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O inimigo de Nock, o estado

29/07/2025

O inimigo de Nock, o estado

Nota da edição:

Este artigo é uma resenha do filósofo David Gordon, publicada na The Misesian, revista bimestral do Mises Institute. O autor traz as principais ideias contidas no livro Our Enemy, The State [Nosso Inimigo, o Estado] de Albert J. Nock.

O artigo (e o livro) trata sobre a origem confiscatória do estado e a sua natureza violenta. Essas características definem o estado, independente da forma como ele se apresenta. "A Natureza do Estado" é o tema do nosso evento Mises Brasil em Brasília, que acontece na Casa da Liberdade, na capital brasileira, no dia 7 de agosto. O evento é presencial e as inscrições são gratuitas, mas as vagas são limitadas. Acesse o link e inscreva-se para garantir o seu lugar.

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Neste ano, o tema do Supporters Summit [evento para apoiadores do Mises Institute] foi “Nosso Inimigo, o Estado”. Que escolha mais apropriada para uma resenha na presente edição da The Misesian do que uma discussão sobre o livro Our Enemy, the State, de Albert Jay Nock, publicado originalmente em 1935? A seguir, abordarei algumas das ideias centrais dessa obra.

Nock traça uma distinção entre o estado e a sociedade, embora, por vezes, ele formule essa distinção como sendo entre estado e governo. O que ele quer dizer com este último termo não é inteiramente fácil de definir, mas o argumento fundamental que deseja apresentar é claro: existem duas formas pelas quais as pessoas podem coexistir em uma comunidade. Uma é por meio da cooperação pacífica, e a outra, por meio da apropriação daquilo que outros produziram. Ele chama a primeira de “meios econômicos” e a segunda de “meios políticos”.

Pela definição de Nock, o estado é, necessariamente, parasita:

“O estado, então, seja primitivo, feudal ou mercantil, é a organização dos meios políticos. (...) Infelizmente, ainda é pouco compreendido que, assim como o estado não possui dinheiro próprio, tampouco detém poder próprio. Todo o poder que possui é aquele que a sociedade lhe concede, somado ao que confisca de tempos em tempos, sob este ou aquele pretexto; não há outra fonte da qual o poder do estado possa ser extraído”.

Nock está ciente da objeção de que, segundo sua teoria, o estado seria parasitário por definição, o que deixaria em aberto a questão de saber se o estado, tal como geralmente entendido pelas pessoas, realmente se enquadra nessa descrição. Sua resposta é que sua definição é confirmada pela história. De fato, todos os estados começaram dessa forma:

“O testemunho da história é de que o estado, invariavelmente, teve origem no confisco. Nenhum estado primitivo conhecido pela história poderia ter surgido de outra forma”.

Você poderia pensar que, como as pessoas não gostam de ver o fruto do próprio trabalho sendo tomado, elas tentariam derrubar o estado e substituí-lo por uma sociedade voluntária. Mas, segundo Nock, não é isso que acontece. De maneira um tanto cínica, ele afirma que os indivíduos quase sempre escolhem o caminho mais fácil, e geralmente é muito mais fácil tomar o que os outros produziram do que produzir por si mesmo. Por esse motivo, os opositores de um estado existente tendem a assumir seu controle, em vez de tentar substituí-lo por uma sociedade pacífica:

“Ora, como o homem tende sempre a satisfazer suas necessidades e desejos com o menor esforço possível, ele recorrerá aos meios políticos sempre que puder: exclusivamente, se possível; do contrário, em associação com os meios econômicos”.

Nos Estados Unidos, as pessoas acreditam que sua “democracia”, com partidos políticos em oposição, representa uma proteção contra a opressão estatal. No entanto, Nock discorda. Para ele, os partidos concordam em quase todas as políticas, com apenas diferenças pequenas.

Ele comenta essa situação da seguinte maneira:

“Nosso sistema nominalmente republicano é, na prática, estruturado sobre um modelo imperial, com nossos políticos profissionais ocupando o lugar dos guardas pretorianos; eles se reúnem de tempos em tempos, decidem o que pode ser feito ‘sem consequências’, de que maneira e por quem; e o eleitorado vota de acordo com as prescrições que eles mesmos formularam.”

Algumas pessoas recorrem à Constituição como um tipo de barreira protetora contra o estado opressor, esperando que, ao menos, certos atos abusivos sejam declarados inconstitucionais. No entanto, Nock argumenta de forma contundente contra essa expectativa. Isso porque toda constituição precisa ser interpretada, e são justamente os funcionários do próprio estado que fazem essa interpretação. Não é razoável esperar que os agentes do estado interpretem a Constituição de modo que limite o seu próprio poder. Nesse contexto, Nock faz um comentário que chamará atenção daqueles que não nutrem a reverência tradicional por Abraham Lincoln:

“Lincoln ignorou a opinião do juiz-presidente da Suprema Corte Taney, que considerava a suspensão do habeas corpus inconstitucional, e, como consequência, o funcionamento do estado foi, até 1865, o de um despotismo militar monocrático. (...) Um constitucionalista rigoroso poderia muito bem dizer que a Constituição morreu em 1861, e seria necessário um bom esforço para refutá-lo”.

Você poderia objetar que a maioria das pessoas acredita ser moralmente errado roubar. Isso não as impediria, em muitos casos, de praticar o roubo envolvido na tomada do estado? Nock responde a essa questão de maneira particularmente interessante e perspicaz. Ele sugere que as pessoas se acostumaram tanto a viver sob o domínio do estado que passaram a aceitar suas ações como legítimas. Por isso, não enxergam o que o estado faz como roubo.

Nesse contexto, ele compara o estado à Igreja por volta do ano 1500:

“É interessante observar que, no ano de 1935, a atitude de indiferença do indivíduo médio diante do fenômeno do estado é exatamente a mesma de sua atitude frente ao fenômeno da Igreja no ano, digamos, de 1500. (...) Não parece ter ocorrido ao cidadão eclesiástico daquela época, assim como não ocorre ao cidadão estatal atual, perguntar que tipo de instituição era essa que reivindicava sua lealdade”.

A análise de Nock sobre o estado é de grande valor, mas tendo a considerar que, em certos momentos, ele a aplica de maneira excessivamente rígida. Nock afirma:

“A condição dos assuntos públicos em todos os países, especialmente no nosso, fez mais do que apenas colocar sob exame a prática política atual, o caráter e a qualidade dos políticos representantes, ou os méritos relativos desta ou daquela forma ou modelo de governo. Ela serviu para sugerir que o ponto final da análise não está na consideração das espécies, mas sim do gênero. Não está na avaliação dos traços característicos que diferenciam o estado republicano, monocrático, constitucional, coletivista, totalitário, hitlerista, bolchevista, o que quer que seja. Está na consideração do estado em si”.

Em outras palavras, as diferenças entre os estados não importam tanto quanto o fato fundamental de que todos são, essencialmente, estados. Refugiados políticos de regimes como o de Hitler ou Stalin que encontraram abrigo nos Estados Unidos talvez discordem dessa visão.

Ainda assim, embora seja difícil aceitar integralmente a análise de Nock em toda a sua severidade, ela tem o mérito de nos fazer enxergar as coisas sob uma nova perspectiva. Em nosso zelo por combater o totalitarismo de alguns estados, jamais deveríamos esquecer a natureza opressiva do estado em si.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

A rebelde Velha Direita

A criação do estado

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

David Gordon

É membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre economia, política, filosofia e direito para o periódico The Mises Review, publicado desde 1995 pelo Mises Institute.

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