Política
Uma análise do filme “Dr. Fantástico” sob a lente do libertarianismo rothbardiano
Uma análise do filme “Dr. Fantástico” sob a lente do libertarianismo rothbardiano
Introdução
Dr. Fantástico ou Como Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba (1964), dirigido por Stanley Kubrick, é uma obra satírica sobre a Guerra Fria. O filme se desenrola quando o General Jack D. Ripper, convencido de uma conspiração envolvendo os soviéticos e a fluoretação da água americana como forma de envenenar os cidadãos e comprometer seus "preciosos fluidos corporais", ordena um bombardeio nuclear à União Soviética. Enquanto isso, o Presidente dos Estados Unidos e seus assessores no Pentágono lutam para reverter a situação e evitar o apocalipse nuclear.
Sob um olhar libertário, podemos identificar vários pontos no filme que se alinham às ideias de Murray Rothbard. Primeiramente, temos: (1) a decisão unilateral de um agente do estado em iniciar um conflito armado; (2) o sacrifício de vidas inocentes como estratégia de guerra; (3) os impactos das armas de destruição em massa; e (4) como os estados podem, inevitavelmente, levar à extinção da vida humana.
Decisão Unilateral e o Poder Estatal
Quando Ripper, em seu juízo particular, toma como verdade que a fluoretação da água é um ataque silencioso soviético aos EUA, sua primeira medida é ordenar que aviões carregados com bombas nucleares ataquem a URSS. A decisão de Ripper retrata a unilateralidade das ações estatais. Como Rothbard argumenta, o estado frequentemente toma decisões sem consultar os cidadãos ou justificar suas ações, delegando a intelectuais contratados a tarefa de legitimá-las. Essa centralização do poder é exposta no filme como frágil e perigosa, pois depende de indivíduos falíveis em posições de autoridade.
A narrativa destaca a irracionalidade dos sistemas centralizados, como o complexo militar-industrial. A burocracia estatal demonstra sua fragilidade ao lidar com decisões urgentes, com diferentes membros tentando terceirizar responsabilidades pelo ocorrido. A cena em que o Capitão Mandrake é impedido de contatar o Presidente por questões protocolares triviais ilustra a ineficiência e a rigidez desses sistemas, uma crítica que ecoa a visão de Rothbard sobre a incapacidade do estado de gerenciar crises de forma eficaz.
Destruição Mútua Assegurada e a Lógica da Guerra
Mesmo que outros membros do governo não concordem com a decisão de Ripper, a situação os força a raciocinar dentro da mesma lógica belicista. Como Rothbard aponta em A Ética da Liberdade, a única "defesa" contra armas nucleares é a ameaça de "destruição mútua assegurada". No filme, isso se reflete nos debates na Sala de Guerra, onde, em alguns momentos, a posição de Ripper é inadvertidamente favorecida. A lógica da "destruição mútua assegurada" nos mostra como os estados, em sua busca por poder, inevitavelmente, caminham para a destruição.
No segundo ato, o filme apresenta a Doomsday Machine (ou "Máquina do Juízo Final"), um dispositivo nuclear fictício criado pela União Soviética. Descrita como um sistema automatizado, ela detonaria um arsenal de bombas nucleares em caso de ataque ao território soviético, gerando uma nuvem radioativa capaz de extinguir toda a vida na Terra. A máquina, que não pode ser desativada, serve como ícone à insanidade da escalada armamentista estatal em períodos de guerra, como foi no caso da Guerra Fria.
Sacrifício de Vidas e Desumanização
Quando o Presidente Merkin Muffley e seus assessores descobrem que o ataque de Ripper não pode ser totalmente revertido, eles tentam negociar com os soviéticos para evitar a retaliação total. Após o embaixador soviético revelar a existência da Doomsday Machine, os americanos consideram opções extremas, como permitir que os soviéticos retaliem contra uma cidade americana como "compensação" para equilibrar as perdas e evitar a ativação do dispositivo apocalíptico. Essa proposta, sugerida de forma satírica pelo Dr. Strangelove, reflete a desumanização inerente à lógica estatal, onde vidas de cidadãos são tratadas como moeda de troca.
Aqui, vemos como o estado inferioriza a vida de seus cidadãos para atingir seus objetivos. Reforçamos que, além da alta taxação para financiar uma possível guerra imposta aos cidadãos americanos, o governo considera sacrificar sua própria população como parte de uma estratégia geopolítica, infringindo dano a sua individualidade e quebrando princípios éticos como o princípio da não agressão (PNA).
Consequências das Armas de Destruição em Massa
O filme destaca o impacto devastador das armas nucleares, não apenas pela destruição imediata, mas pelo risco de aniquilação total da humanidade. A Doomsday Machine é uma metáfora para esse perigo, mostrando como a tecnologia desenvolvida pelos estados pode levar à extinção. Rothbard, em sua crítica à guerra, argumenta que as armas de destruição em massa amplificam a capacidade do estado de violar direitos em escala global. A ironia no filme está na revelação tardia da existência da máquina, o que sublinha a falta de transparência e a irresponsabilidade dos estados na gestão de tecnologias letais.
O Papel do Estado na Extinção Humana
Por fim, Dr. Fantástico ilustra como os estados, em sua busca por poder e segurança, podem levar à destruição da vida humana. A incapacidade de desativar a Doomsday Machine e a escalada do conflito iniciada por Ripper mostram a fragilidade das estruturas estatais diante de crises globais. Rothbard argumenta que o estado, por sua natureza coercitiva, é incapaz de proteger os indivíduos de forma eficaz, pois suas ações são guiadas por interesses de poder, não por princípios éticos. A sátira de Kubrick reforça essa ideia ao expor o absurdo de sistemas que colocam a humanidade à beira do colapso.
Conclusão
Dr. Fantástico é uma crítica mordaz à lógica belicista da Guerra Fria, e suas ideias ressoam profundamente com os princípios libertários de Murray Rothbard em A Ética da Liberdade e em Por uma Nova Liberdade. O filme expõe a unilateralidade das decisões estatais, a desumanização dos cidadãos, os perigos das armas de destruição em massa e a ameaça existencial representada pelos estados. A Doomsday Machine simboliza o ápice da irracionalidade estatal, enquanto a disposição de sacrificar cidades americanas reflete a violação dos direitos individuais que Rothbard condena. Assim, o filme alerta sobre os perigos de se confiar no estado o dever para administrar conflitos, independentemente de sua escala, demonstrando como a centralização do poder leva, inevitavelmente, a consequências catastróficas.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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