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A causa primária da guerra moderna é o estado moderno

18/09/2025

A causa primária da guerra moderna é o estado moderno

O conflito é parte intrínseca da natureza humana; é tão natural quanto as lágrimas. Como escreveu Leo Strauss, na sociedade moderna “o conflito original entre as exigências morais e os desejos permanece intacto”. Os indivíduos e suas diversas iniciativas frequentemente mantêm relações conflituosas entre si. Essas relações podem assumir muitas formas e, em grande parte das vezes, não são violentas.

No entanto, apenas atores estatais travam guerras, e somente os estados modernos travam guerras modernas. Não apenas os estados detêm, de forma exclusiva, os meios necessários para a guerra, meios que não estão disponíveis para outros atores da sociedade, mas também seus motivos e interesses diferem de forma fundamental dos interesses da população. A geopolítica, por exemplo, geralmente não é considerada como pertencente ao âmbito dos interesses populares, mesmo em sistemas políticos que se apresentam como “democráticos”.

 

Guerra Moderna versus Guerra Clássica

Como é importante distinguir entre o estado e a sociedade, também é necessário diferenciar claramente a “guerra clássica” da guerra moderna. A primeira ocorria em menor escala, tanto em número de tropas quanto na área afetada, enquanto a segunda é travada entre estados-nação modernos, potencialmente sem limites, no que se chama de “guerra total”. Antes do advento do estado-nação moderno, no final do século XVIII, a maior parte da população era minimamente impactada pela guerra (embora tenha havido exceções, como a Guerra dos Trinta Anos), enquanto a guerra moderna tende a afetar a maior parte da sociedade, direta ou indiretamente.

Com a ascensão do estado-nação, as exigências do estado sobre a sociedade começaram a aumentar, inclusive em relação à guerra. Como escreveu Rothbard em A Anatomia do Estado, “uma guerra entre governantes foi convertida em uma guerra entre povos, com cada povo defendendo seus governantes sob a crença equivocada de que estes o estavam defendendo”. De fato, o patriotismo foi usado para mobilizar a população e seus recursos contra outra nação, mas a introdução do serviço militar obrigatório também forçou jovens a participar da guerra do estado, numa flagrante erosão da liberdade individual. As populações também sofrem as consequências da guerra moderna; por exemplo, tornando-se vítimas de bombardeios a infraestruturas civis, enfrentando as consequências econômicas que a guerra impõe às sociedades envolvidas ou tendo de sustentar a chegada de refugiados, dentre outros impactos.

 

A Contribuição do Libertarianismo

O estado moderno não hesita em usar quaisquer meios para avançar seus objetivos de poder e controle, mesmo que sua própria população seja utilizada. A guerra moderna é apenas uma expressão desse fato e, como exemplo, pode-se mencionar que as guerras modernas dos Estados Unidos prejudicaram enormemente a própria população americana de diversas maneiras: política, econômica e culturalmente. Ao analisar as causas da guerra moderna, parece inevitável, portanto, observar o papel do estado moderno como seu principal instigador. Assim, ainda que as reflexões de Clausewitz sobre guerra e política sejam importantes, elas devem ser complementadas por uma teoria do estado moderno.

O libertarianismo encontra-se em posição adequada para essa tarefa, pois identifica o estado como a causa dos males artificialmente criados na sociedade (em oposição aos bens). Enquanto filosofia política baseada no respeito à propriedade privada e no princípio da não agressão, o libertarianismo não pode, em princípio, aceitar uma guerra travada pelo estado, mesmo que seja inteiramente defensiva (se é que tal coisa existe). O estado, por sua própria definição, é ilegítimo, pois viola a propriedade privada por meio de seu monopólio da violência em determinado território. A guerra destrói a riqueza da sociedade e direciona mal seus recursos; por isso, é imoral.

No entanto, na prática, devem existir nuances. Mesmo libertários provavelmente prefeririam a proteção bem-sucedida da propriedade privada por parte de um estado, em seu território, durante uma guerra defensiva contra um estado agressor externo, à alternativa de ver essa propriedade privada ser violada com êxito por tal agressor externo. Isso poderia ocorrer, por exemplo, se um estado minarquista, com apenas um vigilante e agências privadas de proteção responsáveis pela defesa civil e pelo estado de direito, não fossem suficientemente poderosos para resistir a uma invasão de um agressor estatista externo, apoiado por um complexo industrial-militar e um enorme orçamento de defesa.

 

Globalização Econômica vs. Globalização Política

O livre comércio, isto é, o comércio totalmente livre de obstruções por parte de agências estatais nacionais ou supranacionais, é o principal motor da paz entre as nações. Sociedades abertas e voltadas ao comércio têm interesse em manter relações pacíficas umas com as outras e, por isso, tendem naturalmente a ser mais avessas à guerra do que sociedades fechadas e autárquicas. Para usar uma citação frequentemente atribuída a Frédéric Bastiat: “Quando os bens não cruzam as fronteiras, os soldados o farão”. A globalização econômica, portanto, é fundamentalmente pacífica em sua essência.

O protecionismo e a tendência à autarquia são, ao mesmo tempo, causas e consequências de relações frágeis ou tensas entre estados, além de aumentarem os riscos de conflito militar. Isso não é surpreendente, já que os interesses do estado na sociedade, por meio de sua intervenção na economia, introduzem uma lógica de competição contra outros estados. No livre mercado, são as empresas privadas, e não os estados, que competem entre si.

De fato, a paz e a prosperidade em qualquer sociedade estão inversamente correlacionadas ao tamanho e ao poder do estado. Em um mundo composto por estados-nação, isso conduz a uma conclusão oposta ao processo de globalização política; a saber, que o mundo deveria ter tantos estados-nação quanto possível, idealmente até o nível regional e até mesmo municipal, tornando cada um militarmente fraco, voltado à política local e cercado por muitos vizinhos de tamanho semelhante. Os estados do Ocidente cresceram mais durante as guerras mundiais do século XX, adquirindo novos e maiores poderes de controle sobre a sociedade, entre os quais se destaca a emissão de moeda para financiar exércitos, algo que antes nunca haviam possuído. Esse intervencionismo estatista nunca retornou aos níveis anteriores à guerra cada vez que a paz foi restabelecida, como explicou o Dr. Robert Higgs em Crisis and Leviathan.

Os conceitos libertários de secessão e autodeterminação são, portanto, fundamentais para reverter o processo histórico de centralização e aumentar o número de estados-nação. Em um mundo composto por muitos estados pequenos, bem defendidos e de tamanho semelhante, os desincentivos à guerra podem aumentar. Nestas circunstâncias, a guerra simplesmente não pode ocorrer na mesma escala e com a mesma devastação da guerra moderna. A história recente mostrou o perigo de estados tornarem-se tão grandes que seus interesses geopolíticos se expandem a ponto de obscurecer a diferença entre posições militares defensivas e agressivas. O caso extremo é o do governo dos Estados Unidos, que considera, em sua arrogância hegemônica, possuir interesses geopolíticos que se estendem por todo o globo.

Deve estar claro agora que não há contradição entre ter uma visão realista do mundo e, ao mesmo tempo, uma fundamentada no libertarianismo. Ter uma visão realista das relações internacionais não impede de reconhecer também a importância dos princípios libertários no que diz respeito à guerra e ao estado. De fato, quando os povos começarem a rejeitar massivamente as intervenções de seus próprios estados, tanto no exterior quanto internamente, a possibilidade de paz entre os estados se tornará mais próxima.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

A rebelde Velha Direita

Liberdade e guerra - uma breve história

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Finn Andreen

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