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Economia

A MMT está errada sobre a história das origens do dinheiro

25/06/2025

A MMT está errada sobre a história das origens do dinheiro

Os defensores da Teoria Monetária Moderna (MMT) acreditam que o dinheiro é uma “criação do estado”. Eles afirmam que o dinheiro é aquilo que o estado define como tal, e que essa definição se estabelece principalmente por meio da tributação. Para eles, dinheiro é “aquilo que [o estado] aceita nos seus guichês de pagamento (principalmente, para o pagamento de impostos)”.

Os adeptos da MMT contestam a teoria mengeriana sobre a origem do dinheiro, argumentando que ela “se baseia em premissas falsas e anti-históricas”. Carl Menger fez uma afirmação sensata ao dizer que, antes do dinheiro, existia o escambo. No escambo, as pessoas trocam bens para uso direto, ou seja, não utilizam nenhum bem como um “intermediário” ou “meio” para obter outro bem que realmente desejam. É fácil imaginar que conseguir aquilo que você quer no mercado poderia ser extremamente difícil. Você precisaria encontrar alguém que tivesse aquilo que você quer e, ao mesmo tempo, que desejasse aquilo que você tem a oferecer. Essa condição necessária para que uma troca voluntária ocorra é chamada de “dupla coincidência de desejos”, e ela representa uma grande limitação para os mercados baseados em troca direta.

Menger propôs que os participantes do mercado, diante dessa situação, perceberiam que alguns bens são mais “vendáveis” ou “comercializáveis” do que outros. Você pode comprar milho ou algodão e revendê-los rapidamente, com uma perda mínima ou até sem nenhuma perda. Por outro lado, com certos bens, como instrumentos cirúrgicos, podem levar muito tempo para encontrar um comprador, e, se você tentasse vendê-los rapidamente, provavelmente teria que aceitar um preço muito mais baixo.

Os participantes do mercado percebem, então, que podem usar esses bens mais vendáveis como um passo intermediário para adquirir os bens que realmente desejam para uso direto. Por exemplo, imagine que você leve instrumentos cirúrgicos ao mercado com a intenção de voltar para casa com uma nova torradeira. Em vez de passar pelo processo caro e demorado de encontrar alguém que esteja vendendo uma torradeira e, ao mesmo tempo, queira instrumentos cirúrgicos, você pode, mais facilmente, encontrar alguém que queira os instrumentos cirúrgicos e esteja disposto a oferecer ovos em troca, um bem mais vendável. Depois, você leva esses ovos até a pessoa que está vendendo a torradeira, e todos saem satisfeitos no final.

Ovos não seriam o melhor tipo de dinheiro. Assim, por meio da repetição desse processo, com tentativas, erros e, gradualmente, mais e mais pessoas passando a utilizar um ou dois bens específicos como meio de troca, surge o dinheiro.

 

Por que os adeptos da MMT rejeitam a teoria de Menger

A teoria é simples e não gera controvérsias — a não ser, claro, se você for um adepto da MMT. Se você é um defensor da MMT, precisa que o dinheiro seja visto como um instrumento legítimo do Estado. Você precisa que o dinheiro seja propriedade e responsabilidade do Estado, e não do mercado. É necessário estar confortável com a ideia de que o Estado possa desvalorizar o dinheiro ou simplesmente imprimir mais papel-moeda com o objetivo de expropriar recursos da economia de mercado privada.

Não é de se estranhar que eles ataquem a teoria de Menger de forma tão veemente.

Em vez de oferecerem uma teoria alternativa (a única “teoria” sobre a origem do dinheiro que consigo encontrar na literatura deles é uma coleção de afirmações do tipo “dinheiro é aquilo que o Estado aceita como pagamento de impostos”), os defensores da MMT recorrem a estudos de casos históricos. Um dos exemplos favoritos deles são as tábuas cuneiformes de argila da antiga Mesopotâmia. Veja o que o economista defensor da MMT Randall Wray tem a dizer sobre essas tábuas:

“As tábuas de argila shubati (“recebido”) registravam (...) dívidas. Cada tábua indicava uma quantidade de grãos, a palavra shubati, o nome da pessoa de quem foi recebido, o nome da pessoa por quem foi recebido, a data e o selo do recebedor. (...) As “tábuas de transação” podiam, e de fato circulavam. Uma dívida podia ser cancelada e impostos podiam ser pagos mediante a entrega de uma tábua que registrava a dívida de outra pessoa. Nesse momento, a tábua correspondente à dívida cancelada podia ser quebrada para verificar os termos da dívida”.

Wray não cita nenhuma tradução nem interpretação direta dessas tábuas, tampouco faz referência a qualquer trabalho arqueológico específico. Ele cita apenas um economista de pensamento semelhante, A. Mitchell Innes. E Innes, por sua vez, também não cita nenhuma pesquisa histórica específica sobre essas tábuas. Ele simplesmente afirma que “elas correspondem às varas de contagem medievais e às atuais letras de câmbio”, e que as tábuas “sem dúvida passavam de mão em mão”.

 

Dinheiro no Antigo Oriente Próximo

Em vez de simplesmente aceitar as afirmações de Wray e Innes, decidi verificar o que historiadores e arqueólogos especializados nesse período realmente dizem sobre as tábuas e sobre a economia mesopotâmica. Eis o que encontrei:

- Pelo que pude apurar, praticamente todos os historiadores desse período afirmam que a prata era utilizada como dinheiro no Antigo Oriente Próximo, antes mesmo da invenção das moedas, e não as tábuas de argila. Sobre esse consenso, Powell afirma:

“O dinheiro, obviamente, existia na antiga Mesopotâmia. (...) O uso de termos como ‘dinheiro’, ‘moeda’, ‘numerário’ etc. pelos estudiosos da escrita cuneiforme para descrever a prata é tão onipresente na literatura dos últimos cento e cinquenta anos que, se o dinheiro realmente não estivesse registrado nos documentos cuneiformes, seria necessário fazer a improvável suposição de que todos que usaram esse termo interpretaram os textos de forma completamente equivocada”.

- Rahmstorf oferece uma excelente visão geral das evidências arqueológicas. Ele também concorda com o consenso esmagador entre os historiadores do período de que a prata era, de fato, o dinheiro. O predomínio do chamado hacksilver (pedaços quebrados de prata) é tão evidente nos registros textuais e arqueológicos que Rahmstorf questiona se a cunhagem de moedas pode realmente ser considerada uma inovação monetária substancial. A prata era pesada na maioria das transações, tanto antes quanto depois da introdução das moedas, e estas aparecem em depósitos de hacksilver que, de outra forma, são idênticos aos que existiam antes da cunhagem. Portanto, a unidade monetária estava claramente baseada em uma medida de peso da prata (por exemplo, o siclo e a mina).

- Falando em peso, Ialongo e seus colegas demonstraram que os pedaços de prata encontrados nos depósitos de hacksilver correspondiam aos pesos padronizados conhecidos da época e aos seus múltiplos: “Os resultados das análises estatísticas sobre um tesouro de prata encontrado em Ebla (Síria) sugerem fortemente que o hacksilver no Oriente Próximo da Idade do Bronze era moldado e/ou fragmentado de forma a se adequar aos sistemas de peso que estavam em uso nas redes comerciais onde ele circulava”.

- Leemans afirmou que as tábuas permaneciam na posse de quem as recebia, elas não eram usadas para transferir dívidas. Um bônus: algumas das traduções feitas por Leemans mostram que os antigos mesopotâmicos usavam a prata para calcular o lucro.

- Os impostos não eram pagos com as tábuas, nem eram pagos em prata. Os impostos eram pagos in natura, especialmente com gado e grãos. Sharlach afirmou: “As transferências entre a província e a coroa não eram transações ‘de papel’... enormes carregamentos eram, de fato, transportados”. Isso significa que os defensores da MMT estão duplamente equivocados: 1) quanto à alegação de que as tábuas eram usadas para pagamento de impostos; e 2) quanto à ideia de que os impostos são o que gera a demanda por dinheiro. De fato, a prata era utilizada como dinheiro, mas os impostos eram arrecadados in natura durante a dinastia Ur III.

- Em dezenas de artigos que li sobre as tábuas de argila, não encontrei nenhuma menção de que essas tábuas fossem usadas como dinheiro, nem sequer qualquer menção de que elas fossem objeto de troca.

Em resumo, as evidências históricas confirmam a teoria de Menger e refutam os defensores da MMT. As tábuas de argila não eram um tipo primitivo de dinheiro fiduciário. Elas eram recibos que, de forma esmagadora, demonstravam que as pessoas utilizavam a prata como dinheiro, uma mercadoria com usos não monetários, exatamente como a teoria de Menger prevê.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

Como os defensores da MMT veem o dinheiro e o estado

Bastiat versus MMT

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Jonathan Newman

Professor no Mises Institute.

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