Facilitadores do mercado ou promotores de conspirações?
Nos últimos tempos, têm ocorrido ataques generalizados às ferramentas algorítmicas de precificação de aluguéis, acusadas de servirem como meio para que proprietários conspirem entre si em prejuízo dos inquilinos. Não apenas o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ na sigla em inglês) moveu uma ação desse tipo, como também inúmeros estados e cidades embarcaram nessa mesma direção, além de haver ações coletivas. Contudo, há uma forma melhor de interpretar tais ferramentas, a de que elas permitem que os valores de aluguel se ajustem mais rapidamente ao que é justificado pelas condições de mercado (como os economistas ilustram por meio das mudanças de oferta e demanda) quando essas condições se alteram, algo que se torna particularmente importante quando tais mudanças ocorrem de forma acelerada.
Essas ferramentas algorítmicas utilizam informações sobre os imóveis para aluguel, datas de validade de contratos, taxas prováveis de novos candidatos e outros termos relativos a um determinado proprietário, além de dados publicamente disponíveis, para recomendar se seria mais lucrativo aumentar, reduzir ou manter inalterados os preços de locação. Caso recomendem uma alteração, elas também incorporam informações adicionais anônimas de outros usuários das ferramentas do provedor (para fornecer inteligência sobre o mercado sem comunicar a terceiros dados sobre rivais específicos), a fim de determinar os aluguéis sugeridos. Os assinantes podem seguir, ajustar ou simplesmente ignorar essas recomendações.
Dadas as narrativas tão distintas, de “conluio” versus “concorrência aprimorada”, que podem ser usadas para caracterizar esses algoritmos, como podemos determinar se tais ferramentas algorítmicas são facilitadoras do mercado ou se viabilizam de conspirações?
Para começar, é instrutivo observar quando os ataques às ferramentas algorítmicas de precificação começaram a surgir. Isso ocorreu principalmente no início da década de 2020, quando os aluguéis estavam disparando. Para ilustrar, a CBS News informou que os aluguéis subiram 30,4% entre 2019 e 2023. Esse é exatamente o tipo de cenário que torna mais valioso um ajuste rápido às mudanças nas condições de mercado. Essa forte inflação no setor de locação também significava que políticos e burocratas governamentais estavam ansiosos para evitar a culpa e, se possível, parecer oferecer soluções para problemas causados por terceiros.
Infelizmente para essa estratégia, as ações governamentais que tenderam a elevar os aluguéis estavam por toda parte. A política monetária foi excessivamente expansionista, a política fiscal foi igualmente pródiga, tanto em nível federal quanto estadual, e ambas inseriram a palavra trilhão no vocabulário comum dos americanos. A isso somaram-se restrições regulatórias que aumentaram custos e atrasos e reduziram a construção habitacional, empilhando-se sobre as já existentes restrições de zoneamento, taxas de licenciamento e de impacto, impostos sobre a propriedade, padrões de eficiência, e assim por diante.
Consequentemente, um grande número de “servidores públicos” passou a querer evitar ser responsabilizado pelo acentuado aumento nos custos dos aluguéis que estava ocorrendo. No entanto, poucas narrativas conseguiam enquadrar uma explicação que os absolvesse. O uso de softwares de precificação algorítmica, por outro lado, também aumentou nesse mesmo período, e isso fez dessas ferramentas um bode expiatório conveniente para aqueles que concordavam que a resposta para “quem deve ser culpado?” era “eu não”.
Os que recorreram a esse bode expiatório tomaram a correlação entre o aumento dos preços dos aluguéis e o crescimento do uso de softwares de precificação algorítmica nesse intervalo de tempo como prova de causalidade, ignorando um dos princípios mais básicos da estatística: correlação não prova causalidade. Por exemplo, muitos adolescentes sofrem de acne e também passam por saltos de crescimento, mas não concluímos, com base nessa correlação, que a acne causa o crescimento. Essa estratégia também ignorou completamente o fato de que, em um contexto inflacionário, as ferramentas algorítmicas se tornam ainda mais valiosas para aprimorar os ajustes de mercado. Na realidade, é perfeitamente possível que os rápidos aumentos nos preços dos aluguéis tenham levado a uma adoção crescente dessas ferramentas, especialmente úteis nesse tipo de circunstância, em vez de o sentido da causalidade ser o oposto.
Os opositores então enfeitaram sua narrativa com adjetivos como “monopolista” e “colusivo”, e substantivos como “conspiração”, temperando tudo com medo e aversão aos grandes proprietários, apresentados como representantes do “grande capital”, repetindo incessantemente essa narrativa compartilhada, tentando desviar a responsabilidade que lhes cabia. No entanto, como observou Kevin Hopkins, do instituto R Street: “O simples fato de que a colusão monopolista e a manipulação dos mercados de aluguel sejam postuladas de forma convincente não significa que elas realmente existam”.
Enquanto os que trataram as ferramentas de algoritmo como bodes expiatórios tentavam garantir que o público não refletisse com profundidade sobre sua “prova” baseada na falsa lógica de que correlação demonstra causalidade, supostamente evidenciando práticas anticompetitivas por parte dos usuários das ferramentas algorítmicas, vale a pena examinar isso com atenção, pois há muitas formas pelas quais seus argumentos fracassam.
Os proprietários não firmaram nenhum acordo direto entre si ao utilizar essas ferramentas algorítmicas. Contudo, esse é o padrão estabelecido para ações antitruste segundo o Sherman Act. Na verdade, os críticos dos algoritmos afirmaram que nenhum acordo desse tipo precisaria sequer ser provado nesse caso. Isso sugere que os burocratas do antitruste, seus superiores políticos e parte da advocacia especializada na área possam estar mais interessados em ampliar seu poder para vencer casos sem a necessidade de comprovar a existência de um conluio real do que, de fato, em proteger a concorrência de mercado contra a colusão.
Muito poucos proprietários realmente utilizam ferramentas algorítmicas a ponto de lhes conferir o tipo de poder monopolístico que supostamente estariam abusando. Os acusadores, porém, argumentam que o fato de uma empresa deter grande participação no mercado de usuários de softwares algorítmicos já seria suficiente para refutar essa afirmação. Entretanto, o mercado relevante para determinar a capacidade de elevar aluguéis de forma coordenada é o das cerca de 50 milhões de unidades habitacionais para locação existentes nos EUA, número que supera em muito a pequena porcentagem, de um dígito, que efetivamente utiliza tais ferramentas.
Quando informações não públicas foram utilizadas nas sugestões de precificação produzidas pelo software, elas eram anonimizadas, justamente para impedir a comunicação de dados sobre o comportamento de concorrentes específicos, o que inviabiliza qualquer possibilidade de usar essas informações para monitorar acordos colusivos. Além disso, nenhum usuário do software era obrigado a seguir suas recomendações, nem era punido por deixar de fazê-lo, e as divergências em relação às sugestões eram comuns. Ambos os fatores enfraquecem os argumentos dos acusadores, uma vez que o descumprimento de preços “acordados” é o calcanhar de Aquiles típico que desmonta tentativas de conluio em políticas de preços. Por fim, há também evidências que apoiam o cenário de concorrência aprimorada por meio dessas ferramentas, mas não há evidências que sustentem a narrativa de conspiração.
Em momentos em que as condições de base da economia provocam inflação de preços, tanto a interpretação de “aumento do poder colusivo dos proprietários” quanto a de “melhor revelação das condições competitivas do mercado” apontam para preços mais altos. Portanto, constatar esse resultado não é suficiente para distinguir entre as duas hipóteses. Entretanto, a alternativa que supõe melhoria da concorrência indicaria que os usuários das ferramentas algorítmicas tenderiam a reduzir os preços mais rapidamente do que os não usuários em períodos de retração do mercado — algo que não se verifica na hipótese da conspiração. E, como observa Christian Britschgi:
“A pesquisa acadêmica limitada sobre os efeitos dos algoritmos de recomendação de aluguel sugere que é exatamente esse o efeito que eles produzem: tornam os proprietários mais responsivos às mudanças de preço no mercado, o que implica maior disposição tanto para aumentar quanto para reduzir os aluguéis”.
A acusação de conspiração também implica que deveria haver uma redução na quantidade de unidades habitacionais disponíveis, já que, segundo a teoria econômica clássica, o poder monopolístico se manifesta justamente na capacidade de restringir a oferta de um bem, o que, por consequência, deveria aumentar as taxas de vacância. Mas isso não corresponde à realidade. A RealPage, líder de mercado em softwares algorítmicos, destacou que: “Os imóveis que utilizam nossos produtos de gestão de receita mantêm consistentemente taxas de vacância abaixo da média nacional”. Ou seja, as ferramentas algorítmicas parecem contribuir para o melhor funcionamento do mercado de locações, em vez de enfraquecerem a concorrência dentro dele.
Além disso, como demonstrou Kevin Hopkins, um experimento natural enfraquece ainda mais a acusação de colusão. Em 2017, a RealPage adquiriu uma concorrente, e o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) não se opôs ao uso do software algorítmico ao aprovar a fusão, o que aumentou significativamente sua participação de mercado.Se isso de fato representasse um crescimento do poder monopolístico no mercado de locações, deveria ter resultado em um aumento dos aluguéis em relação aos preços das casas ocupadas pelos proprietários. Mas Hopkins descobriu que:
“(...) durante o período em que a RealPage expandiu de forma mais significativa sua participação de mercado no setor de softwares de Revenue Management (RM), a razão entre o aumento dos preços de aluguel e o aumento dos preços das casas ocupadas por proprietários caiu, 38% entre 2013 e 2016, 10% entre 2017 e 2020, e 23% entre 2021 e 2024. Em outras palavras, houve, na verdade, uma correlação negativa entre o crescimento da participação de mercado da RealPage e a variação relativa no custo das moradias para aluguel em comparação às casas próprias ao longo dos últimos 12 anos”.
De forma semelhante, o argumento da conspiração implicaria que os aluguéis deveriam ser relativamente mais altos nas regiões onde uma parcela maior de proprietários utiliza softwares algorítmicos. Mas os dados também não confirmam essa hipótese.
Em suma, apesar de toda a retórica dramática dos acusadores contra os softwares algorítmicos de precificação de aluguéis, retratados como instrumentos de conspiração, seus argumentos apresentam diversas falhas lógicas e abundantes contradições com as evidências disponíveis. Em contraste, reconhecer a postura desesperada daqueles cujas próprias políticas causaram a disparada dos aluguéis, e que agora buscam um bode expiatório comum, explica muito melhor esses ataques. Na verdade, este episódio pode ser perfeitamente resumido por uma legenda publicada no Wall Street Journal em uma matéria sobre o tema: “Os fiscais antitruste de Biden veem uma conspiração em uma ferramenta de descoberta de preços”. Os softwares algorítmicos têm aprimorado o funcionamento de um mercado competitivo. Entretanto, como tantas vezes ocorreu na história das políticas antitruste, a retórica “em prol da concorrência” está sendo mais uma vez usada como disfarce para atacar formas superiores de competição, em benefício daqueles que lucram com sua restrição.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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