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Economia

A bolha do petróleo

12/06/2008

A bolha do petróleo

Existem muitos fatores por trás do aumento brusco no preço do petróleo, mas um deles é frequentemente ignorado: trata-se de uma bolha. Onde quer que apareçam bolhas no mercado (pense na bolha imobiliária e na bolha das ações de empresas de tecnologia, apenas para citar as duas mais recentes), você encontrará a mão oculta da política monetária em ação. Este é um assunto essencial que ajuda a explicar o preço. Reconhecer isso também nos ajuda a fazer um melhor julgamento sobre o futuro do preço do petróleo, já que se trata de algo relacionado ao bem-estar econômico de todos.

A julgar pelas atas do Fed sobre a reunião do comitê de política monetária ocorrida nos dias 29 e 30 de abril, os tecnocratas do banco central americano ficaram mais pessimistas em relação ao crescimento da economia. O Fed agora está prevendo que o crescimento econômico provavelmente ficará entre 0,3% e 1,2% em 2008 - menor, portanto, do que a previsão anterior feita pelo próprio Fed, que estava entre 1,3% e 2%.

A principal razão dessa queda é o aumento abrupto havido nos preços das commodities e, em particular, no preço do petróleo - o que os tecnocratas do Fed temem despertar expectativas de maior inflação e, assim, levar a um aumento da taxa básica de inflação. No dia 6 de junho, sexta-feira, o preço do petróleo fechou a $139 dólares o barril. Com isso, a taxa anualizada de crescimento do preço do petróleo pulou de 72,9% em abril para 111,1%. De acordo com a tradicional pesquisa de confiança do consumidor, feita pela Universidade de Michigan, as expectativas de inflação para o ano seguinte, que foram de 3,3% em maio do ano passado e de 4,8% em abril deste ano, pularam para 5,2%.

Normalmente se assume que uma inflação crescente corrói a renda real disponível do consumidor, o que por sua vez reduz o gasto voltado para o consumo. Dado que o gasto é o principal componente do PIB real, o crescimento econômico real vai obviamente sofrer pressão contracionista - ou é o que dizem. Por essa lógica, se o preço do petróleo continuasse subindo ainda mais, então em momento algum o Fed seria forçado a diminuir sua estimativa para um crescimento negativo (ou seja, uma depressão), pois este seria impossível.

O Fed e seus funcionários seguem a estrutura keynesiana de pensamento. Nessa estrutura, o gasto de um indivíduo cria renda para um outro indivíduo. Assim, quanto mais as pessoas gastarem, mais renda será gerada. (O que causa crescimento econômico é o gasto em consumo, sempre de acordo com a teoria keynesiana). Também, observe que a causa de uma possível recessão, ainda de acordo com esse método de pensamento, é que ocorram variados choques, como um choque no preço do petróleo, que perturbem a capacidade de gasto do consumidor.

A maioria dos comentaristas econômicos defende que o atual aumento acentuado do preço do petróleo se deve a problemas de oferta. Os campos petrolíferos existentes estão se exaurindo com o tempo, ao passo que novos campos não estão sendo descobertos na rapidez suficiente. Alguns outros comentaristas dizem que o problema da oferta é culpa das restrições que o governo americano faz à extração de petróleo em várias áreas dos EUA por razões ambientais. Sem querer diminuir a importância dos fatores de oferta, sugerimos que um outro fator que deve ser considerado é a política do Banco Central americano.

As políticas do Fed e as bolhas no mercado

O que torna possível gerar os bens e serviços que as pessoas necessitam para auxiliar suas vidas e bem-estar é a infra-estrutura do capital, e não a gastança dos consumidores - como sugere a economia popular. É a otimização e a expansão da infra-estrutura que permitem um aumento na produção de bens e serviços.

Uma melhora na infra-estrutura torna possível o crescimento econômico. O fator-chave que permite a melhora da infra-estrutura é o fluxo de poupança real que vai financiar a otimização dessa infra-estrutura - ou seja, que vai permitir a produção de várias ferramentas e maquinarias também chamadas de bens de capital. (Com melhores ferramentas e maquinarias, uma melhor qualidade e uma maior quantidade de bens e serviços podem agora ser produzidos).

Em uma economia de mercado livre e desimpedida, a infra-estrutura existente está de acordo com a tendência em direção à harmonia entre as várias atividades. Sobre isso, Murray Rothbard, parafraseando Ludwig Lachmann, escreveu:

"O capital é uma estrutura intrincada, delicada e entrelaçada de bens de capital. Todos os delicados cordões dessa estrutura têm de se combinar, e se combinar precisamente. Caso contrário, ocorrerão maus investimentos. O livre mercado é praticamente um mecanismo automático para tal ajuste;... o livre mercado, com seu sistema de preços e seu mecanismo de lucros e prejuízos, ajusta o produto e a variedade dos diferentes ramos de produção, impedindo que um deles saia para muito longe do alinhamento." (Murray Rothbard; Man, Economy & State, Capítulo 12, Seção 10)

Essa harmonia se torna desorganizada pelas políticas monetárias de um banco central. Uma diminuição artificial das taxas de juros pelo Fed e o subseqüente aumento da taxa de crescimento da oferta monetária causam o surgimento de várias atividades não-produtivas - bolhas.

Definimos uma bolha como o resultado de atividades que emergiram no rastro de uma política monetária frouxa do banco central. Na ausência de injeções monetárias, essas atividades não teriam se desenvolvido.

Como resultado, a infra-estrutura da economia fica distorcida. Vários projetos que não teriam sido cogitados antes da diminuição artificial das taxas de juros e do conseqüente aumento da injeção monetária agora passam a ser empreendidos.

O aumento da oferta monetária, que estimula vários novos projetos, estabelece os alicerces para uma demanda adicional por várias commodities, inclusive petróleo. Mais dinheiro é canalizado em direção a commodities e petróleo. Dado que o preço de um bem é a quantidade de dinheiro paga por unidade desse bem, isso significa que os preços das commodities e do petróleo agora estão subindo.

Quando o banco central apertar sua política monetária, o fluxo reduzido de dinheiro vai enfraquecer a expansão das bolhas - uma recessão inevitavelmente surgirá.

Note que as bolhas surgem e são sustentadas por meio de uma política monetária frouxa. Por causa dessa política, fundos reais são desviados de atividades geradoras de riqueza e direcionados para essas bolhas. Quando a taxa de crescimento da oferta monetária diminuir, diminuirá também o desvio dessa riqueza real - isto é, vai diminuir o estímulo às atividades não-produtivas. Como resultado, a demanda por vários bens e serviços que emergiram no rastro dessas atividades não-produtivas passa a sofrer uma pressão baixista. Consequentemente, os preços desses bens, como as várias commodities e o petróleo, vão cair.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos sugerir que há uma alta probabilidade de que o aumento maciço no preço do petróleo que estamos testemunhado atualmente é a manifestação de uma severa má alocação de recursos - um grande aumento de atividades não-produtivas. São essas atividades que criaram as bases para a bolha no mercado de petróleo, bolha essa que se tornou evidente no aumento explosivo do preço do petróleo.

A raiz do problema em questão é a extremamente frouxa política monetária adotada pelo Fed entre janeiro de 2001 e junho de 2004. A taxa básica de juros foi diminuída de 6,5% para 1%, enquanto a taxa de crescimento monetário aumentou estrondosamente. Entre o terceiro trimestre de 2001 e o quarto trimestre de 2004, a média anual da taxa de crescimento da oferta monetária, medida pelo medidor monetário criado pelo Mises Institute, o TMS[*], ficou em 7,5%. Isso deve ser contrastado com a taxa de crescimento de 2% ocorrida no segundo trimestre de 2001 e com a de 0,8% ocorrida no quarto trimestre de 2000. A postura monetária desleixada estimulou vários maus investimentos, os quais nós rotulamos aqui de bolhas.

[*] A TMS (True Money Supply - Oferta Monetária Verdadeira) foi formulada por Murray Rothbard e representa a quantidade de dinheiro na economia que está prontamente disponível para transação. Esse medidor já foi chamado de Oferta Monetária Austríaca, Oferta Monetária de Rothbard e Oferta Monetária Verdadeira. A vantagem da TMS sobre as medidas convencionais calculadas pelo Federal Reserve é que ela considera apenas o dinheiro que está imediatamente disponível para transação e não faz contagem dupla. Todo o dinheiro que está aplicado em fundos mútuos é excluído da TMS exatamente porque fundos mútuos representam um portfolio de alta liquidez, investimentos de curto-prazo que devem ser vendidos para que as ações se convertam em dinheiro. Para uma descrição e explicação detalhada da TMS, veja Salerno (1987) e Shostak (2000). A TMS consiste nos seguintes agregados: o componente em espécie de M1, o total de depósitos a vista, depósitos a prazo, depósitos a vista do governo americano e o seu saldo de títulos, depósitos a vista em nome de bancos comerciais estrangeiros, depósitos a vista em nome de instituições oficiais estrangeiras.

TMS20080402.png
[Clique aqui para ampliar a figura e ver as ferramentas desse novo agregado financeiro criado pelo Ludwig von Mises Institute.]

De junho de 2004 a setembro de 2007, o Fed passou a perseguir uma política monetária mais apertada. A taxa básica de juros aumentou de 1% para 5,25%. Como conseqüência, a taxa de crescimento anual da TMS caiu de 7,1% no quarto trimestre de 2004 para 0,4% no primeiro trimestre de 2008. Por causa dessa forte queda no crescimento da oferta monetária, várias atividades não-produtivas estão atualmente sob pressão recessiva. Isso por sua vez deve começar a afetar os preços de várias commodities, inclusive o petróleo.

Lamentavelmente, a frouxa política monetária adotada pelo Fed desde setembro do ano passado (a taxa básica de juros foi diminuída de 5,25% para 2%), após um período de estabilidade (a taxa ficou em 5,25% de 29 de junho de 2006 até 18 de setembro de 2007), provavelmente vai interromper a remoção de várias bolhas e, além, vai estimular o aumento desse fenômeno, talvez em outros setores da economia.

Obviamente, se o conjunto da poupança real está diminuindo - isto é, o fluxo de poupança real não mais é suficiente para sustentar as várias atividades novas e as já existentes -, o crescimento econômico vai sofrer um baque e os preços das commodities sofrerão uma pressão baixista, não obstante a agressiva política monetária expansiva que o Fed adotou desde setembro do ano passado.

Porém, não são apenas as políticas do Fed que devem ser culpadas pelo aumento agudo no preço do petróleo, mas também as políticas de outros países, como a China. A maciça injeção monetária que tem havido na China e as várias estruturas que surgiram no rastro dessa injeção monetária contribuíram para o exagerado aumento na demanda por várias commodities, incluindo o petróleo.

Por ora, o ritmo da atividade econômica nominal da China continua crescente. Estimamos que a taxa de crescimento anual da atividade econômica nominal ficou em 38% no primeiro trimestre contra 36% no trimestre anterior. Isso, junto com o efeito vindouro da frouxa política monetária adotada pelo Fed desde setembro de 2007, provavelmente vai abrandar a pressão baixista no preço do petróleo, tudo o mais constante.

Conclusão

Sugerimos que há uma grande probabilidade de que o maciço aumento no preço do petróleo seja a manifestação de uma grave má alocação de recursos. A frouxa política monetária adotada pelo Fed entre janeiro de 2001 até junho de 2004 é provavelmente o fator chave por trás dessas más alocações. (As taxas de juros foram diminuídas de 6% para 1%). A postura mais contracionista adotada pelo Fed de junho de 2004 até setembro de 2007 deveria enfraquecer a existência de várias atividades não-produtivas e, por sua vez, reduzir a pressão altista sobre o preço do petróleo.

Lamentavelmente, a frouxa política monetária que o Fed adotou desde setembro do ano passado, em conjunto com uma atividade econômica chinesa ainda muito animada, provavelmente vai se opor a qualquer pressão baixista no preço do petróleo. A atual política do Fed de querer combater um inevitável declínio econômico através de injeções monetárias é, na verdade, uma política de aprofundar as más alocações de recursos, promovendo por meio dela uma alta no preço do petróleo. Se nossa tese sobre a bolha no mercado de petróleo for válida, então são as políticas do Fed que devem ser culpadas pela erosão do padrão de vida dos consumidores, e não o aumento do preço do petróleo.

Sobre o autor

Frank Shostak

É um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org. Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados fina...

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