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Filosofia

O que tem de bom na democracia?

11/10/2025

O que tem de bom na democracia?

Os Estados Unidos são tidos como uma democracia, e as pessoas se preocupam se as eleições são genuínas ou manipuladas. Deve-se permitir o voto por correspondência? Deve-se exigir documento de identidade dos eleitores? No clima político atual, tais perguntas são relevantes, mas existe uma premissa subjacente que os libertários têm bons motivos para questionar.

Essa premissa é a de que os EUA deveriam ser uma democracia. Você pode, a princípio, perguntar: “Qual seria a alternativa? Você defende uma ditadura?” A alternativa que tenho em mente não é uma ditadura. Na verdade, defendo os direitos naturais libertários. Cada pessoa é dona de si mesma e de sua propriedade, e todas as transações realizadas entre as pessoas são voluntárias. Nenhum indivíduo ou grupo tem o direito de interferir em seus direitos individuais. Ter o direito ao voto não muda isso, seus direitos não dependem da aprovação da maioria. Na coluna desta semana, pretendo discutir alguns dos argumentos caracteristicamente brilhantes contra a democracia desenvolvidos por nosso maior teórico libertário, Murray Rothbard. Também abordarei um argumento proposto por um seguidor notável de Rothbard, Hans-Hermann Hoppe.

Em seu grande livro Governo e Mercado: a economia da intervenção estatal, Rothbard observa que a democracia está presa em uma contradição. Democracia é o governo da maioria. Todas as questões políticas devem ser decididas pelo voto majoritário. Mas a maioria pode votar pelo fim da democracia? Se puder, a democracia deixará de existir. Mas se não puder, então nem todas as questões políticas são decididas pela maioria. Decidir se a própria democracia deve ser mantida é, sem dúvida, uma questão política. Assim, a democracia é, por natureza, instável ou inexistente. Como explica Rothbard:

“Em primeiro lugar, suponha que a maioria deseje esmagadoramente estabelecer um ditador popular ou o governo de um único partido. O povo deseja entregar todas as decisões a ele ou a esse partido. O sistema democrático permite que ele próprio seja democraticamente votado para fora da existência? Qualquer que seja a resposta do democrata, ele se vê preso em uma contradição inevitável. Se a maioria pode eleger um ditador que encerrará as eleições futuras, então a democracia está, de fato, decretando o seu próprio fim. A partir desse momento, já não há democracia, ainda que persista o consentimento majoritário ao partido ou governante ditatorial. A democracia, nesse caso, torna-se apenas uma transição para uma forma não democrática de governo.

“Por outro lado, se, como hoje é moda sustentar, a maioria dos eleitores em uma democracia é proibida de fazer uma única coisa, isto é, abolir o próprio processo eleitoral democrático, então já não se trata mais de democracia, pois a maioria dos eleitores já não pode governar. O processo eleitoral pode ser mantido, mas como ele pode expressar o princípio essencial do governo da maioria se a maioria não pode encerrá-lo, caso assim deseje?

“Em suma, a democracia requer duas condições para existir: o governo da maioria sobre os governantes ou sobre as políticas, e o voto periódico e igualitário. Portanto, se a maioria deseja acabar com o processo de votação, a democracia não pode ser preservada, independentemente do lado do dilema que se escolha. A ideia de que a ‘maioria deve preservar a liberdade da minoria de tornar-se maioria’ revela-se, então, não como uma defesa da democracia, mas simplesmente como um julgamento de valor arbitrário feito pelo cientista político (ou, ao menos, permanece arbitrário até que seja justificado por alguma teoria ética convincente)”.

Rothbard levantou outro ponto que é impossível ignorar se você acompanha as notícias. Os partidos políticos concorrentes sempre tentarão manipular os distritos eleitorais a seu favor. Rothbard demonstra que isso é um resultado inevitável de um sistema “democrático” em que as pessoas votam em seus representantes:

“De acordo com a teoria da ‘vontade do povo’, a democracia direta, em que todos os cidadãos votam em cada questão, como nas assembleias das pequenas cidades da Nova Inglaterra, seria o arranjo político ideal. No entanto, a civilização moderna e as complexidades da sociedade teriam tornado a democracia direta obsoleta, de modo que precisamos nos contentar com a forma menos perfeita de ‘democracia representativa’ (nos tempos antigos, frequentemente chamada de ‘república’), na qual o povo escolhe representantes para dar efeito à sua vontade nas questões políticas. Problemas lógicos surgem quase de imediato. Um deles é que diferentes formas de organização eleitoral, diferentes delimitações de distritos geográficos, todas igualmente arbitrárias, frequentemente alteram substancialmente o retrato da chamada ‘vontade da maioria’. Se um país é dividido em distritos para a escolha de representantes, então o gerrymandering [como é chamado o modo de desenhar distritos eleitorais nos Estados Unidos de forma a favorecer um partido político em detrimento de outro] é inerente a tal divisão: não há maneira satisfatória ou racional de traçar essas fronteiras. O partido que estiver no poder no momento da criação ou redefinição dos distritos inevitavelmente os modificará de forma a gerar um viés sistemático em seu favor; porém, nenhuma outra maneira é, em si, mais racional ou mais fiel à verdadeira expressão da vontade da maioria”.

Um dos argumentos mais comuns em defesa da democracia é o de que ela oferece um meio de evitar revoluções violentas. Se a maioria deseja uma mudança, basta esperar até a próxima eleição e então votar para chegar ao poder. Rothbard afirma que esse argumento também não se sustenta. As eleições não são a única maneira de evitar uma revolução violenta, e ainda geram uma contradição quando a maioria “democrática” elege um governo diferente daquele que uma revolução violenta teria colocado no poder:

“Talvez o argumento mais comum e mais convincente a favor da democracia não seja o de que as decisões democráticas serão sempre sábias, mas o de que o processo democrático permite uma mudança pacífica de governo. A maioria, diz o argumento, precisa apoiar qualquer governo, independentemente de sua forma, se ele quiser continuar existindo por muito tempo; portanto, é muito melhor permitir que a maioria exerça esse direito de modo pacífico e periódico do que forçá-la a derrubar o governo por meio de uma revolução violenta. Em suma, as cédulas são saudadas como substitutas das balas. Uma falha nesse argumento é que ele ignora completamente a possibilidade de uma derrubada não violenta do governo pela maioria por meio da desobediência civil, isto é, pela recusa pacífica em obedecer às ordens governamentais. Tal revolução seria compatível com o objetivo final desse argumento, o de preservar a paz e, ainda assim, não exigiria votação democrática.

“Além disso, há outra falha no argumento da ‘mudança pacífica’ em defesa da democracia, uma grave autocontradição que tem sido universalmente ignorada. Aqueles que adotaram esse argumento geralmente o utilizam apenas para conceder um selo de aprovação a todas as democracias e logo passam para outros assuntos. Não percebem que o argumento da ‘mudança pacífica’ estabelece um critério de avaliação para qualquer governo, diante do qual toda democracia deve ser julgada. Pois o argumento de que as cédulas substituem as balas precisa ser entendido de forma precisa: significa que uma eleição democrática deveria produzir o mesmo resultado que ocorreria se a maioria tivesse de enfrentar a minoria em combate violento. Em outras palavras, o argumento implica que os resultados eleitorais são, simplesmente e exatamente, um substituto para um teste de força física. Aqui, portanto, temos um critério para a democracia: ela realmente produz os resultados que seriam obtidos por meio de um conflito civil? Se descobrirmos que a democracia, ou uma determinada forma de democracia, conduz sistematicamente a resultados muito distantes dessa definição de ‘substituta das balas’, então devemos ou rejeitar a democracia, ou abandonar este argumento”.

Hans-Hermann Hoppe levanta outra questão a respeito das supostas virtudes da democracia. Regimes democráticos tendem a adotar uma visão de curto prazo sobre as coisas. Eles sabem que seu tempo no poder é limitado e, por isso, tendem a extrair o máximo possível enquanto podem, adotando uma atitude de “quem se importa?” com o que vem depois. Em seu notável livro Democracia: O Deus que Falhou, Hoppe afirma:

“Um governante democrático pode usar o aparato estatal em benefício pessoal, mas não é seu proprietário. Ele não pode vender recursos do governo e embolsar, em privado, a receita dessas vendas, nem pode transferir os bens governamentais a um herdeiro pessoal. Ele detém o uso corrente desses recursos, mas não o seu valor de capital. Em nítido contraste com um rei, um presidente buscará maximizar não a riqueza total do governo (valores de capital e renda corrente), e sim a renda corrente (independentemente, e às custas, dos valores de capital). De fato, mesmo que desejasse agir de outro modo, não poderia, pois, por serem propriedade pública, os recursos governamentais são invendáveis e, sem preços de mercado, o cálculo econômico torna-se impossível. Deste modo, deve-se considerar inevitável que a propriedade pública (estatal) resulte em consumo contínuo de capital. Em vez de manter ou até ampliar o valor do patrimônio estatal, como faria um rei, um presidente (o administrador temporário ou fiel depositário do governo) consumirá o máximo possível dos recursos governamentais, o mais rapidamente possível, pois aquilo que ele não consumir agora talvez nunca mais possa consumir. Em particular, um presidente (ao contrário de um rei) não tem interesse em evitar arruinar seu país. Por que ele deixaria de aumentar seu confisco se a vantagem de uma política de moderação, o consequente maior valor de capital do patrimônio estatal, não pode ser apropriada privadamente, ao passo que a vantagem da política oposta, de tributos mais elevados, uma renda corrente maior, pode sê-lo? Para um presidente, diferentemente de um rei, a moderação oferece apenas desvantagens”.

Façamos tudo ao nosso alcance para promover os direitos naturais libertários e expor as falácias da falsa “democracia”.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Democracia - o deus que falhou

A democracia é um arranjo contraditório e propício a gerar divisões, conflitos e desastres

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Lew Rockwell

Llewellyn H. Rockwell, Jr é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com , e autor dos livros Speaking of Liberty.

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