Educação ou controle?
Como o estado decide o que você pode aprender
Provavelmente você conhece o conceito de aparelhos ideológicos do estado. Ele foi proposto por Louis Althusser (1918-1990), intelectual francês de origem argelina. Segundo ele, a elite dominante, para garantir e perpetuar seu controle sobre a sociedade, institui mecanismos destinados a assegurar a reprodução das condições materiais, ideológicas e políticas que sustentam a exploração[i].
Em termos mais claros, o estado se divide em dois grandes segmentos: os aparelhos repressivos e os aparelhos ideológicos, ambos servindo para subjugar e controlar a classe dominada.
Os aparelhos repressivos do estado compreendem o governo, a administração pública, o exército, a polícia, os tribunais e as prisões. Estes órgãos utilizam a força e a coerção para manter a ordem e garantir a submissão dos cidadãos. Contudo, a manutenção da ordem e da obediência não se limita ao uso da força bruta. Ela é igualmente sustentada pelos aparelhos ideológicos do estado, que incluem instituições como escolas, igrejas, famílias, sistemas jurídicos, política, sindicatos, cultura e mídia. Estes aparelhos ideológicos desempenham um papel essencial não apenas na disseminação da ideologia oficial do estado, mas também na garantia de que a população não apenas aceite, mas ativamente perpetue o status quo.
Althusser argumenta que esses aparelhos ideológicos vão além de simples veículos de transmissão de ideologia; eles moldam ativamente a mentalidade da população. Ao submeter os indivíduos a um processo sistemático de socialização ideológica, esses aparelhos asseguram que os cidadãos não apenas aceitem, mas defendam vigorosamente a ordem vigente. Este processo de condicionamento ideológico é crucial para a manutenção e consolidação do poder da elite dominante ao longo das gerações.
Os aparelhos ideológicos, assim, funcionam como mecanismos sofisticados de controle social, estruturando e operacionalizando suas doutrinas através de uma rede complexa de discursos e práticas que sustentam o sistema vigente. Eles são, na verdade, engrenagens de um sofisticado mecanismo de dominação. Funcionam como correias de transmissão entre o poder político e a sociedade civil, inculcando doutrinas que mantêm a população dócil, obediente e, sobretudo, crente na legitimidade do próprio sistema que a oprime. O estado não governa apenas pela força das armas e pela ameaça de punição, mas pela manipulação das ideias e das consciências.
Vários exemplos ilustram de forma incisiva como os aparelhos ideológicos do estado operam para consolidar o controle e a dominação.
A monarquia absolutista francesa consolidou seu poder ao se aliar à Igreja Católica, que ensinava que a obediência ao rei era uma virtude cristã e que a revolta equivalia a pecado. Nos estados modernos, o sistema educacional público foi moldado deliberadamente para formar cidadãos obedientes, disciplinados e patriotas, prontos para servir ao aparato militar-industrial e aceitar a tributação como “dever cívico”. No século XX, regimes totalitários elevaram essa lógica ao paroxismo: Hitler controlava a juventude através da Hitlerjugend, enquanto Stalin convertia as escolas e a imprensa em fábricas de propaganda que exaltavam o Partido e demonizavam qualquer dissidência.
A mídia, por sua vez, desempenha um papel crucial nesse esquema de controle. Ao distorcer informações e manipular a narrativa, a mídia não apenas desqualifica os adversários do governo, mas também promove uma visão tendenciosa que favorece os interesses do poder estabelecido. Essa distorção da verdade é um instrumento de controle social, moldando a opinião pública e reforçando a hegemonia ideológica dos grupos no poder.
Em todos esses casos, a lógica é a mesma: as ideias que poderiam questionar o poder são silenciadas, e as ideias que reforçam o poder são amplificadas. A televisão, as universidades e até mesmo certas cátedras acadêmicas repetem incessantemente a moralidade do Estado — que pagar impostos é justo, que guerras são necessárias, que os líderes são indispensáveis. O objetivo não é apenas governar corpos, mas moldar mentes, criando uma massa que aceite a servidão como se fosse liberdade.
No sistema educacional, as escolas, longe de serem instituições voltadas para o verdadeiro aprendizado e desenvolvimento do verdadeiro senso crítico, se transformam em agências de doutrinação política. Em vez de promover o pensamento independente, as escolas inculcam uma visão de mundo alinhada com a ideologia dominante. A educação, que deveria ser um espaço para a exploração do conhecimento e o questionamento, torna-se um veículo para a disseminação de uma narrativa única e uniforme, que serve aos interesses da elite no poder.
Por isso, qualquer tentativa de retirar o sistema educativo das mãos do leviatã é louvável e importante. Algumas tentativas foram feitas, como recentemente. Como o decreto do governo do estado de São Paulo que autorizou, em junho de 2024, a concessão para a iniciativa privada de construção, manutenção e gestão de serviços não pedagógicos de 33 escolas estaduais.
Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu o projeto. A estúpida ação foi articulada pelo PSOL, partido especializado em travar qualquer proposta de liberdade econômica. Alegaram que a medida violaria a Constituição e que a terceirização de serviços essenciais sem “controle rigoroso” beneficiaria interesses privados.
O crime? Permitir que agentes do mercado, em vez de burocratas ineficientes, prestassem serviços que, sem dúvida, seriam entregues com mais qualidade e menos desperdício.
O que a gangue de sindicalistas, professores e intelectuais estatistas precisa aprender Não há nada de mágico, místico ou intocável na educação. Ela funciona como qualquer outro bem ou serviço. Infelizmente eles querem ignoram essa verdade inconveniente: a educação é um bem econômico, não é um direito e nem é gratuita.
Se a educação fosse tratada como um bem econômico – sujeito à concorrência, inovação e eficiência –, os consumidores (alunos e pais) teriam poder real de escolha. Escolas ruins faliriam, boas escolas prosperariam, e os professores competentes seriam valorizados pelo que realmente importam: sua capacidade de ensinar, não seu tempo de serviço ou militância sindical.
Mas isso, é claro, seria uma ameaça direta ao cartel da educação estatal. Por isso, eles resistem com todas as forças, preferindo manter as crianças reféns de um sistema falido a permitir que o livre mercado resolva o problema.
O decreto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) autorizou a abertura da licitação para a privatização da administração de 33 escolas estaduais em São Paulo. O prazo de concessão é de 25 anos.
Segundo o decreto sobre o projeto Novas Escolas, as empresas serão responsáveis pela construção, manutenção, conservação, gestão e vigilância, entre outras atividades de unidades novas de Ensino Médio e Ensino Fundamental II. As atividades pedagógicas ainda seguiriam sob responsabilidade da Secretaria da Educação.
Do ponto de vista libertário, esse tipo de projeto pode até remediar superficialmente a ineficiência da gestão estatal, mas não toca no verdadeiro problema: a escolarização compulsória monopolizada pelo governo. No final das contas, apenas muda-se o administrador, enquanto o conteúdo, o currículo e a estrutura ideológica permanecem inalterados.
Como bem observou o pastor Rousas John Rushdoony, o estado se arroga a posição de uma divindade secular, determinando unilateralmente “a natureza, a extensão e o tempo da educação” (p. 105). O resultado? A destruição do direito fundamental das famílias de decidirem sobre a formação de seus próprios filhos, substituído pelo domínio estatal sobre as crianças (Rushdoony, 2016)[ii].
Desde o advento do chamado estado de bem-estar social, consolidou-se uma verdadeira devoção religiosa — uma fé cega, dogmática e inquestionável — na ideia de que o Estado deve obrigar os indivíduos a participar de determinadas atividades ou a renunciar a parte de sua renda em nome de terceiros. Não se trata de um simples arranjo administrativo, mas de um credo político que coloca o saque legalizado no lugar da caridade voluntária, e a coerção no lugar da cooperação livre.
O confisco da renda dos indivíduos é apresentado como "solidariedade", e a compulsão, como "justiça social". Mas retire a retórica e o que resta é a essência nua e crua do arranjo: um grupo armado tomando, pela força, aquilo que pertence a outros — e depois chamando esse ato de virtude.
Assim como em antigas religiões que exigiam sacrifícios para aplacar os deuses, o Estado moderno exige sacrifícios permanentes de riqueza e liberdade para sustentar sua casta sacerdotal de burocratas e beneficiários políticos. E, como em toda religião estatal, quem ousa questionar o dogma é tachado de herege, egoísta ou inimigo do povo.
O Brasil, desde o início da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, o estado se envolveu mais agressivamente na educação. O estado decidiu não apenas “apoiar” a educação, mas dominá-la de forma agressiva. Criou-se o Ministério da Educação e, com ele, um aparato centralizado que passou a ditar o currículo até mesmo das escolas privadas, a controlar quem poderia ensinar através de certificados estatais e a impor, de cima para baixo, uma visão única de aprendizado.
Esse processo se aprofundou com a Reforma Capanema (1942–1946), que estruturou rigidamente o ensino secundário e técnico, separando os jovens em trilhas determinadas pelo Estado e submetendo todas as instituições às diretrizes do governo central. O que poderia ser um espaço de pluralidade foi transformado em linha de montagem ideológica.
Na década de 1960, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1961) reforçou o controle governamental ao estabelecer parâmetros uniformes para o funcionamento das escolas e para a formação docente, ampliando a presença estatal em todos os níveis de ensino. A versão revisada da LDB em 1996 não quebrou essa lógica, apenas a sofisticou: ampliou o alcance regulatório, definiu parâmetros curriculares nacionais e manteve o monopólio do Estado sobre a certificação, garantindo que nenhuma escola pudesse escapar do jugo burocrático.
O fio condutor é claro: em cada etapa, o poder político foi ampliando seu domínio e diminuindo a autonomia das famílias. Hoje, o desequilíbrio é brutal: de um lado, o Estado, armado com decretos, inspeções e currículos obrigatórios; de outro, famílias reduzidas a consumidores cativos, impedidas de escolher livremente como educar seus filhos.
A partir da promulgação da Constituição de 1988, e especialmente ao longo dos anos 2000, o Brasil intensificou seus esforços para impor um modelo educacional único. O processo de centralização teve início com os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), elaborados durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e consolidou-se com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), concebida no governo Lula e finalmente implementada nos governos Dilma/Temer.
Essa centralização e controle contribuíram para melhorar o aprendizado dos alunos brasileiros? A resposta é negativa. As pesquisas realizadas no Brasil, especialmente na área de Humanidades, possuem pouca ou nenhuma relevância na comunidade acadêmica internacional. Além disso, o país apresenta um desempenho medíocre não apenas na produção científica, mas também na pesquisa, nos métodos de ensino e na aplicação do conhecimento.
Mesmo os dados oficiais, que normalmente são manipulados, atestam a realidade deplorável do sistema educacional brasileiro.
Uma pesquisa baseada nas edições da Prova Brasil apontou que apenas 39% dos jovens pobres estavam matriculados no ensino médio. Além disso, os números revelam que 56,1% dos brasileiros entre 25 e 64 anos não concluíram essa etapa da educação. O cenário se agrava com o fato de que 11,3 milhões de pessoas com mais de 15 anos são analfabetas, o que representa 6,8% da população (INEP, 2020)[iii].
O PISA (Programme for International Student Assessment) ou Programa Internacional de Avaliação de Alunos, coordenado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), tem como objetivo avaliar as políticas públicas voltadas para educação e propor melhorias. Ele avalia até que ponto os alunos de 15 anos de idade, próximos ao final da educação obrigatória, adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais para a plena participação na vida social e econômica. Ele oferece informações sobre o desempenho dos estudantes e principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola.
Os resultados permitem que cada país avalie os conhecimentos e as habilidades de seus próprios estudantes, em comparação com os de outros países; aprenda com as políticas e práticas aplicadas em outros lugares; e formule suas políticas e programas educacionais visando à melhora da qualidade e da equidade dos resultados de aprendizagem.
O Brasil permanece entre as últimas posições. Os resultados demonstraram que os estudantes brasileiros têm baixa proficiência em Leitura, Matemática e Ciências. Eles são incapazes de compreender textos, resolver cálculos e questões científicas simples e rotineiras. Os índices do Brasil estão estagnados desde 2009. O Brasil está, entre 79 países, na 57ª posição no ranking de leitura, 66ª posição na avaliação de ciências e na 70ª posição em matemática.
Somos medíocres na produção, na pesquisa, nos métodos de ensino e na aplicação. Existe uma avidez pelo ensino do que é popular, corrente, em vez do que é necessário para ensinar e aprender. Existe uma visão distorcida do que é relevante ou não. Pensa-se muito no presente e pouco na construção de uma base educacional futura para os alunos. Conforme atesta Enkvist, “de fato, a pedagogia como disciplina universitária está produzindo enormes quantidades de trabalhos, mas que não diminuem os problemas da educação” (2019, 13)[iv].
Os resultados das avaliações de desempenho em leitura no Brasil são desastrosos. Os concluintes de cada fase de escolarização apresentam desempenho abaixo do mínimo esperado.
Portanto, o maior problema do sistema educativo no Brasil é que as crianças e os adolescentes vão à escola e aprendem muito pouco. Nosso sistema educacional falha no que deveria ser sua missão principal: ensinar[v]. Como lembra Felipe Celeti, “no Brasil vivemos o paradigma do acesso-qualidade, pois há facilidade para o ingresso em escolas públicas, mas a qualidade não consegue ser boa para todos” (Celeti, 2011, p. 9). O atual arranjo do sistema educativo não conseguiu melhorar, de forma significativa, a qualidade do ensino oferecido e nem a qualificação dos alunos que ingressam todos os anos na rede pública de ensino.
O governador Tarcísio de Freitas acredita que pode melhorar a educação com uma administração mais eficiente. O PSOL, por outro lado, acha que a solução está em despejar mais dinheiro no sistema. Ambos estão errados. O problema central não é a gestão nem a quantidade de recursos, mas o fato de que o ensino básico público brasileiro é gerido pelo estado.
O discurso corrente entre os intelectuais é sempre o mesmo, não interessa ao mundo capitalista uma população crítica. E como para eles o objetivo central da educação seria formar um cidadão com consciência crítica, leia-se, revolucionária: “quanto mais o homem refletir sobre a realidade, sobre a sua situação concreta, mais emerge plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la.” (Freire, 1980, p. 25)[vi]. Como as estruturas do poder econômico obviamente estariam contra essa visão, elas conspiram para que a educação fracasse.
Para os intelectuais, a culpa do fracasso do sistema de ensino é da mercantilização do ensino e o neoliberalismo, tendo como solução a adição de mais estado nesta equação. No entanto, é totalmente falsa a teoria de que o capitalismo requer a falta de educação ou educação de baixa qualidade, ou que exista um complô das grandes corporações para impedir a população de ter acesso ao sistema educativo. Se esses pensadores estivessem certos, seria de se esperar que os países mais capitalistas fossem aqueles com os piores e mais excludentes sistemas educacionais, enquanto aqueles em que o capitalismo não conseguiu estender sua influência deveriam ter populações formadas por cidadãos altamente instruídos e intelectualizados. Mas, na realidade, o que ocorre é exatamente o oposto: quanto mais capitalista o país, melhor e mais abrangente é o seu sistema educacional (Ioschpe, 2014)[vii].
E como qualquer setor sob controle estatal, ele é estruturalmente ineficiente. Não há prestação de contas. Não importa o quão péssimo seja o ensino oferecido, os recursos continuam fluindo dos cofres públicos, sem qualquer incentivo para melhorar a qualidade ou otimizar o uso do dinheiro.
A ausência de incentivos destrói qualquer possibilidade de inovação. Os professores que se destacam não podem ser recompensados. Mesmo aqueles que realmente querem ensinar ficam de mãos atadas, impedidos de adotar métodos eficazes, racionais e adaptáveis às necessidades reais dos alunos. Tudo é rigidamente controlado pelo estamento burocrático, cujo objetivo não é educar, mas perpetuar sua própria existência às custas dos estudantes e da sociedade.
Segundo Murray Rothbard, as escolas públicas não são apenas locais de ensino, mas instrumentos políticos. Elas acabam sendo controladas pelo grupo que tem mais influência no governo. Para o autor, a educação obrigatória imposta pelo Estado não é apenas uma política educacional, mas uma forma de controle totalitário (Rothbard, 2013)[viii].
Na prática, o sistema educacional estatal não fracassou — ele cumpre exatamente seu propósito real. Em vez de formar indivíduos livres e críticos, ele padroniza o pensamento para facilitar o controle social. A obrigatoriedade da escola não existe para garantir um ensino de qualidade, mas para evitar que alguém escape dessa doutrinação. Se todos pensam da mesma forma, controlá-los se torna muito mais fácil.
Sindicalistas e políticos exercem um controle absoluto sobre o ensino, garantindo que ele permaneça sob a tutela estatal. O domínio ocorre por meio de uma série de mecanismos bem estabelecidos: a manutenção de um grande número de escolas públicas, a regulação, licenciamento e dependência dos professores do estado para suas carreiras, o controle sobre a grade curricular, a imposição de um rígido sistema de licenciamento para escolas privadas, a definição do conteúdo dos livros didáticos e a manipulação do ensino de história, sempre apresentado sob uma ótica política e enviesada.
A justificativa oficial para essa imposição é sempre a mesma: as famílias mais pobres não sabem o que é melhor para elas. Não sabem quais escolas escolher, quais conteúdos priorizar ou quais habilidades realmente importam. Assim, o estado assume para si a responsabilidade de decidir o que os cidadãos podem – e devem – aprender, garantindo que só tenham acesso àquilo que lhes é permitido usufruir.
Todavia, o caminho certo não é reformar a máquina estatal para que eduque “melhor”, mas retirar-lhe completamente o controle do sistema educativo. Não se trata de pedir ao lobo que cuide melhor do rebanho, mas de expulsá-lo do curral. Antes da consolidação do Estado de bem-estar social, a educação não era monopólio de burocratas; ela florescia sob a responsabilidade das famílias, das igrejas e de uma miríade de associações voluntárias.
Nos Estados Unidos do século XIX, por exemplo, sociedades bíblicas, associações comunitárias e até empresas privadas fundavam escolas, manuais eram impressos por editoras independentes, e o aprendizado era descentralizado, diverso e ajustado às necessidades locais. Na Inglaterra vitoriana, as chamadas dame schools e as escolas dominicais, mantidas por contribuições espontâneas, educavam milhares de crianças pobres sem a menor intervenção estatal. No Brasil, antes da centralização republicana, colégios confessionais e iniciativas de imigrantes garantiam ensino plural, enraizado em valores comunitários e familiares.
Quando o estado assume a educação, o pluralismo desaparece. O currículo se torna uniforme, as crianças são adestradas para obedecer, e a sala de aula transforma-se em uma extensão do aparelho de propaganda estatal. O que antes era transmitido de forma viva — fé, costumes, responsabilidade individual — passa a ser substituído por dogmas ideológicos, impostos de cima para baixo.
A retirada do Estado, portanto, não significa caos, mas o ressurgimento da ordem natural: famílias orientando seus filhos, comunidades criando alternativas, associações livres competindo em qualidade. É aí que nasce a verdadeira educação — não da coerção, mas da liberdade.
Isso também ocorreu no Brasil. Mesmo em meio ao monopólio estatal sobre a educação. Há uma rede paralela, silenciosa, mas consistente de escolas comunitárias que continuam oferecendo ensino gratuito e de qualidade fora do alcance da burocracia centralizada. Trata-se de um esforço genuinamente público — no sentido de voltado ao bem comum —, mas não estatal.
As escolas paroquiais católicas, por exemplo, espalharam-se pelo interior do Brasil colonial e imperial, sustentadas pelas próprias comunidades que viam no ensino religioso e moral uma extensão natural da vida familiar. Da mesma forma, imigrantes alemães, italianos e japoneses criaram suas próprias instituições educacionais a partir do século XIX, transmitindo não apenas leitura e escrita, mas também língua, cultura e valores comunitários — tudo sem depender da tutela estatal.
As igrejas protestantes, desde sua chegada ao Brasil no século XIX, fundaram escolas dominicais que, em muitos casos, foram além da instrução bíblica, oferecendo também alfabetização e noções básicas de matemática e história a crianças pobres que jamais teriam acesso a outro tipo de ensino. Essas iniciativas demonstram que a educação floresce naturalmente quando nasce da fé, da responsabilidade comunitária e da cooperação voluntária.
Essa herança ainda resiste. Temos escolas são mantidas por fundações ligadas a grandes empresas, como a Fundação Bradesco, que há décadas sustenta unidades escolares em diferentes regiões do país, atendendo milhares de alunos. Ao lado dela, multiplicam-se pequenas instituições locais, ONGs registradas como associações sem fins lucrativos ou OSCIPs, que surgem de dentro das próprias comunidades e respondem diretamente às suas necessidades.
Elas estão presentes onde o estado é ausente ou ineficiente: nas aldeias indígenas, que preservam línguas e tradições ao mesmo tempo em que oferecem alfabetização; em comunidades quilombolas, onde o ensino se adapta à história e à cultura locais; nas periferias urbanas, onde jovens em risco social encontram não apenas instrução, mas também apoio humano e espiritual; e em regiões remotas como a Amazônia, onde nenhuma secretaria de educação consegue chegar de maneira contínua e eficaz.
Em outras palavras: a tradição da educação comunitária no Brasil é antiga, legítima e eficaz. O que é moderno — e artificial — é a crença de que somente o estado pode ensinar.
Esse quadro revela uma verdade incômoda para os defensores do monopólio estatal: a sociedade civil é capaz de prover educação com maior diversidade, proximidade cultural e eficiência. São exemplos vivos de que a educação floresce quando nasce da cooperação voluntária, da solidariedade local e da responsabilidade compartilhada — e não de decretos ou planos centralizados.
De acordo com Felipe Celeti, “no Brasil, não há discussão sobre a obrigatoriedade, toda tentativa de abordar a questão sob esta ótica é vista como um interesse em manter uma política de dominação e controle social” (Celeti, 2011, p. 10). Portanto, o sistema centralizado de escolarização compulsória deve ser abandonado. Rothbard diz que a educação deve ser conduzida num cenário institucional de liberdade, e não deve ser financiada e administrada compulsoriamente pelo estado (Rothbard, 2013).
A verdadeira solução, portanto, não está na mera terceirização de partes do sistema, mas na dissolução do próprio monopólio estatal da educação. Somente quando pais e estudantes tiverem liberdade genuína para escolher – sem coerção, sem impostos confiscatórios para sustentar um sistema falido e sem a imposição de um currículo estatal – será possível ter um mercado educacional dinâmico, inovador e responsivo às reais necessidades da sociedade.
Referências:
[i] Althusser, L., 1998. Os aparelhos ideológicos do estado. Graal, Rio de Janeiro.
[ii] Rushdoony, R.J., 2016. Esquizofrenia intelectual: Cultura, crise e educação. Monergismo, Brasília.
[iii] INEP, 2020. Brasil no Pisa 2018. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Brasília.
[iv] Enkvist, I. Educação: Guia para perplexos. Campinas, SP: Kírion, 2019.
[v] Barros, D. País mal educado: por que se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? Rio de Janeiro: Record, 2018.
[vi] Freire, P. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
[vii] Ioschpe, G. O que o Brasil quer ser quando crescer? E outros textos sobre educação e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
[viii] Rothbard, M.N., 2013. Educação: Livre e obrigatória. Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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