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O vírus que nasceu órfão

A origem do SARS-CoV-2 e o silêncio das instituições

28/07/2025

O vírus que nasceu órfão

A origem do SARS-CoV-2 e o silêncio das instituições

A origem que não se buscou

Em qualquer surto infeccioso, uma das primeiras etapas da resposta epidemiológica é localizar o case one — o primeiro paciente infectado, também chamado de index case ou paciente zero. Esse ponto de partida não é uma curiosidade clínica: é a base para toda reconstrução da cadeia de transmissão.

A epidemiologia contemporânea considera esse rastreio uma prioridade técnica. Como registra o Dictionary of Epidemiology da International Epidemiological Association, identificar o paciente zero é fundamental para compreender os padrões de disseminação e estabelecer estratégias de controle eficazes.

Entretanto, no caso do SARS-CoV-2, a pandemia global iniciada entre o fim de 2019 e o início de 2020 jamais contou com uma investigação internacional independente e transparente que identificasse com clareza onde, como e com quem tudo começou. A cidade de Wuhan, na China, é amplamente reconhecida como epicentro dos primeiros casos, mas nenhuma autoridade sanitária internacional teve acesso livre a registros clínicos, bancos de amostras ou dados laboratoriais.

Essa recusa em aplicar os fundamentos da investigação epidemiológica levanta uma questão tão técnica quanto política: por que a origem do vírus não foi investigada com o mesmo rigor aplicado a outras pandemias?

 

Wuhan, o laboratório e o que não se sabe

A cidade de Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, abriga o Instituto de Virologia de Wuhan (WIV), um dos principais centros mundiais de pesquisa sobre coronavírus de origem animal. Desde antes da pandemia, o WIV realizava experimentos com vírus de morcego, inclusive com técnicas de ganho de função — manipulações genéticas que aumentam a infectividade viral em organismos-modelo, como camundongos humanizados ou culturas celulares.

Em 2015, um estudo internacional envolvendo o WIV e pesquisadores americanos, publicado na Nature Medicine, chamou atenção por criar um vírus quimérico de morcego com capacidade de infectar células humanas, levantando debates sobre riscos e ética.

Ao surgir o surto em dezembro de 2019, diversas anomalias chamaram atenção:

- A primeira linhagem do vírus já apresentava alta afinidade pelo receptor ACE2 humano;

- Nenhum animal intermediário foi identificado;

- Amostras biológicas e dados de pacientes desapareceram ou foram inacessíveis.

Ainda assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) organizou apenas em janeiro de 2021 uma visita supervisionada ao WIV. O relatório final, redigido em cooperação com as autoridades chinesas, descartou a hipótese de vazamento como "extremamente improvável" — embora o próprio Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, tenha reconhecido posteriormente que “todas as hipóteses permanecem sobre a mesa”.

Importa destacar que Adhanom não é médico, e sim biólogo. Ele foi ministro da Saúde e das Relações Exteriores da Etiópia durante o governo autoritário da Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF). Durante seu mandato como ministro, Tedros foi acusado por ONGs e veículos internacionais, como The New York Times e The Telegraph, de ter acobertado surtos de cólera, classificando-os oficialmente como “diarreia aguda” para não comprometer a imagem internacional do governo etíope — conforme denunciaram profissionais de saúde da região e especialistas da ONU. O jornal The Telegraph também relatou que os surtos foram deliberadamente subnotificados e renomeados durante sua gestão.

Além disso, o EPRDF, partido ao qual Tedros pertenceu, tem sido amplamente criticado por reprimir dissidentes, restringir liberdades civis e promover censura sistemática da oposição política e da imprensa independente.

Embora essas questões não invalidem tecnicamente sua atuação atual, acendem um alerta legítimo sobre o grau de confiança institucional que se pode depositar em autoridades internacionais oriundas de regimes pouco transparentes. Quando um diretor da OMS, com esse histórico, é colocado na posição de principal porta-voz global em meio a uma pandemia, torna-se ainda mais urgente exigir investigações abertas, verificáveis e conduzidas por equipes independentes — algo que, no caso da origem do SARS-CoV-2, jamais ocorreu de forma efetiva.

 

A medicina sem etiologia: o paradoxo clínico

A medicina moderna é, acima de tudo, uma ciência das causas. Desde Hipócrates, entende-se que tratar uma doença exige compreender sua origem — biológica, ambiental, epidemiológica. A prática clínica, a microbiologia, a infectologia e a saúde pública compartilham esse princípio: sem etiologia, não há diagnóstico completo; sem diagnóstico, não há prevenção ou cura duradoura.

No campo da epidemiologia, identificar o case one — o primeiro paciente infectado, também chamado de index case — é essencial para conter surtos e rastrear as rotas de transmissão. Casos como o Ebola na África Ocidental em 2014 ou a SARS-CoV-1 em 2002 mostraram como o rastreio da origem permitiu respostas sanitárias eficazes, fundamentadas em evidência.

No entanto, com o SARS-CoV-2, a lógica foi invertida. Em vez de buscar as causas do surto em Wuhan com rigor científico, instituições internacionais preferiram administrar a pandemia como se a origem fosse irrelevante. Não houve acesso aos dados brutos, nem às primeiras amostras clínicas, nem ao banco genético do Instituto de Virologia de Wuhan.

 

A medicina passou a tratar o sintoma global, mas ignorando a lesão local

Essa ruptura da lógica clínica criou um paradoxo desconcertante:

- Médicos e cientistas foram convocados a prescrever soluções massivas sem conhecer o agente etiológico em sua forma inicial;

- Protocolos globais foram aplicados sem compreender o ciclo primário de infecção;

- Políticas públicas foram baseadas em modelos estatísticos desconectados da origem real do fenômeno.

A ausência do case one privou a medicina de seu fundamento racional. A epidemiologia deixou de ser rastreamento causal e tornou-se contenção difusa, amparada por projeções abstratas e pela moral do medo. Nunca se aplicaram tantas medidas autoritárias com tão pouca informação sobre o início do surto. Nunca se exigiu tanta obediência com tão pouco conhecimento confiável sobre a origem do risco.

A medicina foi separada de sua etiologia — e, ao ser instrumentalizada por decisões políticas, correu o risco de perder também sua autonomia, sua ética e sua confiança pública.

 

A lógica do medo e a moral da ignorância

A pandemia do SARS-CoV-2 revelou um fenômeno inquietante: a transformação do medo em critério de verdade. Diante da incerteza, do colapso de respostas institucionais e da fragilidade dos sistemas de saúde, formou-se um consenso silencioso — não era hora de fazer perguntas, mas de obedecer.

Interrogações legítimas sobre a origem do vírus passaram a ser malvistas. Questionar a conduta da Organização Mundial da Saúde ou sugerir que o surto poderia ter começado num laboratório em Wuhan era prontamente classificado como “teoria da conspiração”. O que antes era ceticismo saudável passou a ser tratado como desvio moral.

Esse processo se assemelha ao que o economista e filósofo Thomas Sowell chamou de “moralidade das intenções”: em tempos de crise, os indivíduos tendem a julgar ações pelo medo que enfrentam, e não pelas evidências disponíveis. Assim, a ignorância deixou de ser uma limitação a ser superada e passou a ser um estado institucionalmente aceito — até mesmo desejado.

Esse novo modelo de moralidade da ignorância se estruturou em três níveis:

1. Governamental: governos evitaram aprofundar investigações que pudessem comprometer aliados estratégicos ou expor falhas internas;

2. Científico: pesquisadores autocensuraram hipóteses por temor de retaliação institucional ou perda de financiamentos;

3. Social: a população, assustada, passou a preferir certezas oficiais — ainda que vazias — à complexidade do desconhecido.

Essa atitude é filosoficamente análoga ao que Martin Heidegger chamou de inautenticidade: a fuga da responsabilidade diante da angústia do real, substituída por uma adesão acrítica ao discurso dominante. Curiosamente, o próprio Heidegger apoiou o nazismo em seu momento inicial, o que nos lembra que a negação do pensamento crítico frequentemente acompanha projetos autoritários travestidos de bem comum.

Durante a pandemia, vimos emergir uma nova epistemologia: a epistemologia da obediência. Segundo o escritor Jeffrey Tucker, essa obediência é vendida como virtude — “confie na ciência”, “siga a autoridade”, “não questione a OMS”. Mas ciência sem dúvida não é ciência. E autoridade que se recusa a ser questionada deixa de ser legítima — passa a ser dogma.

O economista Jesús Huerta de Soto vai além: alerta que o monopólio estatal da ciência não é apenas ineficaz — é anticientífico por natureza. Quando o conhecimento é submetido a comandos políticos, ele se torna instrumento de poder, não de descoberta.

Essa crítica encontra eco na atuação do Instituto Mises Brasil, que desde o início da crise denunciou a erosão das liberdades civis e o uso da autoridade científica como ferramenta de controle estatal disfarçada de cuidado sanitário. Como afirmou Helio Beltrão, presidente do IMB, em artigo de 2021:

“O problema não é o vírus em si, mas a resposta política ao vírus. A histeria, alimentada por autoridades e pela mídia, abriu as portas para um autoritarismo disfarçado de compaixão”.

O silêncio sobre o case one do SARS-CoV-2, então, não foi apenas um erro técnico ou uma omissão política. Foi uma escolha ética e epistemológica: aceitar não saber, para não ter que assumir responsabilidades.

 

Conclusão: O vírus que nasceu órfão

O SARS-CoV-2, ao contrário do que preconiza a lógica epidemiológica, não teve pai, nem mãe, nem berço oficialmente reconhecido. Surgiu, matou, foi combatido com todos os recursos técnicos e políticos — mas jamais teve sua origem investigada de forma aberta, independente e responsável.

Essa omissão não decorre de ignorância, mas de uma arquitetura institucional que privilegia o controle à verdade. Quando o conhecimento é subordinado ao poder, como advertia Murray Rothbard, o estado deixa de ser um protetor para se tornar o maior dos agressores.

A pandemia não foi apenas um desafio biológico ou técnico. Foi uma crise epistemológica, na qual o medo foi promovido como virtude, a ignorância como blindagem, e a autoridade como dogma. A busca pelo case one foi abandonada não porque fosse irrelevante, mas porque ameaçava responsabilizar aqueles que não podiam ser responsabilizados.

Como ensinou Ludwig von Mises, a verdade não pertence ao estado, nem à maioria, nem aos especialistas. Ela pertence à razão. E se ela foi silenciada durante a maior crise sanitária do século, a tarefa de reconstituí-la cabe agora àqueles que recusam o conforto da obediência em favor do dever da lucidez.

A liberdade, afinal, não começa onde tudo se sabe — mas onde tudo pode ser perguntado.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Marcos H. Giansante

É médico cirurgião do aparelho digestivo e escritor, com atuação em São Paulo. Pós-graduando em Economia Austríaca, Filosofia, Direito e Ciência Política pelo Mises Academy, programa de formação do Instituto Mises Brasil, contribui para debates acadêmicos e públicos sobre liberdade, ciência e poder estatal a partir de uma perspectiva liberal clássica. Também colabora com o Mises Wire e com a revista MISES Journal.

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