundo de recursos escassos, o fato de que o Japão ainda sofre com
os efeitos do terremoto não é uma falha dos sistemas de seguro; é uma situação
lamentável, mas que é o melhor que podemos ter no nosso mundo imperfeito.
Da mesma forma, crimes como assassinatos são probabilidades de classe, mas a
situação específica que levou Wellington a matar 12 crianças na escola no Rio
de Janeiro foi uma probabilidade de caso. Nós podemos nos segurar contra crimes
"médios", mas clamar por mais segurança para nossas crianças num caso
extremamente atípico como o do Realengo é o mesmo que apostar que todos os
terremotos vão ser de 9 graus: nós acertamos errando.
Protegendo crianças
Se nós colocássemos nossas crianças em bunkers vigiadas durante as 24 horas do
dia, com dois seguranças armados atrás de cada uma, creio que podemos todos
concordar que a probabilidade de elas serem chacinadas seria próxima de zero.
A questão é que esse é um custo muito alto, não só para nós mesmos, mas para as
próprias crianças. Não só nós estaríamos queimando preciosos recursos com
segurança, nós também estaríamos privando as crianças de experiências valiosas
de vida. É claro que estamos em muito maior segurança se ficarmos presos em
casa o dia inteiro - mas, para a maioria das pessoas, ainda vale a pena assumir
o risco de sair de casa e ter uma vida normal, mesmo que isso signifique que
nós podemos vir a ser alvos de brutalidades como a da escola Tasso da Silveira.
Não há dúvidas de que superar o acontecido será extremamente difícil para os
envolvidos na chacina. Certamente deverão ter acompanhamento psicológico e, por
mais doloroso que isso seja no momento, eventualmente terão que seguir com suas
vidas.
O que não vai ajudar em nada é que façamos um esforço em segurança retroativa,
contudo.
Há muito o que criticar na segurança pública brasileira, talvez em particular
na do Rio de Janeiro. Mas não podemos esquecer de que essa foi a primeira vez
que um acontecimento do tipo ocorreu no Brasil. Portanto, ao menos nesse caso,
a segurança do Rio de Janeiro errou acertando.
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