Indo pelo caminho argentino
Há várias maneiras de se arruinar uma economia. A Argentina experimentou a maioria delas. O país desvalorizou sua moeda e depois sobrevalorizou. Fixou o câmbio e depois cancelou a âncora. Regulamentou, controlou, inspecionou, tributou e confiscou. Após a crise de 2001, a renda caiu 30% -- sendo que metade da nação ficou abaixo da linha de pobreza. É de fato incrível é que a economia argentina ainda exista.
Serenata Tropical (Down Argentina Way) foi um filme de 1940 que transformou Betty Grable em uma estrela, interpretando o papel de uma jovem mulher em férias na Argentina que se apaixonava por um rico dono de um cavalo de corrida. O roteiro de fato refletia um fato que havia sido comum nos 25 anos anteriores à estréia do filme.
Poucas pessoas se lembram, mas no início do século XX era comum a expressão "tão rico quanto um argentino", frequentemente utilizada por pobres aristocratas britânicos que tentavam fazer suas filhas se casarem com argentinos ricos. A Argentina realmente era uma nação rica. Por exemplo, todos nós sabemos sobre a loja de departamentos da Harrods em Londres. Poucos sabem que, durante esse período de prosperidade argentina, a Harrods também tinha uma loja em Buenos Aires.
Buenos Aires ainda é uma cidade bonita e interessante. Se você visitá-la, vai aprender que existe vida após moratórias e colapsos monetários. Aliás, esse mesmo fenômeno já foi comprovado numerosas vezes também pela Rússia, Alemanha e várias outras nações. Já aconteceu até mesmo nos EUA. E duas vezes.
Desde 2008, estamos definitivamente vivendo tempos interessantes, tanto na política mundial quanto nos mercados. Os EUA vêm tentando soluções econômicas rigorosamente keynesianas, com déficits explosivos e um endividamento governamental que se eleva em trilhões a cada ano, tudo para tentar resolver problemas que se originaram com uma bolha e um consequente colapso no setor imobiliário.
Albert Einstein já dizia: "Insanidade é fazer a mesma coisa repetidas vezes e esperar resultados diferentes".
O mundo está repleto de pessoas que parecem normais, porém, pelos padrões einsteinianos, são insanas. O problema é que a maioria destas pessoas são políticos e "líderes" de governos.
Basta olhar para os EUA. O governo americano vem acumulando trilhões em dívida desde a Segunda Guerra Mundial, e a tendência atual é de piora sensível. Creio que o país seguirá firme em direção a mais dívidas e menos liberdade até que a estrada finalmente acabe. O dólar continuará em derrocada e a dívida nacional continuará subindo até que o mundo finalmente resolva parar de comprar os títulos do Tesouro americano.
Nas últimas semanas, China, Brasil, Alemanha e França alertaram os EUA para que o país colocasse o dólar e sua dívida em ordem. Mas tudo em vão. E isso irá continuar por um bom tempo. Porém, assim como a política externa do país é rejeitada por grande parte do mundo, a política financeira também já começou a ser questionada por economistas e líderes mundiais. Um dia o mundo irá se cansar do dólar e de financiar as dívidas do país. O dólar deixará de ser a moeda de reserva mundial.
Mas não há como saber quando isso irá acontecer; pode ser já no próximo ano ou só na próxima década. Não há nada de novo ou singular em tudo que está ocorrendo hoje nos EUA. Tal fenômeno já ocorreu com outros países em vários momentos da história. A única diferença é que nas últimas três décadas houve tanta prosperidade nos EUA, que o país simplesmente se esqueceu de que confisco de riqueza e colapso econômico são muito mais a regra do que a exceção.
Relembrando a Argentina em 1913
Aquele foi um ano importante.
Embora o Império Britânico ainda fosse o primeiro em tamanho econômico, apenas os Estados Unidos desafiavam a Argentina pelo posto de segunda mais poderosa economia do mundo. Esse país era abençoado com uma agricultura abundante, milhões de acres de terras cultiváveis, rios navegáveis e um sistema portuário acessível.
O nível de industrialização do país era substancialmente maior do que o de muitos países europeus, e ferrovias, automóveis e telefones eram coisas corriqueiras. A Argentina era uma das dez mais ricas nações do mundo, e sua taxa de crescimento econômico de 1870 a 1913 superava em muito a dos EUA e a da Alemanha.
Em 1913, o PIB da Argentina chegou a 72% do PIB americano. Porém, em 1998, ele já havia caído para 34%. O que houve de errado?
Política e corrupção. Inflação e depreciação da moeda foram de dois dígitos de 1945 a 1952, de 1956 a 1968 e de 1970 a 1974. Depois passaram para três dígitos e, finalmente, quatro dígitos entre 1975 e 1990. Em 1989, a taxa de inflação chegou a 5.000%. Em um mês, a moeda argentina desvalorizou-se 64% em relação ao dólar. Finalmente, no dia 28 de abril de 1989, a impressoras de dinheiro foram fechadas porque o governo ficou sem papel para as cédulas e os tipógrafos entraram em greve.
O governo argentino deu o calote em sua dívida duas vezes entre 1870 e 1914, e depois novamente em 1982, 1989, 2002 e 2004 (para os credores estrangeiros). Em todo o mundo, o país chegou a ser o que mais vendia títulos da dívida para investidores estrangeiros, exatamente como os EUA fazem hoje.
Em 23 de dezembro de 2001, após o PIB ter despencado 12% naquele ano, o governo anunciou uma moratória em toda a sua dívida internacional -- US$ 81 bilhões. Foi o maior calote da história. Mais tarde, os 500.000 credores estrangeiros finalmente concordaram em aceitar 35 cents para cada dólar que emprestaram. Era melhor do que nada. A China e demais credores do governo americano realmente deveriam analisar com mais atenção o que aconteceu na Argentina.
Mais paralelos sinistros entre a Argentina de ontem e os EUA de hoje
Em 1916, um novo presidente foi eleito na Argentina. Seu nome era Juan Hipólito del Sagrado Corazón de Jesús Irigoyen. Ele era líder de um partido chamado Unión Cívica Radical e seu slogan era "mudança fundamental", com grande apelo junto à classe média baixa. Tal plataforma lembra bastante a retórica utilizada em campanha pelo atual ocupante da Casa Branca.
Irigoyen defendia um programa previdenciário obrigatório, seguros de saúde também obrigatórios e um programa de construção de moradias para pessoas de baixa renda com o intuito de estimular a economia. Basicamente, assim como houve com os pacotes de socorro nos EUA em 2008, na Argentina o estado o assumiu o controle de uma vasta fatia da economia do país e começou a criar novos impostos (principalmente sobre a folha de pagamento) para financiar seus novos programas.
Com um crescente fluxo de dinheiro para esses programas assistencialistas, os desembolsos do governo argentino rapidamente se tornaram excessivamente generosos. Rapidamente os gastos do governo superaram o valor de tudo o que era arrancado à força dos pagadores de impostos. Falando mais simples, o governo rapidamente se tornou carente de recursos, como são quase todas as previdências do mundo de hoje.
O fúnebre badalar dos sinos para a economia argentina, entretanto, veio com a eleição de Juan Perón. Ele seguia uma filosofia corporativista tipicamente fascista, na linha de Mussolini na Itália. Ele e sua carismática esposa, Evita, primeiro direcionaram sua retórica populista contra os ricos do país. Porém, à medida que o tempo passou, os grupos visados se expandiram e passaram a abranger quase toda a classe média que possuía propriedades, tornando-se esta o novo inimigo a ser derrotado e saqueado. Sob Perón, o tamanho da burocracia estatal explodiu em decorrência de inúmeros programas de gastos sociais e do estímulo dado ao crescimento dos sindicatos.
Os impostos seguiram crescendo, assim como a malversação da economia, o que fazia contínuos estragos. Mesmo após Perón ter sido retirado da presidência, as coisas seguiram piorando. Sua retórica populista/socialista e sua ignorância em relação à economia de livre mercado permaneceram na cena política, enquanto o governo argentino continuava gastando muito além do que arrecadava. Assim como os EUA de hoje.
A hiperinflação explodiu em 1989, algo que tradicionalmente representa o estágio final do colapso gerado por políticas protecionistas, salários inflados e regulamentações extremamente burocráticas da economia. A prática do governo argentino de imprimir dinheiro para pagar suas dívidas destruiu a economia quando a inflação atingiu níveis que lembravam os da República de Weimar. Badernas e saques de supermercados em busca de comida tornaram-se desenfreados. Lojas eram pilhadas. O país mergulhou no caos.
Já em 1994, o sistema previdenciário da Argentina havia implodido. Mesmo com os encargos sociais sobre a folha de pagamento tendo subido de 5% para 26%, a arrecadação ainda não era suficiente. Assim, a Argentina instituiu um imposto sobre valor agregado, novas (e mais altas) alíquotas para o imposto de renda e um imposto sobre a riqueza. Tais medidas esmagaram o setor privado.
Um programa de "privatização" da previdência -- no qual ela continuou sendo controlada pelo governo -- foi feito na tentativa de salvar a aposentadoria dos idosos. Porém, em 2001, esses fundos já haviam sido destruídos pelo próprio governo, que os obrigou a comprar os títulos de sua dívida. Como se sabe, o governo deu o calote.
Já em 2002, a irresponsabilidade fiscal do governo argentino havia produzido uma crise econômica tão severa quanto a Grande Depressão americana.
Os atuais problemas americanos prometem coisa pior. O dólar ainda é a moeda de reserva mundial, o que significa que a queda americana será mais retumbante que a argentina. Alemanha, China, França e outras nações já alertaram que a tolerância será limitada em relação à contínua impressão de dinheiro que vem sendo feita nos EUA. O júri ainda está em reunião, mas se as impressoras continuarem a toda, os EUA não irão gostar do veredito.
Os EUA correm o risco de serem os culpados pela maior das depressões
Existem, como vimos, paralelos entre a Argentina e o rumo tomado pelos EUA. Após o colapso de 2008, todo o mundo ficou em situação difícil. Os EUA, previsivelmente, optaram pela desvalorização do dólar para tentar "resolver" seus problemas. Alemanha, China e Rússia vêm expressando seu desgosto pela medida.
O país, indubitavelmente, será o acusado do colapso econômico vindouro. Outros países temem, corretamente, aquilo que já viram antes: um maremoto de repúdios às dívidas e de depreciações monetárias que pode mudar dramaticamente o mundo. Eles sabem que os EUA irão se esforçar para adiar o inevitável -- porém, cedo ou tarde, o impacto cumulativo da prodigalidade, do desperdício e da corrupção se tornará irrefreável. A economia americana provavelmente irá implodir, levando junto consigo a atual ordem mundial.
Estamos vivendo exatamente no meio de uma mudança de paradigmas; a internet está trazendo um impacto inédito à política, à informação e aos mercados financeiros. Esse tipo de transformação já ocorreu antes, quando Gutenberg inventou a prensa gráfica no século XV, algo que destruiu a estrutura de poder então vigente na Europa, criando grandes agitos. A invenção da impressora fez com a religião, com o estado e com a economia do século XV e XVI aquilo que a internet está fazendo com a sociedade ocidental atual.
Já estamos em um empolgante período de transição, em que todas as instituições estabelecidas, inclusive o todo poderoso e ultra-secreto Banco Central americano, além do sistema bancário, estão sendo questionadas e desafiadas pela imprensa alternativa da qual fazemos parte. Verdades e mudanças podem ser boas no longo prazo, mas no curto prazo elas pressionam o sistema, assim como a quebradeira generalizada e o repúdio da dívida fizeram na Argentina.
Se há lição que podemos aprender com o episódio argentino é que riqueza e recursos podem ser totalmente destruídos pelo governo e seus desvarios financeiros. Mesmo países extremamente ricos podem ter suas economias destruídas por pura incompetência governamental. Uma situação econômica aparentemente sólida e próspera pode se tornar instável e depressiva em questão de anos.
Tudo depende de quão destrutivas serão as políticas adotadas por um governo.
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