Filosofia
Os escritos perdidos de Mises
Saqueados pelos nazitas, enterrados pelos soviéticos e redescobertos por mim
Os escritos perdidos de Mises
Saqueados pelos nazitas, enterrados pelos soviéticos e redescobertos por mim
Nota da edição:
O artigo a seguir foi adaptado de um discurso do economista Richard M. Ebeling na Austrian Economics Research Conference de 2018 do Mises Institute. Na semana do 144° aniversário de Ludwig von Mises, o tema é de extrema importância para os amantes da Escola Austríaca de Economia
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Mises se perguntava se ele se tornaria um “historiador do declínio”.
Certo dia, em 1927, o economista austríaco Ludwig von Mises estava à janela de seu escritório na Câmara de Comércio de Viena, observando a Ringstrasse (a grande avenida que circunda o centro da cidade). Disse então a seu jovem amigo e ex-aluno, Fritz Machlup: “Talvez a grama irá crescer ali, porque a nossa civilização vai acabar”. Ele também questionou o que aconteceria com muitos dos economistas da Escola Austríaca que permaneciam na Áustria. Sugeriu a Machlup que, inevitavelmente, poderiam ter de emigrar, talvez para a Argentina, onde encontrariam trabalho em um clube noturno de Buenos Aires. Mises acrescentou que Friedrich A. Hayek poderia ser empregado como chefe de garçom, enquanto Machlup, sem dúvida, seria o gigolô residente do clube. Mas, e quanto a ele próprio? Mises afirmou que teria de procurar emprego como porteiro, pois, perguntou ele, para que mais estaria qualificado?
Convém recordar que, em meados da década de 1920, Mises já havia alertado sobre a ascensão do “nacional-socialismo” na Alemanha, dizendo que muitos alemães estavam “depositando suas esperanças na chegada do ‘homem forte’, o tirano que pensará por eles e cuidará deles”. Ele também previu que, caso um regime nacional-socialista realmente chegasse ao poder na Alemanha e buscasse restabelecer a dominação alemã sobre a Europa, teria provavelmente apenas um aliado importante com quem conspirar no início dessa nova empreitada: a Rússia Soviética. Assim, anos antes de Adolf Hitler assumir o poder, Mises antecipou o Pacto Nazi-Soviético [Pacto Molotov-Ribbentrop, como ficou conhecido], que dividiria a Europa Oriental e desencadearia o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939.
Dez anos após a previsão bem-humorada de Mises a Fritz Machlup, feita em 1927, a realidade começava a dar razão à sua piada. Em 1938, muitos economistas austríacos já haviam, de fato, emigrado e deixado sua terra natal. Para citar apenas alguns: Paul Rosenstein-Rodan, que em 1927 havia escrito uma exposição abrangente sobre a teoria da utilidade marginal, mudou-se para a Grã-Bretanha em 1930. No outono de 1931, Hayek, então diretor do Instituto Austríaco de Pesquisa do Ciclo Econômico, assumiu uma posição de professor visitante na London School of Economics, cargo que se tornou permanente após 1933.
Gottfried Haberler, que também trabalhava na Câmara de Comércio, aceitou em 1934 um posto de pesquisa de dois anos na Liga das Nações, em Genebra, Suíça, e, em 1936, emigrou para os Estados Unidos, onde se tornou professor em Harvard. Já Fritz Machlup, que administrava uma empresa familiar de caixas de papelão ondulado na Áustria, viajou aos Estados Unidos em 1934 para uma turnê de pesquisa em universidades americanas, permanecendo lá depois de conseguir uma vaga de docente na Universidade de Buffalo.
Oskar Morgenstern, que substituiu Hayek como diretor do Instituto de Pesquisa do Ciclo Econômico em 1931, encontrou-se exilado nos Estados Unidos durante uma turnê de palestras, justamente na época da invasão alemã à Áustria em março de 1938. Ele permaneceu na América, assumindo um posto na Universidade de Princeton. Por fim, o reconhecido sociólogo Alfred Schutz, formado na tradição da Escola Austríaca e que trabalhava como advogado em Viena, mudou-se para Paris em 1938 e, no ano seguinte, seguiu para os Estados Unidos, onde já tinha uma posição de meio período como professor na New School for Social Research, em Nova York.
Ludwig von Mises e o fim da Escola Austríaca
E quanto a Ludwig von Mises? Ele havia concluído o doutorado na Universidade de Viena em 1906. No entanto, as posições universitárias na Áustria eram escassas, tanto antes quanto depois da Primeira Guerra Mundial. Ainda assim, Mises precisava garantir seu sustento. Assim, a partir de 1909, passou a trabalhar na Câmara de Comércio, Artes e Indústria de Viena, atuando como analista sênior de políticas públicas nos anos que se seguiram entre as duas Guerras Mundiais.
Seus amigos mais próximos, como Hayek, ficavam impressionados com a energia intelectual de Mises e sua produção prolífica, tanto em escritos teóricos quanto em análises de política econômica, que lhe renderam reconhecimento e renome internacional, mesmo enquanto cumpria suas exaustivas funções e responsabilidades na Câmara de Comércio durante as décadas de 1920 e início de 1930. Essas atribuições envolviam questões regulatórias e fiscais que constantemente chegavam ao Parlamento austríaco e aos órgãos burocráticos do governo. Hayek e outros se perguntavam por quanto tempo Mises conseguiria manter esse ritmo, parecendo estar “queimando a vela pelas duas pontas”.
Afinal, foram justamente nesses anos que escreveu: Nação, Estado e Economia (1919), Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica (1922), a edição revisada de seu tratado de 1912, A Teoria do Dinheiro e do Crédito (1924), sua síntese e reafirmação em defesa do liberalismo clássico em Liberalismo (1927), uma publicação sobre Estabilização Monetária e Política do Ciclo (1928) e uma coletânea de ensaios dedicados a Crítica do Intervencionismo (1929). Essas obras foram seguidas em 1933 com um volume de escritos metodológicos que recebeu o título Problemas Epistemológicos da Economia.
Então, em março de 1934, William E. Rappard, cofundador e diretor do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais de Genebra, na Suíça, ofereceu a Mises uma posição de professor visitante na área de Relações Econômicas Internacionais, uma posição que Mises aceitou prontamente e assumiu o posto no outono de 1934, embora ainda mantivesse formalmente seus vínculos com a Câmara de Comércio de Viena, por meio de uma licença parcial. Contudo, o cargo de Mises no Instituto foi sendo renovado anualmente, e ele permaneceu em Genebra até julho de 1940, quando ele e sua esposa, Margit, emigraram para os Estados Unidos, à sombra da ocupação alemã na vizinha França.
Mises aproveitou de imediato a oportunidade de se libertar de suas cansativas e extenuantes responsabilidades na Câmara de Comércio, que o mantinham preso aos acontecimentos diários da política econômica do governo austríaco sobre todos os assuntos imagináveis. Como ele próprio declarou em suas Memórias: “Para mim, foi uma libertação ser afastado das tarefas políticas que eu não poderia ter evitado em Viena e da rotina diária na Câmara. Finalmente, [no Instituto em Genebra], pude dedicar-me completa e quase exclusivamente a problemas científicos”.
Na primeira edição de Ação Humana, Mises explicou: “Na atmosfera serena deste centro de aprendizado... iniciei a execução de um antigo plano meu: escrever um tratado abrangente de economia”. Ele se referia ao tratado em alemão publicado em 1940, Nationalökonomie, que se tornaria o precursor do livro Ação Humana.
Não é exagero afirmar que, com a invasão alemã da Áustria em março de 1938 e sua subsequente anexação formal ao regime nazista, a Escola Austríaca de Economia, para todos os efeitos, morreu no país de seu nascimento. A previsão de Mises quanto ao destino de sua terra natal e à necessidade de a maioria dos economistas austríacos se dispersarem pelos quatro cantos do mundo praticamente se concretizou. Entre os escombros e ruínas da Viena devastada pela guerra, em 1945, de fato parecia que a grama começava a crescer, enquanto a antiga fama da cidade como berço de uma cultura única e refinada em arte, música, ciência, literatura e erudição já pertencia ao passado. A maioria dos economistas austríacos, especialmente aqueles que integravam o círculo de Mises nos anos do entre-guerras, havia deixado sua pátria diante das nuvens sombrias da barbárie nazista sobre a Europa Central, sem jamais retornar de forma permanente.
O saque nazista aos “escritos perdidos” de Mises
Felizmente para o futuro da Escola Austríaca de Economia, Mises não estava em Viena quando o Exército alemão invadiu a Áustria, em 12 de março de 1938. Ele encontrava-se em segurança em Genebra. No dia 15 de março, Adolf Hitler entrou triunfalmente na capital austríaca e, no centro de Viena, proclamou diante de uma multidão de quase duzentas mil pessoas em êxtase que o país estava sendo unido à pátria alemã.
Em poucos dias, dezenas de milhares de pessoas foram presas por serem inimigas reais ou suspeitas do regime nazista. Os judeus austríacos, em especial, foram assediados, humilhados e brutalmente espancados ou assassinados nas ruas de Viena. Em questão de meses, a “arianização” das empresas e negócios austríacos foi rapidamente concluída, com propriedades pertencentes a judeus sendo vandalizadas e confiscadas.
Sem dúvida, se Mises tivesse estado em Viena em março há oitenta e sete anos, no momento da chegada dos nazistas e dos capangas da Gestapo, teria estado entre os presos, torturados e assassinados, seja a golpes, seja com um tiro na nuca; ou, se não então, mais tarde nas câmaras de gás utilizadas pelos nazistas em sua campanha por uma Europa “livre de judeus” e dominada pela Alemanha. Entre seus perseguidores e algozes, com toda certeza, estariam alguns de seus próprios colegas da Câmara de Comércio de Viena. Sua antiga assistente na Câmara, Therese Wolf-Thieberger, relatou posteriormente que, no dia seguinte à chegada de Hitler à cidade, funcionários da instituição já se cumprimentavam com “Heil Hitler”, revelando que vários deles já tinham se filiado como mebros do Partido Nazista.
Mas, se os nazistas não puderam pôr as mãos em Ludwig von Mises, ao menos puderam privá-lo de algo que lhe era extremamente precioso: seus livros, assim como seus escritos pessoais e profissionais e sua correspondência. Pouco depois da invasão alemã, a Gestapo foi ao apartamento em Viena onde Mises vivera desde 1911 com sua mãe, até sua partida para Genebra em 1934 e a morte dela em 1937. Após o falecimento da mãe, ele havia devolvido o apartamento ao proprietário e sublocado o quarto que fora seu aos novos inquilinos.
Os agentes da Gestapo arrombaram o quarto, levaram a parte de sua biblioteca que ele não havia levado consigo para Genebra e embalaram em caixas seus papéis e documentos pessoais e familiares, sua correspondência com parentes, colegas e amigos, as cópias de seus artigos acadêmicos e de divulgação sobre teoria e política econômica, bem como os memorandos, pareceres e discursos que preparara para uso interno na Câmara de Comércio de Viena durante o quarto de século em que trabalhou naquela instituição. Entre os papéis saqueados estavam também materiais referentes às suas atividades como professor em tempo parcial na Universidade de Viena e registros do famoso seminário privado que ele conduzia regularmente, por muitos anos, em seu escritório na Câmara de Comércio, reunindo um grupo seleto de estudiosos vienenses e convidados provenientes do mundo todo.
Cerca de um ano depois de os nazistas terem levado todos esses materiais, além de outros itens de família, Mises enviou uma carta de “informação” a amigos e associados na Europa, relatando o que a Gestapo havia feito. Explicou também que pessoas em Viena que intercederam em seu favor junto às autoridades nazistas, na tentativa de recuperar sua propriedade, foram informadas de que a Gestapo “não tinha ideia” do que havia acontecido com tudo aquilo.
Em 1977, tive a boa sorte de conhecer Margit von Mises por intermédio de Murray e Joey Rothbard. Eu havia escrito uma resenha do livro de Margit, My Years with Ludwig von Mises [Meus anos com Ludwig von Mises, em tradução livre], que Murray publicara em sua antiga revista, o Libertarian Forum. Margit gostou da minha resenha e pediu aos Rothbards que me apresentassem a ela. Encontramo-nos no apartamento de Murray e Joey, em Manhattan, e até hoje me lembro de que Joey havia preparado um delicioso quiche para o almoço.
Nos sete anos seguintes, enquanto eu morava principalmente em Nova York, Margit costumava me convidar uma ou duas vezes por mês para tomar chá e saborear pequenos e saborosos sanduíches que ela mesma preparava no apartamento da 777 West End Avenue, onde ela e Ludwig haviam vivido desde pouco depois de sua chegada aos Estados Unidos, durante a guerra.
Os “escritos perdidos” de Mises em mãos soviéticas e sua redescoberta
Qualquer pessoa interessada em Mises e na Escola Austríaca já ouviu alguma versão da história de como a Gestapo saqueou seus papéis. Margit me contou que, pelo resto da vida, Mises acreditou que os nazistas haviam destruído tudo ou que, talvez, os documentos tivessem se perdido na devastação da guerra.
No entanto, os “escritos perdidos” de Mises, na realidade, sobreviveram à guerra. Eles foram transportados para uma pequena cidade da região da Boêmia, na então Tchecoslováquia, e armazenados junto a muitas outras coleções de documentos pessoais e oficiais saqueados pelos nazistas à medida que o exército alemão conquistava um país após o outro durante a guerra.
Tudo caiu nas mãos do Exército Soviético quando a guerra se aproximava do fim, em maio de 1945. Após a polícia secreta soviética realizar um exame superficial dos literalmente milhões de páginas de documentos que os nazistas haviam saqueado de um extremo a outro da Europa, informaram a Stalin o que havia caído em seu poder. O ditador soviético ordenou que tudo fosse levado de volta à União Soviética, e, por sua determinação, foi construído em Moscou um edifício de arquivo secreto para abrigar todo esse espólio. Ali permaneceu, e entre esse vasto acervo estavam também os escritos de Ludwig von Mises. Nas décadas do pós-guerra, até o fim da União Soviética em 1991, apenas funcionários da KGB e do Ministério das Relações Exteriores soviético tinham acesso a qualquer coisa dessa imensa coleção.
Em 1996, minha esposa, Anna, e eu descobrimos a localização dos “escritos perdidos” de Ludwig von Mises em Moscou. Viajamos à Rússia em outubro daquele ano e passamos dez dias naquele arquivo antes secreto, examinando cuidadosamente e providenciando a fotocópia de quase tudo das aproximadamente 10 mil páginas de material escrito por Mises. Nada disso teria sido possível à época sem Anna e seus amigos em Moscou, que ajudaram a organizar nossos convites de visto para a Rússia e intercederam em nosso favor para facilitar nosso acesso e utilização daquele arquivo.
Pouco depois de nosso retorno ao Hillsdale College, onde eu lecionava então como Professor da Cadeira Ludwig von Mises de Economia, o Liberty Fund de Indianápolis, soube de nossa descoberta e me convidou para atuar como editor e coordenador de tradução de uma ampla seleção desses escritos, que seriam publicados por eles. Nos anos seguintes, três volumes foram lançados sob o título geral Selected Writings of Ludwig von Mises [Escritos Selecionados de Ludwig von Mises, em tradução livre]. No conjunto, os três volumes impressos reúnem cerca de 1.000 páginas de ensaios, artigos e memorandos de políticas escritos por Mises desde antes da Primeira Guerra Mundial até a década de 1940. Essa publicação representou uma contribuição enorme para o nosso entendimento e valorização de Ludwig von Mises, tanto como teórico econômico e social quanto como analista ativo de políticas públicas e propagador de uma ampla variedade de temas econômicos, especialmente durante aqueles anos historicamente decisivos entre as duas Guerras Mundiais.
A consistência de principiológica de Mises na economia e nas políticas públicas
O que podemos aprender sobre o “Mises, o homem” a partir desses “escritos perdidos”? O que eles nos dizem sobre sua forma de pensar, sobre a perspectiva de política a partir da qual ele enfrentava os problemas econômicos da Áustria de seu tempo e sobre como via a aplicação da Economia Austríaca às políticas públicas, campo ao qual ele próprio tanto contribuiu nos mesmos anos em que trabalhava como analista na Câmara de Comércio de Viena?
O que mais se destaca é a consistência da visão de mundo que ele havia formado em sua mente desde relativamente jovem. Mises conta em suas Memórias que foi por volta do Natal de 1903, quando tinha 22 anos, que leu pela primeira vez os Princípios de Economia de Carl Menger, e que essa leitura o transformou em economista. Isso não surpreende, já que todos os conceitos centrais que distinguem a Escola Austríaca das demais correntes do pensamento econômico estavam claramente delineados na obra de Menger: o individualismo metodológico; o subjetivismo metodológico; a inevitabilidade do tempo e da incerteza em toda ação humana; o mercado entendido como processo de coordenação entre preços e planos humanos; e a ordem espontânea das instituições sociais, como o surgimento e a evolução da moeda.
A outra grande influência sobre Mises, quando ele estava em seus 20 e poucos anos, foram os escritos e a personalidade de Eugen von Böhm-Bawerk, que retornou ao ensino na Universidade de Viena em 1905, após ter servido como ministro das Finanças do Império Austro-Húngaro. A partir de suas Memórias e de um ensaio comemorativo escrito em 1924, marcando os dez anos desde a morte de Böhm-Bawerk, é possível perceber claramente o impacto que ele deixou em Mises, tanto como erudito quanto como ser humano. A postura firme de Böhm-Bawerk em questões fiscais durante seus anos como ministro das Finanças, incluindo seus desacordos com o imperador Francisco José em reuniões de gabinete sobre gastos do governo, bem como sua decisão de deixar o cargo em vez de fechar os olhos para a corrupção no orçamento militar, certamente causaram uma forte impressão em Mises. Essa influência, sem dúvida, foi reforçada pela atenção generosa e séria que Böhm-Bawerk dedicou, em seu seminário universitário, à obra de Mises A Teoria da Moeda e do Crédito, logo após sua publicação em 1912.
Mises nos conta, novamente em suas Memórias, que foram suas pesquisas e investigações acadêmicas sobre as políticas habitacionais do governo austríaco, em especial os efeitos socialmente indesejáveis da habitação pública e o impacto dos desincentivos fiscais na construção de moradias pelo setor privado, que começaram a torná-lo consciente das consequências negativas decorrentes de diversas formas de intervenção estatal. Isso, somado à sua intensa leitura dos economistas clássicos e de suas críticas aos controles e regulações governamentais tanto sobre o comércio interno quanto internacional, o conduziu às visões de políticas de livre mercado, das quais ele se tornou, sem dúvida, o mais consistente e conhecido defensor na Europa do período entre as duas Guerras Mundiais.
Mises também passou a compreender que os “fatos” históricos ou contemporâneos, por si só, eram inúteis para determinar o porquê ou o como do funcionamento dos mercados ou dos fracassos da intervenção estatal. O entendimento econômico só poderia emergir de forma eficaz, e contribuir para análises e decisões bem fundamentadas, se estivesse apoiado em uma base teórica sólida. E a teoria econômica, como Carl Menger havia lhe mostrado, começava com a lógica da ação humana individual e se estendia, depois, à arena social, em que muitos indivíduos interagem em diferentes contextos institucionais.
As Memórias de Mises, escritas pouco depois de sua chegada aos Estados Unidos em 1940, frequentemente transmitem um tom de desalento e desespero em relação a uma Áustria que ele claramente amava e pela qual nutria profundo cuidado, mas que agora parecia perdida. Ao olhar para trás, sobre mais de um quarto de século de trabalho em políticas públicas na Câmara de Comércio de Viena, ele afirmou em certo momento:
“Ocasionalmente alimentei a esperança de que meus escritos dessem frutos práticos e indicassem o caminho para a formulação de políticas (...). Mas acabei por perceber que minhas teorias explicam a degeneração de uma grande civilização; não a impedem. Eu almejava ser um reformador, mas apenas me tornei o historiador do declínio”.
Ainda assim, Mises insistia que, no que lhe dizia respeito, não tinha arrependimentos por ter lutado, durante todos aqueles anos, em defesa de políticas econômicas orientadas para a liberdade. “Eu não poderia agir de outro modo”, disse ele. “Lutei porque não havia outra coisa que eu pudesse fazer”.
Este artigo foi originalmente publicado na Foundation for Economic Education (FEE).
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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