Socialismo democrático é totalitarianismo
Após eu escrever sobre a surpreendente vitória eleitoral do socialista Zohran Mamdani nas primárias do Partido Democrata para a prefeitura da cidade de Nova York, um leitor me enviou um e-mail furioso, dizendo que Mamdani era um “socialista democrático” e que o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez eram “sociais-democratas”. O remetente aparentemente queria que eu acreditasse que tudo o que eles desejam é transformar Nova York e os Estados Unidos em uma espécie de Dinamarca.
Afinal, não é a Dinamarca um dos países mais felizes do mundo? Ela não tem um salário mínimo de 22 dólares por hora? (Na verdade, o país não possui um salário mínimo nacional). Ela também não oferece benefícios sociais generosos, juntamente com amplas liberdades individuais? Portanto, se tudo o que precisamos fazer é eleger políticos que queiram transformar os EUA na Dinamarca, então deveríamos simplesmente fazê-lo.
Mas há algumas questões a considerar, é claro. Para começar, a Dinamarca está longe de ser um país socialista e certamente não possui uma economia planificada nos moldes socialistas. Esse ponto é essencial, porque AOC, Sanders e Mamdani já defenderam abertamente um planejamento estatal substancial e maior propriedade pública, e Mamdani foi ainda além. A revista socialista Jacobin, por exemplo, elogiou recentemente Mamdani justamente por ele defender abertamente uma economia totalmente socialista:
“Ninguém deveria se surpreender com o fato de Zohran Mamdani defender o controle democrático da economia, objetivo final do socialismo. Mas ele venceu porque conseguiu combinar uma política de viés socialista com propostas práticas para enfrentar a crise do custo de vida que afeta a classe trabalhadora.
“Durante uma conferência da Young Democratic Socialists of America (YDSA) em 2021, Zohran Mamdani discutiu várias reformas de curto prazo apoiadas pela organização. Contudo, além de comentar os objetivos imediatos do grupo, ele também fez uma afirmação direta sobre o ‘objetivo final’ da política socialista: ‘tomar os meios de produção’.
“Na última semana, esse trecho reapareceu nas redes sociais de direita, sendo tratado como uma revelação comprometedora sobre Mamdani, que acaba de vencer as primárias para se tornar o candidato democrata à prefeitura da cidade de Nova York.
“A National Review publicou uma nota curta sobre o vídeo com o título: ‘Uh, isso é literalmente comunismo!’ No canal CNN, Scott Jennings concordou, dizendo que Mamdani estava ‘usando a linguagem dos bolcheviques’. A deputada Nicole Malliotakis (republicana de Nova York) afirmou que essa foi ‘a coisa mais assustadora que Mamdani já disse’ e que a declaração vinha ‘diretamente do manual comunista de Karl Marx’.
“Não está claro por que essas declarações sobre o objetivo final da política socialista deveriam causar tanto espanto”.
Há muito o que se analisar nesse curto trecho, e ele diz muito sobre os chamados socialistas democráticos. Para começar, o simples fato de socialistas quererem se identificar com os jacobinos já revela bastante sobre suas intenções, afinal, os jacobinos foram o primeiro partido político a organizar e executar o terror político em massa, com execuções públicas, durante a Revolução Francesa. Além disso, ao afirmarem que o “controle democrático da economia” significa o estado “tomar os meios de produção”, deixam clara a natureza totalitária e violenta de suas crenças “democráticas”. Ninguém “toma” algo sem recorrer à coerção. Como se vangloriou o editor da revista Jacobin, Bhaskar Sunkara, em uma entrevista recente: “Nós não estávamos tentando esconder o marxismo”.
Para quem ainda duvidar da natureza coercitiva e violenta dos socialistas americanos, a recente conferência Socialism 2025, realizada em Chicago, trouxe uma sucessão de palestrantes defendendo abertamente o controle totalitário sobre toda a vida nos Estados Unidos. Entre as propostas apresentadas por oradores e delegados (todos obrigatoriamente trajando máscaras N-95 ou K95 como parte do uniforme), estavam ideias inspiradas em movimentos socialistas “democráticos” como a Revolução Bolchevique e o terror cambojano de Pol Pot, incluindo:
- Substituir a unidade familiar por comunas (o que relembra uma cena do filme Os Gritos do Silêncio, em que os supervisores do Khmer Vermelho mostram aos súditos um desenho com uma família riscada);
- Utilizar as escolas públicas para “radicalizar” os jovens antes que entrem na universidade;
- Continuar utilizando o ensino superior como ferramenta para minar as universidades e a própria sociedade;
- Desmantelar os Estados Unidos atuais, substituindo-os por uma entidade “socialista democrática” centralizada, onde o Estado teria controle absoluto sobre tudo.
Como escreve David Sypher Jr.:
“A crença fundamental é clara: os sistemas dos Estados Unidos, capitalismo, policiamento, meritocracia, casamento, são todos inerentemente opressores e precisam ser destruídos e substituídos por algo ‘mais equitativo’”.
Embora Zohran Mamdani não tenha feito comentários públicos sobre a recente conferência Socialism 2025, ele próprio já defendeu o fim da propriedade privada de imóveis residenciais, propondo substituí-la por moradias coletivas. Mamdani também afirma que a propriedade privada de moradias e a busca de lucro por parte de incorporadoras e construtoras são as principais causas da situação de pessoas em situação de rua. (Essa ideia remete à cena do filme Doutor Jivago, de 1965, em que Yuri retorna da guerra após a Revolução e encontra sua casa dividida entre várias famílias).
Considerando que Mamdani defende abertamente tanto a tomada dos meios de produção quanto a substituição da moradia privada por habitação comunal, há pouca, ou nenhuma, diferença entre sua visão de mundo e a dos coletivistas mais radicais. O fato de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez apoiarem Mamdani também diz muito sobre as convicções que eles próprios carregam. Espera-se que acreditemos que tudo o que eles desejam é tornar a América um pouco mais parecida com a Dinamarca. Mas é legítimo se perguntar: será que as pessoas que aplaudem entusiasmadamente os comícios contra a “oligarquia” sabem realmente o quanto suas vidas mudariam, e não para melhor, caso Sanders, Mamdani e AOC conseguissem implementar o tipo de “socialismo democrático” que propõem?
Mas e quanto ao restante do Partido Democrata, aquele que não apoia Mamdani e o chamado socialismo democrático? Em certa medida, muitos desses membros dependem de um sistema de intervencionismo econômico que lhes permite acumular riqueza pessoal dentro de um capitalismo regulado, e sabem que seriam deixados de lado caso os Estados Unidos se tornassem de fato um país plenamente socialista, como deseja a ala mais à esquerda do partido. Por isso, compreende-se a resistência deles à candidatura de Mamdani.
Os democratas já estiveram em uma situação semelhante há mais de 90 anos. O escritor socialista Upton Sinclair, em uma virada eleitoral surpreendente, venceu as primárias do Partido Democrata para o governo da Califórnia em 1934, com uma plataforma que prometia “abolir a pobreza”. Como escreveu recentemente Steven F. Hayward, no Wall Street Journal:
“Sinclair concorreu com uma plataforma radical conhecida pela sigla Acabar com a Pobreza na Califórnia (EPIC, na sigla em inglês). O programa EPIC propunha pensões universais para idosos (antes da criação da Previdência Social), fazendas coletivas no estilo soviético, indústrias estatais que produziriam ‘para uso, não para o lucro’, e, talvez, até mesmo a confiscação de propriedades”.
(Observa-se que Mamdani não propôs a criação de fazendas coletivas em Nova York, o que não é surpreendente, dado que não há fazendas na cidade. Contudo, em 1934, muitos americanos estavam fascinados com o chamado “experimento soviético” do comunismo, que na época era muito mais bem visto nos Estados Unidos do que viria a ser mais tarde, durante a Guerra Fria.)
O presidente Franklin D. Roosevelt não ficou satisfeito com o resultado das primárias, pois temia que a campanha radical de Upton Sinclair pudesse levar o público a se voltar contra seus planos do New Deal. Embora o então governador republicano Frank Merriam fosse impopular, muitos democratas e republicanos passaram a apoiar um terceiro nome, o “candidato independente” Raymond Haight, como uma espécie de contrapeso aos demais concorrentes.
No fim, Hollywood, que naquela época ainda não havia sido politicamente radicalizada, intensificou sua campanha retórica e midiática contra Sinclair, o que acabou fazendo a diferença. Merriam venceu a eleição, e os socialistas tiveram que buscar outras estratégias para alcançar o sucesso eleitoral.
Assim como a plataforma de Mamdani e a “visão” socialista apresentada em Chicago, as promessas políticas de Upton Sinclair só poderiam ser realizadas por meio da coerção e da propaganda. Como escreveu Ludwig von Mises, há mais de um século, em Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica, o socialismo não pode funcionar da forma como seus defensores afirmam. Como vimos desde a Revolução Bolchevique até os tempos atuais, socialistas já detiveram poder absoluto para direcionar tanto o trabalho quanto os recursos para os fins que desejassem e, mesmo assim, suas tentativas fracassaram miseravelmente.
Apesar disso, os socialistas continuam insistindo, e agora parecem estar colhendo algum sucesso político. E embora insiram o termo “democrático” como uma tentativa de suavizar sua proposta, não se pode implementar o socialismo sem recorrer à violência ou à ameaça de violência, uma vez que esse modelo exige a confiscação da propriedade alheia e a apropriação de recursos para moldar os resultados econômicos. No fim das contas, o socialismo se revela apenas como mais uma forma de totalitarismo.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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