Política
A Guerra Silenciosa na América Latina
Como o Foro de São Paulo subverteu a liberdade por dentro
A Guerra Silenciosa na América Latina
Como o Foro de São Paulo subverteu a liberdade por dentro
Nota do Editor:
O artigo a seguir foi escrito pelo Dr. Marcos Giansante e explora o nascimento, desenvolvimento e a tomada de poder pelo Foro de São Paulo na América Latina. O autor do artigo é aluno da Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil e participará do evento MisesPro, no painel voltado a médicos, no próxima dia 12 de agosto, às 20h. Acesse o link e saiba mais!
_____________________________________________
“Quando o saque se torna um modo de vida para um grupo de homens numa sociedade...” — Frédéric Bastiat, Sofismas Econômicos.
Nasci em uma América Latina que ainda acreditava que os jornalistas eram guardiões dos fatos, não curadores de narrativas. Seis décadas depois, esse ethos foi em grande parte substituído pelo que Alexis de Tocqueville previu como “despotismo democrático”: um poder suave e onipresente que reduz os cidadãos a “rebanhos de animais tímidos e industriosos” sob a tutela do Estado.
Essa transformação não foi repentina. Sua arquitetura foi construída gradualmente pelo Foro de São Paulo, lançado em 1990 por Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro. A estratégia era infiltrar-se lentamente, moldar mentalidades e corroer resistências, começando pelas escolas, núcleos culturais artísticos, púlpitos, redações e, por fim, tribunais.
Ecoando o alerta de Bastiat, o Foro substituiu os direitos clássicos à vida, liberdade e propriedade por uma ordem moral que justifica a coerção em nome da justiça. Hayek advertiu que a liberdade exige responsabilidade individual, enquanto Burke nos lembrou: “Tudo o que é necessário para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada”.
Este ensaio traça a ascensão do Foro, das universidades às cortes supremas, e pergunta: como resistir a uma força que corrói em vez de confrontar?
Origens e Métodos Silenciosos
O Foro de São Paulo não surgiu no vácuo. Ele emergiu de um processo complexo e prolongado que reformulou o vocabulário moral e político da América Latina. Fundado em 1990 por Lula da Silva e Fidel Castro, o Foro nasceu oficialmente como uma reação ao colapso do bloco soviético. Mas suas raízes institucionais e ideológicas são mais profundas, estendendo-se a salões paroquiais, assembleias sindicais e salas de seminário.
As bases foram lançadas no final da década de 1960, quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou uma nova estratégia pastoral inspirada pelo Concílio Vaticano II. Em sua VII Assembleia Geral (1966–1970), a CNBB aprovou o Plano de Pastoral de Conjunto (Doc. 77), que orientava a Igreja a "ajustar-se à realidade socioeconômica do país" e promover o testemunho cristão por meio de uma "presença construtiva na sociedade".
Essa nova abordagem encontrou seu braço operacional nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), grupos de base liderados por leigos que combinavam estudo bíblico com consciência política. Segundo estudiosos, essas comunidades tornaram-se incubadoras de consciência política, especialmente entre os pobres e a classe trabalhadora. Um estudo sobre a esquerda católica e a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) descreve as CEBs como “pontes entre o mundo eclesial e o político”, despertando nos cristãos um “compromisso político a partir da perspectiva dos oprimidos” (A esquerda católica na formação do PT). Enquanto isso, os frades dominicanos de São Paulo avançavam em uma forma mais radical de engajamento. Em Cartas da Prisão, Frei Betto relata que diversos clérigos dominicanos “serviram de apoio logístico” a grupos revolucionários como a ALN de Carlos Marighella. Suas atividades confundiam caridade cristã com resistência armada. Mais tarde, Frei Betto se tornaria um dos mais proeminentes defensores da teologia da libertação, argumentando que “fé cristã e análise marxista não apenas são compatíveis, mas aliadas necessárias” na luta contra o capitalismo.
Até meados dos anos 1980, o Partido dos Trabalhadores, alimentado por esse ecossistema teológico-político, havia absorvido grande parte do capital humano das CEBs. O 5º Encontro Nacional do PT (1987) revela a guinada ideológica do partido: as resoluções apoiam explicitamente o “socialismo popular” e condenam o “imperialismo norte-americano”, sinalizando alinhamento com agendas revolucionárias em toda a América Latina.
Nesse contexto, o Foro de São Paulo foi menos uma ruptura e mais uma culminação. Ele formalizou uma rede já construída por décadas de realinhamento moral, infiltração de base e reengenharia cultural. Sua força não vinha de vencer debates eleitorais, mas de remodelar os próprios critérios pelos quais se entendem legitimidade política, justiça e liberdade. Era, nas palavras de Hayek, “não pelo poder de coagir, mas pelo poder de moldar consciências.”
Educação, Mídia e Religião: As Trincheiras Invisíveis
Se o Foro de São Paulo foi o motor, educação, mídia e religião foram seu sistema de transmissão. Esses setores, formalmente apolíticos, tornaram-se condutores de realinhamento ideológico. A mudança não ocorreu por decreto, mas por captura epistemológica gradual: redefinir o que conta como verdade, virtude e justiça. No Brasil, teóricos do direito passaram a defender abertamente princípios largamente derivados de normas progressistas internacionais em vez da jurisprudência local.
Nas universidades brasileiras, especialmente nas faculdades de jornalismo, direito e economia, a transição foi sutil, mas decisiva. Os currículos abandonaram referências liberais clássicas, direito natural, individualismo metodológico e propriedade privada, em favor do positivismo jurídico, do keynesianismo e do planejamento tecnocrático. Alunos que antes liam Locke e Bastiat agora discutem Foucault e Gramsci. O resultado? Um clima intelectual que vê o Estado não como um mal necessário, mas como bússola moral do progresso.
A mídia, antes povoada por repórteres comprometidos com os fatos independentemente de sua visão política, seguiu o mesmo caminho. Lembro de jornalistas dos anos 1970, alguns alinhados à esquerda, que ainda prezavam a verdade acima da narrativa. Esse código se perdeu. Hoje, muitos atuam como ativistas com crachá de imprensa. Já em 1988, Herbert de Souza (Betinho) escrevia que o objetivo era formar uma “nova cidadania” por meio da mídia, “não a neutralidade, mas o engajamento”.
Nos círculos religiosos, a transformação foi ainda mais profunda. As CEBs — inicialmente redes de apoio espiritual — tornaram-se centros de mobilização política. A teologia da libertação, especialmente como formulada por Leonardo Boff, reinterpretou Cristo não como redentor das almas, mas como libertador revolucionário dos oprimidos. Em Jesus Cristo Libertador, Boff afirma que “o pecado já não é mais uma transgressão individual, mas uma injustiça sistêmica”. Sua leitura encontrou eco em dioceses e seminários, especialmente entre os dominicanos paulistas e a própria CNBB, que deu respaldo institucional às CEBs ao longo das décadas de 1970 e 80.
Essa tripla captura, da escola, da imprensa e do púlpito, não ocorreu da noite para o dia. Seguiu o método paciente: infiltrar, falar a linguagem da paz e redefinir a moralidade por meio da erosão cultural. Por volta de 1990, quando o Foro foi criado formalmente, o campo semântico da política latino-americana já estava moldado. As eleições podiam ser vencidas ou perdidas, mas as palavras, o que significam justiça, liberdade e dignidade, já pertenciam à narrativa dominante. O Foro não precisava mais conquistar países pela força; ele já havia conquistado suas consciências.
Dos Andes ao Prata: Uma Teia Continental
O Foro logo se tornou engrenagem continental. De Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia aos Kirchners na Argentina e Bachelet no Chile, partidos e governos convergiram para uma agenda comum: substituir gradualmente a ordem liberal por um Estado centralizador.
Inspirados em Gramsci, priorizaram a hegemonia cultural. Leis de “mídia democrática”, reformas constitucionais e tribunais militantes avançaram onde tanques falhariam. Mesmo governos tidos como moderados, como no Uruguai ou Paraguai, adotaram políticas intervencionistas, confiantes de que o novo léxico moral blindaria críticas como “reacionárias” ou “imperialistas”.
A durabilidade dessa rede vem da adaptabilidade: ela fala em inclusão, progresso e direitos humanos enquanto corrói as bases institucionais que sustentam esses ideais.
Conclusão: Nomear o Inominado
Em seu Discurso da Servidão Voluntária, Étienne de La Boétie mostrou que povos se submetem não só pela força, mas pelo hábito e pela sedução. O Foro de São Paulo opera assim: redefine virtudes, troca liberdade por tutela e rotula contestação como egoísmo.
Resistir exige mais que urnas e slogans: requer recuperar os primeiros princípios, propriedade, responsabilidade e verdade. Como alertou Ludwig von Mises, “somente ideias podem derrotar ideias”. Denunciar o Foro é restaurar um vocabulário em que justiça não é redistribuição compulsória, mas limite ao poder, e liberdade não é favor do Estado, mas direito inalienável.
A guerra silenciosa continua, mas nomear o agressor já é meio caminho para vencê-la.
_____________________________________________
Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
Comentários (3)
Deixe seu comentário