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Filosofia

Nosso trabalho é acender fogueiras na escuridão

20/09/2025

Nosso trabalho é acender fogueiras na escuridão

Nota da edição:

O texto abaixo, escrito pelo editor sênior do Mises Institute, Ryan McMaken, traz reflexões importantes sobre o papel que todos nós, como entusiastas da liberdade, temos em manter essas ideias vivas no debate público. A mensagem trazida é de extrema importância para todos que desejam viver em um Brasil e em um mundo mais livre.

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Tenho quatro filhos, então penso com frequência no que devo fazer para tornar o mundo um lugar melhor antes de deixar este corpo mortal. Quando me envolvo nesse tipo de reflexão, rapidamente fica claro que, em essência, só temos controle sobre nós mesmos, e apenas sobre nós mesmos. Não podemos obrigar outras pessoas a fazerem o que queremos. Como mostraram os antigos mártires cristãos, nem mesmo a ameaça da morte pode forçar alguém a acreditar ou a agir de uma forma que não deseja. Assim, por conta própria, pouco podemos fazer além de simplesmente fazer o que é certo, independentemente de outras pessoas estarem dispostas ou não a seguir nosso exemplo.

Podemos, certamente, tentar convencer os outros sobre o que é certo e o que é bom. Foi isso o que fizeram os santos, e é o que também se aplica à criação dos filhos e à liderança em geral. Isso é verdadeiro em muitos aspectos da vida, como a família, a Igreja e a comunidade.

Isso também se aplica para o nosso movimento intelectual, que busca preservar a liberdade humana e as bênçãos que essa liberdade proporciona. Buscamos mostrar aos outros o valor da nossa causa.

Isso, é claro, é exatamente o que as grandes mentes do nosso movimento fizeram. Grandes estudiosos e porta-vozes, como Ludwig von Mises, Henry Hazlitt, Murray Rothbard, Ron Paul, Lew Rockwell e outros, dedicaram suas vidas a tentar convencer as pessoas sobre o que é certo e bom.

De muitas maneiras, eles tiveram sucesso.

É verdade que muitos americanos, uma pesquisa aponta que um terço deles, têm uma visão positiva do socialismo. Mas essa mesma pesquisa mostra que mais da metade dos americanos tem uma visão negativa do socialismo, enquanto mais da metade afirma ter uma visão positiva do capitalismo.

Considerando a propaganda incessante contra o capitalismo e contra a liberdade recebida ao longo de mais de uma década de escolarização formal, seguida por anos de exposição à mídia e à arte de viés anticapitalista, é realmente notável que ainda exista quem continue acreditando que a verdadeira liberdade tem algum valor.

Sim, mesmo muitos desses americanos que afirmam gostar do livre mercado também apoiam, ou ao menos toleram, inúmeras formas pelas quais o estado impõe sobre nós o seu despotismo. Mas devemos refletir sobre o quão pior essa situação seria se não fosse pelo trabalho incansável de homens como Mises e Rockwell.

Quer tenham consciência disso ou não, as crenças que as pessoas mantêm sobre o estado, sobre impostos, sobre liberdade e sobre socialismo e capitalismo são frutos de batalhas ideológicas que vêm sendo travadas há séculos. Se algumas pessoas ainda acreditam que liberdade e capitalismo têm valor, é porque certos intelectuais lutaram para preservar essas ideias e para torná-las acessíveis e atraentes para os outros. Sem a preservação dessas ideias, o Ocidente já teria há muito tempo escorregado de volta para um despotismo semelhante ao do mundo antigo.

Então, o que podemos fazer, nós mesmos, para manter essas ideias vivas? A verdade é que cada um de nós só pode fazer uma pequena parte. Afinal, Ludwig von Mises e Murray Rothbard não tiveram contato pessoal com cada indivíduo influenciado por suas ideias. Mises e Rothbard não tiveram a oportunidade de transmitir diretamente seus pensamentos para a mente de milhões de pessoas. Não; as obras dos grandes estudiosos da liberdade se espalharam por meio do trabalho de outros. Essas ideias se difundiram através de editores e publicadores, e também por cada pessoa que mostrou um livro a um amigo ou compartilhou um vídeo com um familiar. Fazemos o que podemos, mas, no fim das contas, ainda dependemos de que outros também façam a sua parte.

De fato, esse processo é o mesmo que o da própria perpetuação da civilização. As ideias de grandes empreendimentos culturais, como a Cristandade, precisam ser cuidadas e preservadas. Nesse sentido, as ideias são como uma fogueira de acampamento, à qual é preciso adicionar lenha e da qual é necessário cuidar. Caso contrário, a chama se apaga e muito se perde.

Frequentemente volto a essa analogia porque ela se aplica muito bem aos nossos próprios esforços, e também porque foi dramatizada de forma brilhante em um filme popular, baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy, chamado Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men). Se você ainda não assistiu a esse filme, recomendo fortemente, não apenas pelo seu primor técnico, mas também pelos seus temas, como a importância de fazer o que é certo, mesmo quando parece que a batalha já está perdida.

No final do filme, os temas são recapitulados em um monólogo proferido pelo narrador, o xerife Bell, interpretado por Tommy Lee Jones. As palavras do monólogo são muito semelhantes às que aparecem no livro e são, essencialmente, as palavras de McCarthy. Na cena, Bell, atormentado pela sensação de estar “em desvantagem”, conta um sonho que teve com seu pai:

“(...) era como se nós dois estivéssemos de volta a tempos antigos e eu estivesse a cavalo, atravessando as montanhas durante a noite, passando por um desfiladeiro. Estava frio, e havia neve no chão. Ele passou cavalgando por mim e seguiu adiante. Não disse nada ao passar. Apenas seguiu em frente, com o cobertor enrolado ao redor dele e a cabeça baixa, e quando passou eu vi que ele carregava fogo dentro de um chifre, do jeito que as pessoas costumavam fazer, e eu podia ver o chifre pela luz que vinha de dentro dele. Da cor da lua. E no sonho eu sabia que ele estava indo na frente e que acenderia uma fogueira em algum lugar lá fora, em toda aquela escuridão e todo aquele frio, e eu sabia que, quando eu chegasse lá, ele estaria lá”.

Nós, espectadores, sabemos que Bell via seu pai, também um xerife, como alguém que, por si mesmo, preservava a civilização e a ordem. Assim, vemos por meio dessa história como o autor sugere que devemos encarar o problema de preservar aquilo que é bom e que vale a pena ser salvo: nós acendemos fogueiras “lá fora, em toda aquela escuridão e todo aquele frio”. Para participar desse trabalho valioso, precisamos seguir aqueles que vieram antes de nós rumo à escuridão e acender nossas próprias fogueiras. Ao mesmo tempo, porém, só podemos esperar que outros também nos sigam no frio e façam o mesmo. Não podemos forçá-los.

A analogia oferece uma solução: à medida que mais pessoas acendem fogueiras na escuridão e no frio, menos escuro e frio o mundo se torna. Mas mesmo uma única fogueira sempre será melhor do que nenhuma. Sem nenhuma fogueira, como as outras poderiam ser acesas?

Todos nós já conhecemos pessoas como o pai do sonho. Para mim, há muito tempo essa pessoa tem sido Lew Rockwell, que há anos carrega “fogo em um chifre” e o leva para fora, no frio, para acender uma fogueira maior. O próprio Lew, é claro, testemunhou Murray Rothbard fazendo o mesmo.

O restante de nós pode apenas esperar imitá-los e, muitas vezes, isso já é suficiente. Nosso trabalho é continuar construindo e cuidando dessas fogueiras, para que não sejam extintas para sempre.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Sexta lição: Política e Ideias

As ideias moldam o mundo: o legado filosófico de Mises

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Ryan McMaken

Ryan é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute

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