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O Egito, a Birmânia, e a internet no Brasil

02/03/2011

O Egito, a Birmânia, e a internet no Brasil

Estive mês passado na Birmânia (ou Myanmar), que é governada via repressão por uma junta militar há 60 anos.  Lá, celulares de estrangeiros não funcionam, cartões de crédito não são aceitos, e emails são proibidos.

Ao chegar ao Brasil, conversei com um amigo sobre sua visita à blogueira Yoani Sánchez, em Cuba. Yoani incorre em custos exorbitantes para ter acesso à internet, e tira fotos dos manuscritos de seus textos, que por sua vez são copiadas para pen-drives de forma a minimizar o tempo online e despistar censores.

Já no Egito, alguns dos principais líderes da revolução foram blogueiros e ativistas digitais. Notou-se a ausência de partidos políticos e de grupos religiosos no alto comando do levante. Cristãos, muçulmanos e não-religiosos protestaram unidos, limparam as ruas, e policiaram a vizinhança.

Cyberutópicos -- que creem que a internet nos levará à democracia plena --, e cybercéticos -- que duvidam que a internet tenha relação com a liberdade política --, vêm travando um debate. Porém, uma terceira visão, a qual chamo de cyber-realista, parece melhor explicar os acontecimentos. A internet triunfou: os protestos online transcenderam os botões de "Curtir" e o "ReTweet". Por outro lado, os governos fizeram uso da legislação sem legitimidade.

Mas o que dizer sobre o Brasil? O que esperar da internet?

Há tempos circula o mito de que "não se pode controlar a disseminação de informação na internet". Afirma-se que a informação virá à tona pela descentralização da rede, na qual a informação viaja por rotas redundantes. John Gilmore declarou que "a internet interpreta a censura como dano, e a evita fazendo um desvio." Porém o governo pode bloquear sites, filtrar informações, e criminalizar certos modos de expressão.

Além disso, governos usam a internet para identificar ativistas e fazer propaganda, como na China, onde há 250.000 comentaristas pagos para sorrateiramente defender o Partido Comunista em discussões online.

Esses exemplos parecem ter pouca relação com a realidade brasileira. Essa interpretação é tentadora, mas enganosa.

Mesmo em democracias consolidadas, os donos do poder aproveitam oportunidades para o estabelecimento de amarras ao livre discurso de ideias. As oportunidades surgem em ocasiões de temores da população, reais ou imaginários.  De posse de um discurso de intenções que quase nunca tem a ver com as reais intenções, governantes promulgam leis que viabilizam a censura a posteriori.

A primeira vítima é o anonimato, que protege o autor de perseguições e chantagens, e mantém o foco nas ideias. No Egito, um dos articuladores da revolução foi um anônimo que controla uma página no Facebook. Já a Constituição do Brasil proíbe o anonimato. Os opositores do anonimato online afirmam que este "dificulta a identificação de criminosos virtuais". As determinações legais, no entanto, não inibem os malfeitores. Como dizia meu pai, ministro Helio Beltrão, "a excessiva exigência burocrática só serve para dificultar a vida dos honestos sem intimidar os desonestos, que são especialistas em falsificar documentos".

Adicionalmente, a censura online é justificada como meio necessário para conter discursos discriminatórios, que incitem o ódio, a obscenidade, desrespeito a crenças religiosas etc. Palavras e imagens podem conter evidência de crime, como a confissão de um assassinato, ou a fotografia de um estupro. No entanto, palavras ou imagens não constituem um crime por si só, e portanto sua publicação não deve ser restrita.  Ademais, o que vem a ser "discriminatório? E o que caracteriza uma "incitação de ódio"? As lacunas destas definições são apropriadas pelos governos, em seu próprio interesse.

Preocupa o Acordo de Comércio Antipirataria, costurado por países desenvolvidos para aumentar as sanções em propriedade intelectual, com destaque para a internet. Pretende-se forçar provedores a filtrar o conteúdo das informações que circulem por sua rede, o que levanta sérias questões quanto à liberdade e privacidade.

Os acontecimentos recentes corroboram o vital papel que a livre disseminação de ideias possui na conquista de mais liberdade.  Deixam claro, todavia, que os governos e os interesses especiais não ficarão passivos. A sonolência da população significará a contínua obstrução ao fluxo de ideias. De outro lado, uma população assertiva pode reverter as intrusões governamentais existentes.  Façamos coro ao escritor Michael Kinsley, que afirmou: "os limites da livre expressão não podem ser fixados pelas suscetibilidades dos que não acreditam nela".


Sobre o autor

Helio Beltrão

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.

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