Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Política

A importante e necessária cisão na direita americana

A divisão em torno de Epstein nos revela algo importante sobre o movimento MAGA

27/07/2025

A importante e necessária cisão na direita americana

A divisão em torno de Epstein nos revela algo importante sobre o movimento MAGA

No começo do mês, o Departamento de Justiça de Donald Trump anunciou ter concluído que Jeffrey Epstein não possuía uma lista de clientes e que o financista condenado por crimes sexuais, anteriormente bem relacionado com figuras poderosas, realmente morreu por suicídio. Para sustentar essa afirmação, o Departamento divulgou imagens de vídeo da área externa à cela onde Epstein estava preso, alegando tratar-se de gravações brutas. No entanto, os metadados do vídeo indicavam que o arquivo havia sido exportado de um software de edição, o que não impediu o governo de declarar o caso completamente encerrado.

Evidentemente, a existência ou não de uma lista única de clientes, bem como a forma exata da morte de Epstein, sempre foram questões secundárias diante das verdadeiras perguntas que o caso levantou. Primeiramente, sua parceira, Ghislaine Maxwell, foi condenada por tráfico de meninas menores de idade em instância federal – mas quem as estava recebendo? Em segundo lugar, quem, se é que havia alguém, dirigia, financiava ou colaborava com as atividades de Epstein?

Essas eram, especificamente, as questões que aqueles que acompanham o caso há anos esperavam ver respondidas com a nomeação de Kash Patel e Dan Bongino para a liderança do FBI durante o governo Trump. Afinal, ambos passaram anos comentando publicamente o caso, sugerindo que possuíam informações privilegiadas que indicavam uma dimensão muito mais profunda do que o governo reconhecera oficialmente. Contudo, após apontarem para as conclusões do Departamento de Justiça sobre essas duas questões secundárias, apoiadas por evidências públicas extremamente frágeis, ambos se alinharam à então procuradora-geral Pam Bondi e declararam o assunto encerrado. Tudo isso com o respaldo do próprio Trump.

O que tornou esse episódio notável não foi o quão pouco convincente é a evidência apresentada pelo governo, nem o fato de um político, junto de seus indicados, ter mudado completamente de posição em um assunto e abandonado uma promessa de campanha. Isso, afinal, acontece o tempo todo. O que realmente chamou atenção neste anúncio específico foi a forma como a direita reagiu a ele.

Desde que Trump começou a ganhar força nas primárias de 2016, seus opositores têm tentado caracterizar o apoio que ele recebe como uma espécie de doutrinação coletiva irradiada a partir dele. Segundo essa visão, a maioria dos conservadores americanos era composta por republicanos moderados ao estilo Mitt Romney, até que Trump apareceu e os “enganou”, levando-os a adotar sua visão de mundo distorcida por meio de mentiras, notícias falsas e propaganda russa. Em outras palavras, a teoria sustentava que Trump era a causa da mudança na direita americana, e não o candidato que melhor percebeu e captou transformações que já estavam em curso nesse espectro político.

Essa suposição foi o que norteou a estratégia do establishment para combater Trump. Se ele fosse, de fato, o catalisador por trás dessa onda de energia anti-establishment, então bastaria retirá-lo do poder para que a onda cessasse.

Então, eles tentaram. Primeiro, membros da alta cúpula do Departamento de Justiça consideraram liderar um esforço para destituir Trump no início de seu primeiro mandato utilizando a Vigésima Quinta Emenda. Quando isso não deu certo, o mesmo Departamento levou o público a acreditar que Trump era um agente da inteligência russa. Quando o chefe da investigação foi finalmente forçado a admitir que não havia nenhuma razão crível para acreditar que Trump tivesse atuado em nome da Rússia ou conspirado com ela, os opositores de Trump no governo mudaram de direção e tentaram impedi-lo por meio de impeachment. Primeiro, alegaram que ele teria tentado, ainda que tecnicamente, um quid pro quo com o presidente ucraniano Zelensky, algo que ele rapidamente abandonou, se é que de fato aconteceu, e, depois, o acusaram de incitar a multidão que invadiu o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Após Trump deixar a Casa Branca naquele ano, ele foi banido das redes sociais e praticamente desapareceu da vida pública. À medida que o governo Biden se consolidava, parecia que a estratégia do establishment havia funcionado. Mas, por precaução, autoridades federais e estaduais imputaram a Trump um total de 86 acusações criminais, numa tentativa de desqualificá-lo definitivamente para cargos públicos, se não juridicamente, ao menos na percepção do eleitorado.

Mas não funcionou. Trump retornou e venceu novamente a disputa pela Casa Branca no ano passado.

Embora alguns de seus opositores na elite política certamente tenham concluído que simplesmente não fizeram o suficiente, outros claramente perceberam que uma nova estratégia seria necessária. Se Trump não podia ser detido, pensaram, talvez pudesse ser cooptado.

Trump é um dos presidentes menos ideológicos da história dos Estados Unidos. E, mais uma vez, se fosse realmente ele, sozinho, quem determinava tudo o que seus apoiadores pensam e acreditam, todos os riscos à estrutura de poder estabelecida em Washington poderiam ser neutralizados caso ele fosse persuadido a adotar as mesmas velhas políticas republicanas tradicionais, disfarçadas com uma nova roupagem, apresentadas em linguagem “America First”, palatável ao público MAGA.

Embora estejamos apenas cerca de sete meses dentro do novo mandato de quatro anos de Trump, já é evidente que a estratégia de cooptação está dando resultado. Na política externa, que, de longe, é a principal prioridade do establishment político, Trump praticamente deu continuidade imediata à política de Biden no Iêmen, intensificou o apoio a Israel e agora está recuando para as mesmas antigas diretrizes do establishment no que diz respeito à Ucrânia.

No campo doméstico, o projeto de reconciliação fiscal que Trump e seus aliados ajudaram a aprovar no Congresso é, na prática, um típico projeto de gastos republicano, nada que represente uma mudança de paradigma ou um rompimento real com a trajetória fiscal vigente, tampouco algo que simbolize uma verdadeira “drenagem do pântano”.

E, por fim, de forma bastante reveladora, o Departamento de Justiça de Trump ofereceu exatamente o que o establishment desejava: o fim de qualquer investigação adicional sobre o caso Epstein, ao declarar formalmente que o assunto está encerrado.

Se fosse realmente verdade que a direita americana é apenas um grande culto à personalidade, como muitos dos opositores de Trump afirmam, em que o único princípio orientador seria seguir Trump de forma cega e inquestionável, seria de se esperar que seus apoiadores obedecessem fielmente a todas as suas decisões. E, de fato, muitos o fazem. Mas não todos.

Após Trump mudar de posição e declarar apoio à repentina ofensiva aérea de Israel contra o Irã, no mês passado, diversos de seus mais proeminentes apoiadores públicos demonstraram hesitação e, no caso de Tucker Carlson e de seus seguidores, manifestaram oposição aberta ao que o presidente estava fazendo. Frustrações semelhantes puderam ser observadas quando Trump decidiu enviar mais armamentos à Ucrânia e impor novas sanções à Rússia, apesar de ter feito campanha com a promessa de encerrar a guerra ou, ao menos, a participação dos Estados Unidos nela.

Contudo, a oposição mais ruidosa que vimos até agora, vinda de alguns dos apoiadores mais notórios de Trump, surgiu em resposta ao anúncio sobre o caso Epstein. Trata-se da maior cisão já observada dentro da base de apoio de Trump desde que ele entrou na política. E quando ele tentou retomar o controle da narrativa por meio de uma longa publicação na sua própria plataforma, a Truth Social, o resultado foi o chamado ratio: a postagem recebeu muito mais respostas do que curtidas ou compartilhamentos, sinal claro de ampla desaprovação, mesmo sendo publicada em um espaço que abriga seus seguidores mais fervorosos.

O que isso revela é que, para um segmento consideravelmente expressivo das pessoas que apoiaram e votaram em Trump, esse movimento não é sobre o homem em si, mas sobre as ideias que embasaram sua campanha. Essas pessoas não desejam mudanças radicais em Washington, D.C., apenas porque Trump disse que elas deveriam acontecer, mas sim porque, antes de tudo, acreditam que esse é o melhor caminho a seguir. E estão dispostas a criticar Trump, ou até mesmo deixá-lo de lado, caso ele se afaste demais desse caminho.

Embora esse grupo inclua algumas das vozes mais ativas e barulhentas da internet, ainda representa uma minoria dentro da base geral de Trump. No entanto, o simples fato de esse grupo existir já é algo significativo. E, se essa mentalidade centrada em princípios ganhar força na direita americana, ela poderá neutralizar por completo a estratégia de cooptação do establishment político. Corromper as políticas de um único homem não seria mais suficiente para conter o ímpeto do movimento anti-establishment como um todo.

E isso é importante, porque as políticas necessárias para realmente corrigir a péssima trajetória dos Estados Unidos, assim como a energia, o esforço e a organização exigidos para colocá-las em prática, são muito mais relevantes do que qualquer político individual. A direita precisa agir de acordo com essa compreensão.

Ainda há, claramente, um longo caminho a percorrer. Mas, como Ryan McMaken, Tho Bishop e eu discutimos no podcast Power & Market recentemente, esse nível de contestação por parte de republicanos contra um presidente republicano seria impensável há vinte anos. Está havendo algum progresso.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

O trilema de Trump

As vísceras do “comércio justo” de Trump

_____________________________________________

Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Connor O’Keeffe

Possui mestrado em economia e bacharelado em geologia.

Comentários (13)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!