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Filosofia

O curto movimento pró livre comércio na Alemanha

12/10/2025

O curto movimento pró livre comércio na Alemanha

Mesmo nos relatos mais bem informados do liberalismo clássico, aqueles que evitam incluir nomes como Mill e Rousseau, o foco quase invariavelmente recai sobre a Grã-Bretanha e a França, com figuras como Adam Smith, Richard Cobden, Frédéric Bastiat e Benjamin Constant. No entanto, a tradição alemã do liberalismo, muitas vezes ofuscada pela ascensão do estatismo bismarckiano, do marxismo e da social-democracia, desempenhou um papel fundamental na formação do movimento liberal transnacional do século XIX. Na narrativa de Raico, duas figuras-chave que se destacam nessa história são John Prince Smith, um defensor do livre comércio que nasceu originalmente na Inglaterra mas que imigrou para Berlim, e Eugene Richter, o mordaz parlamentar liberal que lutou até o fim contra as marés do socialismo e do estatismo na Alemanha guilhermina.

Juntos, Smith e Richter representam o caminho não seguido no desenvolvimento político moderno da Alemanha. Seu exemplo mostra que, dentro do país, existiu uma corrente vibrante de pensamento liberal clássico, enraizada no livre comércio, na liberdade individual e na oposição ao arbítrio estatal, que, embora tenha sido derrotada, deixou um legado que ainda ressoa hoje na escola austro-libertária.

 

John Prince Smith e o nascimento do liberalismo pró livre comércio na Alemanha

O ensaio de Ralph Raico, “John Prince Smith and the German Free Trade Movement”, resgata do esquecimento um homem amplamente ignorado até mesmo em sua pátria adotiva. Smith, um emigrante inglês que se estabeleceu em Berlim no início do século XIX, tornou-se o núcleo intelectual da escola alemã de livre comércio. Assim como Cobden e Bastiat na Grã-Bretanha e na França, Smith argumentava com paixão e precisão contra tarifas, restrições de guildas e privilégios mercantilistas que sufocavam a vida econômica.

A influência de Smith ia além da sala de aula. Ele ajudou a fundar o Congresso de Economistas Alemães (Volkswirtschaftlicher Kongress), uma instituição que difundia as ideias de livre comércio entre as classes instruídas da Alemanha. Também inspirou jovens liberais que mais tarde serviriam no parlamento e combateriam as políticas protecionistas. Raico enfatiza que as habilidades de Smith residiam não apenas em adaptar a economia clássica inglesa para o público alemão, mas também em inseri-la na tradição liberal europeia mais ampla. Sua defesa do livre comércio conectou a Alemanha à rede liberal internacional das décadas de 1840 e 1850, em um momento em que o livre comércio parecia prestes a se tornar o princípio orientador dos “estados civilizados”.

 

Eugene Richter e a retaguarda liberal

No entanto, já no final do século XIX, o liberalismo alemão estava em retração. A unificação da Alemanha por Bismarck, em 1871, embora celebrada por muitos liberais à época, abriu caminho para uma expansão agressiva do poder estatal. A chamada “era liberal” da década de 1860 deu lugar à Realpolitik de Bismarck, às tarifas protecionistas e ao início do moderno estado de bem-estar social. Foi nesse clima hostil que Eugene Richter ganhou destaque.

Retratado por Ralph Raico no penúltimo capítulo do livro Classical Liberalism and the Austrian School, Richter representou talvez o último grande defensor do liberalismo intransigente na política alemã. Líder do Partido do Povo Progressista (Fortschrittspartei) e, mais tarde, do Partido Livre-Pensante, ele foi incansável em sua oposição às tarifas protecionistas, ao socialismo de estado, às aventuras coloniais e ao militarismo. Seus discursos parlamentares, sua sagacidade mordaz e sua fidelidade inabalável aos princípios lhe renderam tanto admiração quanto inimizade.

O romance de Richter de 1891, Pictures of the Socialistic Future, permanece como um dos tratados antissocialistas mais proféticos do século XIX. Antecipando os desastres do planejamento central décadas antes de sua concretização, o livro utiliza a sátira para retratar a vida cotidiana sob um regime socialista. Escassez, burocracia, repressão política e o esmagamento da iniciativa individual, tudo isso aparece em sua Alemanha fictícia; uma previsão assustadora que mais tarde seria confirmada pelos experimentos totalitários do século XX.

 

O caminho não seguido

Tomados em conjunto, Smith e Richter representam dois momentos do liberalismo alemão: seu nascimento esperançoso e sua defesa em meio ao cerco. O projeto de Smith era otimista, internacionalista e reformista. Ele acreditava no poder da verdade econômica e na possibilidade de persuadir os governos a adotarem o livre comércio. Richter, por sua vez, foi uma voz de resistência em uma época em que o liberalismo havia perdido sua posição dominante. Enquanto Smith buscava moldar o desenvolvimento do liberalismo alemão, Richter lutava para preservar suas faíscas diante do avanço do coletivismo.

O que os une é a ênfase consistente nos direitos de propriedade, na liberdade econômica e na desconfiança em relação ao estado. Ambos eram movidos pela convicção de que a prosperidade e o florescimento humano dependem, não da direção burocrática ou da conquista militar, mas das trocas voluntárias entre indivíduos livres. Essa percepção central os coloca firmemente dentro da tradição do liberalismo clássico, ao lado de seus contemporâneos anglo-franceses mais conhecidos.

A derrota do liberalismo de Smith e Richter na Alemanha não foi inevitável. Como Raico e outros historiadores revisionistas argumentaram, havia de fato um caminho alternativo disponível para o desenvolvimento político alemão no século XIX. Se o movimento liberal tivesse triunfado, se o livre comércio, o constitucionalismo e o governo limitado tivessem se tornado os pilares da unidade alemã, a história da Europa e do mundo poderia ter se desdobrado de maneira muito diferente.

Para os leitores de hoje, revisitar Smith e Richter é mais do que um exercício de se interessar por antiguidades. Seu exemplo demonstra que o liberalismo já foi um movimento transnacional, não restrito à Inglaterra ou aos Estados Unidos. Também evidencia a luta perene entre aqueles que desejam limitar o estado e aqueles que buscam expandi-lo em nome do progresso ou da segurança. No fim, a economia de livre comércio de Smith e os alertas anti socialistas de Richter convergem em uma única mensagem: a liberdade exige eterna vigilância.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Joseph Sollis-Mullen

Autor de The Fake China Threat and Its Very Real Danger, Joseph Solis-Mullen é um cientista político, economista e Ralph Raico Fellow no Libertarian Institute. Graduado pela Spring Arbor University, University of Illinois e University of Missouri, seu trabalho pode ser encontrado no Ludwig Von Mises Institute, Quarterly Journal of Austrian Economics, Libertarian Institute, Journal of Libertarian Studies, Journal of the American Revolution e Antiwar.com. Ele ensina história e ciência política na SAU. Você pode contatá-lo via joseph@libertarianinstitute.org ou encontrá-lo no Twitter @solis_mullen.

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