Uma tragédia grega
O modelo de "welfare state" (bem-estar social)
europeu com uma moeda única está em xeque. Os países conhecidos como PIGS
(Portugal, Itália, Grécia e Espanha) encontram-se diante de uma crise sem
precedentes. Quando o euro foi lançado, o economista Milton Friedman fez uma
previsão de que a moeda única não iria sobreviver após sua primeira grande
crise. O júri ainda não deu o veredicto, mas o julgamento está em andamento com
evidências favoráveis ao prognóstico pessimista. O caso da Grécia é
sintomático.
O ímpeto gastador do governo grego tem batido de frente com a necessidade de
manter as contas fiscais ajustadas. Desde 2001, quando a Grécia aderiu ao euro,
o país cumpriu somente uma vez o teto acordado de 3% do Produto Interno Bruto
(PIB) para o déficit fiscal no ano. O déficit projetado para 2009 está em 12,7%
do PIB. A dívida pública deve chegar a 125% do PIB em 2010. O governo precisa
levantar ? 55 bilhões no ano que vem para refinanciar a dívida existente e
manter o pagamento de salários e pensões. A necessidade de reformas é urgente,
mas o governo não parece disposto a enfrentar a realidade com coragem.
O resultado foi o rebaixamento dos títulos do governo grego pelas agências de classificação
de risco Standard & Poor's e Fitch. O spread desses papéis em relação aos
títulos do governo alemão disparou, chegando perto dos 300 pontos-base. Após
Dubai mexer nos mercados com o pedido de alongamento da dívida estatal, foi a
vez de a Grécia assustar os investidores no mundo todo. O clima de euforia,
estimulado pela espetacular injeção de liquidez pelos bancos centrais mais
importantes, foi levemente abalado pelas notícias da Grécia. Mas os
investidores parecem não trabalhar ainda com um cenário mais negativo para o
país ou com o risco de contágio no resto do mundo.
Entretanto, tais riscos existem e não parecem nada
desprezíveis. Afinal, a situação da Grécia é bastante delicada e ela não está
isolada. A Itália já possui mais de 100% de dívida pública sobre o PIB e a
Espanha caminha para a mesma direção. A carga tributária na região já é elevada
demais.
Os países mais importantes do euro parecem contar com o suporte eterno da
Alemanha. Mas a capacidade de o país de atuar como locomotiva do resto é
limitada. Além disso, o governo da Alemanha se encontra num dilema: se resgatar
os demais governos mais irresponsáveis, ele estará dando um sinal perigoso de
que a irresponsabilidade é compensada ("moral hazard"). Mas se deixar
a Grécia ir à bancarrota, o custo poderá ser muito alto. Em qualquer caso, o
euro parece ameaçado. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Historicamente, países nessa situação complicada de contas públicas acabaram
apelando para uma desvalorização de sua moeda. Isso garante alguma sobrevida,
mas com pesados custos. Os PIGS, entretanto, não dispõem deste instrumento
artificial, já que sua moeda é o euro. Em outras palavras, seus governos não
controlam diretamente a emissão da moeda.
O controle dessa ferramenta está nas mãos de Jean-Claude Trichet e o Banco
Central Europeu, que segue a tradição do seu antecessor Bundesbank. Este, por
sua vez, é conhecido por sua independente disciplina na defesa do marco, após
sua destruição total na hiperinflação alemã. A independência do BCE dificulta a
vida dos governos perdulários. Como eles não podem simplesmente imprimir moeda
para gerar crescimento inflacionário, precisam fazer o duro dever de casa e
cortar gastos. Mas será que vão conseguir? Eis a questão que tem incomodado os
mais pessimistas com a Europa. O euro, que chegou a US$ 1,60 em seu pico, está
perto de US$ 1,40 agora, mesmo com o Fed adotando uma política monetária
altamente inflacionária. Os investidores estão preocupados com o futuro do
dólar, e com razão. Mas mesmo assim o euro desperta pouca atração. Seu futuro
também está em jogo. O mundo atual representa desafios interessantes para todos
os investidores. Como proteger o capital e seu poder de compra quando os
governos mais importantes do mundo ignoram as lições básicas de economia?
O ano que acaba foi marcado pela recuperação dos mercados, principalmente dos
emergentes. Impulsionados pelo caminhão de dinheiro emitido e pelos juros
artificialmente jogados a zero, os principais ativos dispararam. Para 2010,
muitos extrapolam essa tendência. Já consideram a crise coisa do passado. Como
será que iriam reagir diante de um "default" do governo grego? Essa
hipótese não pode ser descartada. Afinal, a Grécia vive uma tragédia digna de
Sófocles. E ela pode carregar a Europa junto no seu drama.
Leia também: A calamitosa situação espanhola - e suas lições para o Brasil
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