Explicando a recente disparada dos preços no Brasil
Para eles, o atual aumento nos preços dos alimentos -- o qual é um fenômeno mundial, vale ressaltar -- está relacionado a fatores climáticos, como condições meteorológicas ruins na Rússia e na Austrália, além de secas e enchentes (sim, ambas ao mesmo tempo) no Rio Grande do Sul.
Embora seja indiscutível que fatores climáticos afetem os preços dos alimentos, esses economistas precisam explicar por que então os preços de todas as commodities não alimentícias vêm sofrendo altas substanciais recentemente. Mais ainda: como isso é possível em um mundo ainda em recessão.
Particularmente no Brasil, não foram só os alimentos que encareceram. Estes encareceram de maneira mais sensível, é fato. O feijão e a carne, por exemplo, nos últimos 12 meses encareceram mais de 50%. Fatores climáticos realmente podem explicar essa disparada de preço. Mas apenas os fatores climáticos não explicam tudo -- afinal, os preços dos bens de consumo duráveis e não-duráveis e dos serviços também estão em forte ascensão.
De acordo com dados da FGV e do IBGE, nos últimos 12 meses, hotéis e empregadas domésticas encareceram 12%. Médico, 11%. Dentista e cabeleireiro, 8%. Custos relacionados à habitação subiram mais de 13%. No geral, os serviços encareceram 7,89% no período de 12 meses encerrado em janeiro. Passagens aéreas subiram 14%.
Voltando ao setor de comidas e bebidas: restaurante, 11%. Frango, 16%. Leite, 18%. Laranja, 31%. Picanha, 42%. Filé-mignon, 52%. Feijão, 63%.
Já na construção civil, apenas em 2010 os custos gerais subiram quase 8%, sendo que os preços da mão-de-obra aumentaram mais de 10%.
Por fim, em termos ainda mais notórios, o índice de preços por atacado -- que mede os preços em diversos estágios do processo produtivo, principalmente os preços dos bens de capital (produtos industriais, máquinas e equipamentos) utilizados na indústria de transformação -- apresentou um aumento de 14,18% de janeiro de 2010 a janeiro de 2011.
Vale ressaltar que foi apenas nos dois últimos meses de 2010 que a disparada dos alimentos se fez mais notória. Logo, não faz sentido econômico dizer que médicos, dentistas, cabeleireiros, empregadas domésticas, hotéis, companhias aéreas e pecuaristas estão reajustando e acelerando seus preços em função dos custos do feijão e da carne. Da mesma forma, não faz sentido econômico dizer que o cimento, os salários dos peões e os vergalhões encareceram por causa do frango.
Em termos estritamente econômicos, é preciso estar havendo um estímulo maior do que isso. No caso, está havendo uma forte criação de dinheiro por parte do Banco Central e do sistema bancário de reservas fracionárias. Sim, os preços dos alimentos aumentaram também por causa de fatores climáticos. Mas tal aumento foi intensificado pelos efeitos estritamente monetários. Foram também exclusivamente fatores monetários que provocaram elevações gerais nos preços dos bens e serviços da economia brasileira, como veremos a seguir.
Todos os detalhes essenciais da economia brasileira desde 2003 foram explicitados nesse artigo, inclusive o comportamento da economia durante a recessão de 2009. Logo, não há necessidade de repetir os mesmos detalhes aqui.
No presente texto, vou me concentrar mais detidamente na evolução dos meios fiduciários desde outubro de 2008. O que são meios fiduciários, a importância de sua mensuração e o porquê dessa data específica serão explicitados a seguir.
A criação de meios fiduciários -- explicando o básico
Um aumento geral e contínuo nos preços dos bens e serviços de uma economia -- incluindo-se aí o fenômeno da formação de bolhas (as mais conhecidas são aquelas que se formam na bolsa de valores e no mercado imobiliário) -- é um fenômeno que só pode ser mantido se houver um processo de contínua expansão do crédito. Isto é, se houver a criação e o subsequente empréstimo de dinheiro por meio do sistema bancário, o qual opera com a sanção e o apoio do Banco Central.
Expansão do crédito é um fenômeno que depende de dois conceitos relacionados à moeda: dinheiro padrão e meios fiduciários. (Embora o que eu vá explicar abaixo seja extremamente básico para quem já é iniciado no assunto, vale a pena fazer o esforço de acompanhar o raciocínio).
O dinheiro padrão é o dinheiro físico propriamente dito: as cédulas e moedas metálicas, ambas as quais constituem o meio de pagamento final. Isto é, elas não precisam ser trocadas por nenhum outro instrumento de pagamento; elas por si só já representam o pagamento final.
Além das cédulas e moedas metálicas, uma outra variável que também é considerada dinheiro padrão são os depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a manter depositados junto ao Banco Central. O compulsório representa uma porcentagem do total dos depósitos em conta-corrente que os bancos têm de manter como reservas à parte, e eles podem fazer isso tanto na forma de encaixes (dinheiro em seus cofres) quanto na forma de depósitos junto ao Banco Central. Trata-se de um mecanismo de controle da expansão monetária. (Caso não esteja familiarizado com o tema, leia mais detalhes aqui, na seção "O Compulsório").
Quanto menor for o porcentual do compulsório, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos. Os bancos criam dinheiro (eletronicamente) em uma quantia que é inversamente proporcional à taxa do compulsório. No Brasil, o compulsório está atualmente em 45%, o que significa que os bancos podem criar dinheiro no valor de até 2,33 vezes o total de reservas compulsórias (1/0,45).
Funciona assim: João deposita R$ 10.000 em sua conta-corrente no Banco A. João pode até achar que esses R$ 10.000 ficarão ali parados, como um carro em um estacionamento pago, mas não ficarão. Como o sistema bancário é de reservas fracionárias, os bancos mantêm como reservas apenas parte do dinheiro que neles foi depositado. Assim, o Banco A vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 4.500) e emprestar o restante (R$ 5.500) para José. José vai gastar esse dinheiro de alguma forma, e ele (o dinheiro) inevitavelmente acabará sendo depositado em outro banco, o Banco B. O Banco B vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 2.475) e emprestar o restante (R$ 3.025) para Antônio, que adotará o mesmo procedimento de José, dando assim continuidade ao ciclo. Ao mesmo tempo em que o dinheiro de João foi sendo "passado adiante", o próprio João continua tendo acesso integral a esse mesmo dinheiro (que é seu), seja emitindo cheques ou utilizando cartão de débito. Dessa forma, os R$ 10.000 iniciais se multiplicaram.
Portanto, se um banco tiver R$ 10 bilhões de reais em depósitos em conta-corrente, ele será obrigado a manter R$ 4.500.000.000 (três bilhões e duzentos milhões) como reservas, tanto na forma de depósitos junto ao Banco Central quanto na forma de encaixes em seus cofres (a soma dos dois deve totalizar 45%). Atualmente, os bancos ficam com 18% na forma de encaixes e 27% na forma de depósitos junto ao Banco Central.
Esses depósitos junto ao Banco Central estão na forma de moeda eletrônica, meros dígitos nos computadores do Banco Central.
E por que então esse dinheiro depositado junto ao Banco Central, que é eletrônico, é considerado também dinheiro padrão? Porque os bancos, quando necessário, sempre podem requisitar ao Banco Central parte desse dinheiro "preso". Nesse caso, o Banco Central, que tem o poder monopolista de imprimir moeda quando quiser, irá simplesmente imprimir (via Casa da Moeda) a quantia necessária e enviá-la (via carro-forte) ao banco demandante. Este poderá utilizar esse dinheiro para colocar em seus cofres ou em seus caixas eletrônicos 24h.
Sendo assim, um banco ter R$ 2.700.000.000 (27% de dez bilhões) depositados junto ao Banco Central é o equivalente a ter essa mesma quantia em seus cofres.
Com isso, temos definido os componentes do dinheiro padrão: a soma das cédulas e moedas metálicas de fato criadas pelo Banco Central (que estão em posse tanto das pessoas e empresas quanto nos cofres dos bancos) mais os depósitos compulsórios eletrônicos que os bancos mantêm depositados junto ao Banco Central. No jargão economicista, isso chama-se base monetária, e está totalmente sob controle direto do Banco Central. É sobre a base monetária que todo o sistema bancário, coordenado e protegido pelo Banco Central, irá criar mais dinheiro eletrônico (via criação de contas-correntes), expandindo a quantidade total de dinheiro na economia.
Em outubro de 2008, a base monetária era de R$ 139,8 bilhões. Em novembro de 2010, ela já estava em R$ 177,8 bilhões. E na primeira quinzena de fevereiro, o valor já era de R$ 186,9 bilhões. (Ignorarei os meses de dezembro e janeiro porque são meses em que a oferta monetária aumenta temporariamente para acomodar as demandas por moeda geradas pelas festas de fim de ano, 13º e afins.)
A esmagadora fatia da base monetária é formada pela variável "cédulas e moedas metálicas" (inclusive as que estão nos cofres dos bancos), as quais subiram de R$ 99,7 bilhões em outubro de 2008 para R$ 133,1 bilhões em novembro de 2010, e depois para R$ 142,4 bilhões na primeira quinzena de fevereiro (compare esses valores com os valores totais da base monetária nas respectivas datas no parágrafo acima).
Já os depósitos compulsórios junto ao banco central formam, em conjunto com o dinheiro nos cofres dos bancos, as reservas bancárias. Essas reservas são utilizadas para atender aos pedidos daqueles clientes que querem sacar dinheiro, bem como para fazer a compensação de cheques que estão em posse de outros bancos. E é exatamente sobre essas reservas que o sistema bancário de reservas fracionárias cria dinheiro para fazer empréstimos.
Em outubro de 2008, as reservas bancárias eram de R$ 40,1 bilhões. Em novembro de 2010, elas estavam em R$ 44,7 bilhões, voltando a cair para R$ 44,5 bilhões na primeira quinzena de fevereiro.
Esses números já denotam uma anomalia. Normalmente, se a quantidade de dinheiro no sistema econômico aumenta -- tanto em termos da base monetária como um todo quanto em termos das cédulas e moedas metálicas --, as reservas bancárias também aumentam na mesma proporção. No entanto, ao passo que a quantidade de cédulas e moedas metálicas aumentou mais de 33% de outubro de 2008 a novembro de 2010 (tal aumento pula para mais de 42% quando se considera fevereiro), o aumento na quantidade de reservas bancárias foi de meros 11% nesse mesmo período.
Essa anomalia é consequência de um fato: em novembro de 2008, como resposta à crise financeira mundial e a consequente contração do crédito, o Banco Central brasileiro reduziu o valor do compulsório de 45% para 42%. O percentual dos depósitos compulsórios em relação às contas correntes caiu de 35% para 26%, liberando um grande volume de dinheiro para os bancos emprestarem e sobre os quais, por meio do processo de reservas fracionárias, criarem mais dinheiro eletrônico. O que nos leva aos meios fiduciários.
Meios fiduciários, para utilizar a definição técnica, são os depósitos bancários que podem ser utilizados como meios de pagamento e que não estão lastreados por dinheiro padrão, seja esse dinheiro alguma commodity como ouro ou simplesmente cédulas de papel-moeda. Ou seja, trata-se da moeda escritural que não tem nenhuma reserva lastreando-a, pois foi criada do nada pelo sistema bancário. Ou, para ficar no popular, é o dinheiro que você utiliza como pagamento via cheques ou cartão de débito, mas que não possui um correspondente valor em dinheiro físico dentro dos cofres dos bancos ou nos depósitos dos bancos junto ao Banco Central. Repetindo: trata-se de um dinheiro sem lastro.
Grande parte da oferta monetária brasileira atual é formada por meios fiduciários na forma de depósitos em conta-corrente. Todas as outras aplicações financeiras (sejam elas depósitos a prazo, renda fixa, curto prazo, multimercado, referenciado, ações etc.) são meros papeis que, para serem convertidos em dinheiro, precisam antes ser vendidos para algum agente obviamente disposto a comprá-los. E este só irá fazê-lo se tiver dinheiro disponível em sua conta-corrente. Portanto, os depósitos em conta-corrente definem, em última instância, a oferta monetária da economia brasileira.
A oferta monetária, portanto, é definida como as cédulas e moedas metálicas em poder do público mais "aqueles substitutos monetários que podem ser redimidos em dinheiro sob demanda e, por meio de cheques ou cartão de débito, funcionam como equivalentes ao dinheiro no mercado".
Traduzindo para o popular, oferta monetária = cédulas e moedas metálicas em poder do público + os depósitos em conta-corrente. Em economês, tal agregado é conhecido como M1.
Na primeira quinzena de fevereiro, o total da oferta monetária brasileira estava em R$ 265,99 bilhões. Ao mesmo tempo, a base monetária estava em R$ 186,68 bilhões. Correspondentemente, o total de meios fiduciários era igual à diferença entre ambos, a qual foi de R$ 79,3 bilhões. Esse valor corresponde ao total de dinheiro eletrônico utilizável como pagamento via cheques ou cartão de débito, mas que não possui um correspondente valor em dinheiro físico dentro dos cofres dos bancos ou nos depósitos dos bancos junto ao Banco Central. É um dinheiro sem lastro.
Todo o dinheiro que os bancos possuem para restituir os depósitos em conta-corrente são as suas reservas, que estavam, como dito, em R$ 44,5 bilhões em fevereiro. Esses R$ 44,5 bilhões eram todo o dinheiro padrão disponível em suas reservas para lastrear um total de R$ 123,8 bilhões em depósitos em conta-corrente -- isto é, depósitos igual à soma de R$ 44,5 bilhões + R$ 79,3 bilhões. Em outras palavras, havia 100% de reservas lastreando R$ 44,5 bilhões e absolutamente nada para lastrear R$ 79,3 bilhões, que assim são classificados como meios fiduciários.
E para que estou fazendo essa matemática toda? Simples. Como explicou George Reisman em seu livro Capitalism, a quantidade de meios fiduciários em qualquer momento representa o acumulado total de toda a expansão de crédito ocorrida na oferta monetária do país até aquele momento. Ela representa a soma de todos os empréstimos que o sistema bancário de reservas fracionárias fez baseando-se na criação de dinheiro sem qualquer lastro.
E o principal: a diferença entre a quantidade de meios fiduciários entre dois períodos de tempo representa exatamente a expansão do crédito ocorrida nesse intervalo.
Sendo assim, vejamos.
Em outubro de 2008, um mês antes de o Banco Central diminuir o compulsório, o total de meios fiduciários -- diferença entre o M1 e a base monetária -- era de R$ 56,1 bilhões. Em novembro de 2010, os meios fiduciários já totalizavam R$ 75,4 bilhões. E aumentaram para R$ 79,3 bilhões na primeira quinzena de fevereiro.
Portanto, a expansão do crédito ocorrida no período de outubro de 2008 a novembro de 2010, em decorrência tanto da redução do compulsório feita pelo Banco Central em novembro de 2008 quanto do aumento da base monetária e consequente aumento da expansão monetária via sistema bancário de reservas fracionárias, foi de 34,4% -- algo em torno de 1,19% ao mês ou 15,25% por ano.
Se considerarmos o período até a primeira quinzena de fevereiro, então, o aumento total nos meios fiduciários (logo, na expansão do crédito) foi de 41,3% -- algo em torno de 1,24% ao mês ou 15,94% por ano. Em termos nominais, isso significa que o sistema bancário de reservas fracionárias criou R$ 828 milhões por mês ou R$ 27,62 milhões por dia.
O gráfico a seguir mostra a evolução dos meios fiduciários desde janeiro de 2002. Vale observar a expansão ocorrida em 2007, seguida da estagnada de 2008, que culminou na recessão de 2009. Observe também o efeito da redução no compulsório ocorrida em novembro de 2008. Por fim, observe que, desde outubro de 2009, os meios fiduciários estão em expansão contínua. (Ignore os solavancos típicos dos meses de dezembro e janeiro).
Expansão dos meios fiduciários
Causas e efeitos
Mas o que, afinal, provocou essa expansão recente dos meios fiduciários (rivalizada apenas pela de 2007)? É claro que a expansão monetária do Banco Central, em conjunto com sua política de redução do compulsório, teve um papel fundamental nisso tudo. O sistema bancário de reservas fracionárias, por sua vez, se encarregou de ampliar os efeitos. Mas houve um outro fato que auxiliou sobremaneira nesse aumento: a postura fiscal extremamente frouxa que vem sendo adotada pelo governo federal desde meados de 2009.
O gráfico a seguir mostra a dívida mobiliária do governo federal. Veja o salto que a dívida pública -- total de títulos emitidos pelo Tesouro para financiar os gastos do governo -- dá a partir de 2009, aumentando nada menos que R$ 600 bilhões em apenas 2 anos.
Veja que, a partir de meados de 2009, o governo federal aumenta sobremaneira a quantidade de recursos que ele toma do setor bancário. Nesse artigo, expliquei que um dos motivos dessa explosão foi a nova política corporativista do BNDES, que passou a conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas utilizando dinheiro levantado pelo Tesouro junto aos bancos. No artigo linkado, há os detalhes dessa operação.
Outro motivo desse aumento foram os sucessivos déficits orçamentários que o governo passou a apresentar, consequência do aumento pornográfico dos gastos.
O que importa aqui, no entanto, é entender que o fato de o governo federal aumentar a quantidade de dinheiro que ele pega emprestado junto aos bancos provoca uma expansão da oferta monetária -- e, consequentemente, dos meios fiduciários. Como?
Quando o governo federal pega empréstimos junto ao sistema bancário -- por exemplo, emitindo títulos públicos --, ele está obviamente sugando dinheiro que poderia ir para investimentos produtivos e gastando-o em benefício de políticos e grupos favorecidos.
Mas além de reduzir a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos para o setor privado, essa postura do governo também faz com que a quantidade de dinheiro disponível para o mercado interbancário (aquele em que os bancos emprestam uns para os outros com o intuito de manter suas reservas compulsórias nos níveis estipulados pelo Banco Central) fique reduzida, pois agora há dinheiro sendo demandado de todos os lados.
Nesse cenário, caso o Banco Central nada fizesse, a tendência seria que a taxa de juros desse mercado interbancário subisse muito. E a taxa de juros do mercado interbancário, como se sabe, nada mais é do que a SELIC. Mas como o Banco Central trabalha com uma meta para a SELIC, ele não pode deixar que ela suba. Consequentemente, ele tem de injetar dinheiro no mercado interbancário justamente para evitar que ela aumente muito. E o dinheiro que o Banco Central injeta no sistema bancário vai direto para as reservas bancárias, reiniciando todo o processo acima descrito de expansão da oferta monetária via reservas fracionárias e consequente criação de meios fiduciários.
E assim chegamos a esse fenômeno atual: o governo, incorrendo em grandes déficits, está sugando cada vez mais dinheiro do setor bancário, o que pressiona a SELIC. Consequentemente, o Banco Central tem de injetar cada vez mais dinheiro no sistema bancário apenas para impedir que a SELIC suba muito. Se ele simplesmente reduzir a quantidade de injeções monetárias, a SELIC subirá além da meta.
É assim que, no atual sistema monetário, os déficits do governo são inflacionários.
E é esse arranjo que vem fazendo com que a base monetária, o volume de depósitos em conta-corrente, os meios fiduciários e o volume de crédito cresçam em níveis vertiginosos.
Consequências?
Como explica a teoria desenvolvida pela Escola Austríaca de economia, uma expansão dos meios fiduciários que provoque uma redução na taxa real de juros irá estimular investimentos em projetos de longo prazo, principalmente aqueles empreendimentos que fazem uso mais intenso de bens de capital, como produtos industriais, máquinas e equipamentos. Consequentemente, os preços tanto da mão-de-obra quanto dos equipamentos utilizados nessas indústrias irão subir muito mais rapidamente que os preços de bens de consumo não-duráveis.
Um exemplo claro desse fenômeno, e já descrito aqui há quase um ano, é o da bolha imobiliária brasileira, com o contínuo aumento tanto do preço dos imóveis quanto dos custos dos empreendimentos imobiliários, dos materiais utilizados na construção civil e da mão-de-obra.
Outro exemplo claro pode ser visto no comportamento dos preços dos bens de capital (produtos industriais, máquinas e equipamentos) utilizados na indústria de transformação, os quais apresentaram, como informado no início desse artigo, um aumento acumulado de 14,18% de janeiro de 2010 a janeiro de 2011. Veja o comportamento dos preços no gráfico abaixo:
Observe que a expansão dos meios fiduciários gera um aumento contínuo e sustentado nos preços dos bens de capital a partir de meados de 2006, intensificando-se a partir de meados de 2007, bem de acordo com o gráfico dos meios fiduciários. Esse crescimento atinge o ápice em setembro de 2008, quando a inevitável contração do crédito começa a derrubar os preços desses bens, fazendo inclusive com que eles apresentem deflação acumulada durante o primeiro semestre de 2009. Como também explica a teoria dos ciclos econômicos da Escola Austríaca, quando há uma contração do crédito (isto é, redução abrupta no crescimento dos meios fiduciários), os preços desses setores são os que mais decrescem, podendo inclusive apresentar deflação. (Novamente, veja maiores detalhes dessa ocorrência na economia brasileira nesse artigo).
A partir de meados de 2009, com o forte crescimento dos meios fiduciários, os preços desses bens de capital não apenas voltam a subir, como também sua ascensão é vertiginosa, ainda mais rápida do que a ocorrida em 2006/2007.
E desta vez, ao contrário de 2007/2008, os preços tanto dos bens de consumo não-duráveis quanto dos serviços também vêm apresentando substantiva expansão. Os preços dos alimentos, que subiriam de qualquer forma em decorrência dos fatores climáticos, foram intensificados pelas políticas monetárias expansionistas que estão ocorrendo em escala mundial.
Conclusão
Neste artigo, com a intenção de se evitar prolongamentos desnecessários, não foi discutido o efeito que políticas monetárias expansivas têm sobre a distribuição de renda e sobre o crescimento econômico. Quanto a este último, sempre vale a pena ressaltar que, embora variações na oferta monetária não produzam impacto no crescimento agregado da economia, elas certamente afetam a maneira como os recursos da economia são alocados e distribuídos. Mais ainda: elas determinam os tipos de bens que serão produzidos, bem como suas quantidades relativas. Ou seja, as variações da oferta monetária determinam como será a estrutura produtiva da economia, mas não o nível da produção. A única coisa que a inflação e o crédito fazem é provocar uma alteração na valoração de bens, serviços e salários, e uma consequente realocação de recursos.
Os preços no Brasil -- não só os dos alimentos -- estão em alta. A inflação dos últimos doze meses (fechada em janeiro) apontou aumento de 5,99% para o IPCA, 6,53% para o INPC, 7,41% para o IPC, 11,50% para o IGP-M, 14,18% para o IPA-M e 28,40% para o IPA dos produtos agrícolas.
Essa sopa de siglas é o de menos. O que importa saber é que toda essa inflação de preços está ocorrendo em uma época em que o câmbio está em seu nível mais apreciado da história (o que significa que as importações nunca foram tão baratas). Logo, toda a inflação de preços por que passamos tem três culpados bem definidos: o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o sistema bancário de reservas fracionárias.
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