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Economia

Por que apenas a escola austríaca explica a bolha imobiliária

25/02/2010

Por que apenas a escola austríaca explica a bolha imobiliária

Em uma crítica a um livro sobre a crise financeira, um analista político de clara orientação pró-livre mercado rechaçou a noção de que imóveis constituem um projeto de longo prazo ou de que eles são "bens de ordem mais alta", insistindo que imóveis na verdade são um "bem de consumo durável".  Consequentemente, ele acredita que examinar a débâcle do setor imobiliário americano por meio da ótica da teoria austríaca dos ciclos econômicos é ilegítimo.

Essa discussão ocorreu várias vezes ao longo da década, quando o boom do setor imobiliário americano estava a pleno vapor.  À medida que o boom continuava e se prolongava por um período de tempo maior do que aquele que muitos julgavam possível, a pergunta inevitável surgiu: Por que a contração do setor não vem?  Talvez porque imóveis, ao contrário do imaginado, sejam meros bens de consumo, o equivalente a grandes geladeiras.  Talvez porque seus preços podem subir eternamente.  Afinal, imóveis não parecem ter as mesmas características de minas e fábricas, que são investimentos de longo prazo.

Analisando superficialmente, isso parece verdade.  Casas são um produto final cuja função é fornecer abrigo.  Havendo mão-de-obra e materiais prontamente disponíveis, uma típica casa suburbana americana podia ser construída num período de 60 a 90 dias.  Não há nada de longo prazo nisso.  E nosso cético não vê qualquer evidência de que a estrutura de produção da economia foi alterada, sendo desviada da produção de bens de consumo para a produção de bens de capital de ordem mais alta (aqueles mais afastados do consumidor final), como prevê a teoria austríaca.  Portanto, de acordo com essa visão, Hayek e Mises podem ser prontamente descartados do debate.

Entretanto, uma casa - assim como qualquer imóvel - envolve mais do que a madeira, os tijolos e os utensílios que as pessoas veem e compram.  A construção de casas começa com a compra do terreno.  E comprar um terreno não é como ir a uma loja varejista, sacar o cartão de crédito e comprar uma TV de plasma.  Primeiro, a imobiliária e sua equipe precisam procurar um terreno onde construir, pois essencialmente a imobiliária acredita que pode vender casas naquele terreno.  Ato contínuo, empresas de consultoria são contratadas para fornecer estudos sobre o solo e relatórios ambientais, bem como para determinar a disponibilidade de serviços de utilidade pública e entender as regulações municipais que determinam o tipo e o tamanho de imóveis que podem ser construídos naquela área.  Esses relatórios levam tempo para serem produzidos e custam muito dinheiro.

Se o terreno parecer apropriado para um empreendimento residencial, a imobiliária irá determinar o quanto pode se pago pelo terreno de modo a tornar o projeto lucrativo, supondo que suas projeções para os preços de venda das casas são acuradas.  Após isso, negocia-se um preço pelo terreno e cria-se um contrato de caução.  Um mercado de terrenos mais aquecido irá ditar contratos de caução mais curtos, de 90 a 180 dias, ao passo que em um mercado típico, contratos de caução de um ano ou mais não são incomuns.

Um fator primordial que vai determinar o preço a ser oferecido pelo terreno é a taxa de juros a ser paga pelo empréstimo utilizado para comprar o terreno.  Taxas de juros baixas permitem à imobiliária pagar preços mais altos.  Elas também permitem que a imobiliária assuma mais riscos políticos e empreendedoriais.  O risco político é a incerteza de que a construtora irá obter a permissão para construir o número e o tipo de unidades planejadas quando o terreno estava sendo avaliado para a compra.  Na maioria das grandes áreas urbanas, aprovações de construção - as quais, no final, descambam em mapas que descrevem juridicamente os lotes onde as casas serão construídas - levam meses, na melhor das hipóteses; atualmente, elas levam anos.

Os custos de um empreendimento horizontal podem mudar dramaticamente durante esse processo, uma vez que a prefeitura pode impor restrições que não haviam sido contempladas, bem como aumentos de custo causados por um aumento na demanda por removedores de terra, máquinas de terraplanagem, cabeamentos subterrâneos e pavimentação de ruas.  E como a maioria dos custos de um empreendimento imobiliário é financiado, taxas de juros baixas viabilizam um maior número de projetos do que taxas de juros altas, não apenas do ponto de vista dos custos, mas também do ponto de vista do tempo gasto.  Portanto, quanto mais baixa a taxa de juros, mais tempo um empreendimento pode se dar ao luxo de durar antes que ele tenha de ser convertido em um bem de consumo.

Em maio de 2000, a taxa básica de juros da economia americana estava em 6,5% e a taxa preferencial (taxa a que um banco empresta para seus clientes preferenciais), utilizada pela maioria dos bancos para precificar empréstimos para a construção civil, estava em 9,5%.  Mas com a recessão de 2001 e os eventos de 11 de setembro, o banco central americano entrou em pânico e começou a baixar a taxa básica até chegar a 1% em junho de 2003.  Consequentemente, a maioria dos bancos diminui suas taxas preferenciais para 4%.  Essa redução fez com que centenas de empreendimentos imobiliários ao redor dos EUA se tornassem viáveis - e as imobiliárias e seus financiadores responderam de acordo.  Bilhões em empréstimos foram direcionados para financiar projetos imobiliários, sendo que o pagamento desses empréstimos viria dos compradores das casas.

Em 2001, o Bureau of Land Management (BLM - departamento do ministério do interior americano que controla o uso das terras públicas) vendeu terras que pertenciam ao governo para imobiliárias por US$ 26.672 o acre em Las Vegas, Nevada.  Quatro anos depois, o BLM já estava precificando o acre em US$ 270.000.  Enquanto os preços dos terrenos aumentavam dez vezes, o preço médio de uma casa nova disparou de US$ 130.000 em dezembro de 2000 para US$ 350.615 no início de 2006.

O custo do terreno geralmente representa de 10 a 25% do preço de uma casa.  E eram as baixas taxas de juros que estavam estimulando esses enormes aumentos em mercados altamente visados como Las Vegas.  "Assim como para qualquer bem, o valor capital da terra é igual à soma do valor descontado de seus alugueis futuros", explicou Murray Rothbard em Man, Economy, and State. (Entenda melhor esse conceito aqui).  O valor da terra aumenta à medida que a taxa de capitalização (razão entre o valor atual e um valor futuro) cai com a taxa de juros.  Assim, quando o banco central diminui os juros, o valor esperado dos alugueis futuros de um determinado terreno aumenta.  "A terra, portanto, é 'capitalizada' assim como o são os bens de capital, as ações de uma empresa e os bens de consumo duráveis", escreveu Rothbard.

Embora tenha havido aumentos nos custos dos materiais e da mão-de-obra durante o boom imobiliário americano, o principal fator a elevar os custos dos imóveis foi o custo da terra.

Recursos humanos foram especialmente redirecionados, saindo da produção de bens de consumo e serviços e indo para o desenvolvimento de projetos imobiliários.  Um enxame de pessoas foi trabalhar nas áreas relacionadas ao setor imobiliário - as óbvias sendo as áreas de construção e venda de imóveis.  No auge do boom, 11% da mão-de-obra empregada em Las Vegas estava diretamente envolvida em construções, sendo que uma em cada 100 pessoas de Las Vegas possuía uma licença de corretor de imóveis.

Mas os empregos indiretamente envolvidos com o setor imobiliário também estavam em forte alta: empresas de seguros contra perdas imobiliárias não conseguiam contratar mais pessoas, o mesmo sendo válido para engenheiros, arquitetos, avaliadores e afins.  Ademais, lojas de móveis e eletrodomésticos surgiam por todos os lados, já que novas casas necessitavam de novos utensílios.

E quando novas casas são construídas, está-se enviando um sinal para as construtoras comerciais de que mais shoppings centers são necessários.  Por causa do aumento desses empregos indiretamente relacionados ao setor imobiliário, mais espaço para escritórios comerciais serão necessários, bem como mais espaço para indústrias, pois haverá mais empreiteiras querendo participar da explosão da demanda por imóveis.

Em meados de 2004, o banco central americano começou a elevar os juros, e já em junho de 2006 a taxa básica estava em 5,25%, e a taxa preferencial dos bancos estava em 8,25%.  O barril do chope foi retirado da festa, e o custo dos juros para os empreendimentos havia mais que duplicado.  E a terra sob essas casas se tornou menos valiosa, pois as taxas de capitalização subiram junto com as taxas de juros.

Hoje, estima-se que existam 2,4 milhões de casas em excesso nos EUA - resultado de as imobiliárias terem sido induzidas, pelas baixas taxas de juros, a assumir empreendimentos longos e arriscados.  Ao mesmo tempo, ao passo que os empregos na construção civil no estado de Nevada (por exemplo) chegaram a quase 150.000 em meados de 2006, em outubro de 2009 havia menos de 84.000, de acordo com um relatório do Nevada Department of Employment, Training, and Rehabilitation - e isso vai só piorar quando o faraônico projeto CityCenter estiver finalizado e 12.000 operários deixarem de ser necessários para aquele empreendimento.  O desemprego hoje é de 13% naquela que já foi conhecida como a cidade do boom imobiliário - uma taxa bem acima dos 9,7% do país.

Entretanto, Nevada não está só.  Nos últimos dois anos, o emprego na construção civil caiu em todos os estados americanos, exceto em três.

E ao passo que os preços em Las Vegas caíram 57% desde o auge, os preços dos terrenos caíram 76%.  Com esse corte de mais de três quartos nos preços dos terrenos, os preços dos imóveis voltaram a níveis não vistos desde antes do 11 de setembro e da maciça intervenção do banco central americano.

Como a teoria austríaca dos ciclos econômicos prescreve, o colapso está agora em processo, limpando os investimentos errôneos e realocando os recursos mal direcionados.  Casas e prédios estão vazios, enquanto que operários da construção civil e corretores imobiliários estão procurando outros tipos de trabalho.  O fato é que imóveis incluem o terreno sobre o qual são construídos, e a terra é certamente um bem de ordem mais alta.

No caso do atual colapso do setor imobiliário, a teoria austríaca está definitivamente correta.  Mises e os austríacos são mais relevantes do que nunca.

Sobre o autor

Douglas French

É o diretor do Ludwig von Mises Institute do Canadá. Já foi o presidente do Mises Institute americano, editor sênior do Laissez Faire Club.

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