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Filosofia

Jordan Peterson e a verdadeira "tétrade sombria"

24/06/2025

Jordan Peterson e a verdadeira "tétrade sombria"

No podcast The Joe Rogan Experience e em uma discussão recente com James Lindsay, Jordan Peterson alertou sobre psicopatas de “tétrade sombria” nas redes sociais, indivíduos com traços maquiavélicos que adotam ideias de maneira oportunista e jogam jogos de poder.

Peterson sugeriu que esse tipo de pessoa está surgindo na direita não intervencionista, ocultando suas verdadeiras intenções “antissemitas” sob uma falsa retórica conservadora. “Eles usam a linguagem apenas como um meio de manipulação com fins instrumentais”, disse Peterson. Eles “imitam competência”, mas não conseguem sustentá-la por muito tempo e precisam “encontrar outro hospedeiro”, porque “não criam, apenas destroem”.

No entanto, pode-se argumentar com mais força que os verdadeiros tipos maquiavélicos de “tétrade sombria” na política americana são os neoconservadores.

Irving Kristol, o “padrinho do neoconservadorismo”, foi, no início de sua vida, um trotskista anti-stalinista radical e, mais tarde, se tornou republicano, apoiando o intervencionismo durante a Guerra Fria e defendendo um “estado de bem-estar conservador” inspirado nas reformas sociais de Otto von Bismarck. Ele foi profundamente influenciado por Leo Strauss, que pode ser considerado o “padrinho intelectual do neoconservadorismo”.

Kristol aceitava a teoria de Strauss de que os filósofos da Antiguidade escondiam significados esotéricos em seus escritos, que apenas uma elite filosófica seletiva poderia compreender, enquanto ofereciam mensagens mais simples às massas.

Resumindo a contribuição de Strauss, Kristol afirmou que ele não aceitava o “dogma iluminista de que ‘a verdade libertará os homens’”, já que “havia um conflito inerente entre a verdade filosófica e a ordem política”. Concordando com ele, Kristol escreveu: “[A] noção de que deveria haver um conjunto único de verdades acessível a todos é uma falácia democrática moderna. Isso não funciona”.

Strauss também escreveu sobre Nicolau Maquiavel, admirando a “intrepidez de seu pensamento, a grandeza de sua visão e a sutil elegância de sua fala”. Embora rejeitasse o amoralismo de Maquiavel, Strauss valorizava seu realismo. Ele acreditava que a rejeição de Maquiavel aos filósofos clássicos e aos seus ideais e princípios foi o que deu origem à filosofia moderna. Maquiavel era um pragmático que se concentrava em “como os homens vivem”, em vez de “como eles deveriam viver”.

Strauss acreditava que as democracias precisavam de governos fortes e de elites para enfrentar forças hostis. Paul Wolfowitz, vice-secretário de Defesa durante a guerra do Iraque, e Abram Shulsky, que em 2003 atuou como diretor do Escritório de Planos Especiais (criado para encontrar evidências que sustentassem a alegação do secretário de Defesa Donald Rumsfeld e de Wolfowitz de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa), estudaram com Strauss na Universidade de Chicago.

Apesar de afirmações de que Strauss teria rejeitado o neoconservadorismo, Shulsky, em seu ensaio Leo Strauss e o Mundo da Inteligência, o citou como uma influência fundamental. Ele explicou que o esoterismo de Strauss “sugere que o engano é a norma na vida política, e que a esperança [...] de estabelecer uma política que possa prescindir dele é a exceção.” Ele elogiou Strauss por seu “sucesso em enxergar além da superfície e ler nas entrelinhas”.

Críticos argumentaram que Strauss acreditava que “a pessoa que sussurra no ouvido do rei é mais importante do que o próprio rei” e que “os filósofos precisam contar mentiras nobres não apenas ao povo em geral, mas também a políticos poderosos.” Em O Príncipe, Maquiavel sugere que os governantes devem aparentar virtude, mas agir de forma pragmática e “saber como fazer o mal”.

Pode-se dizer que os neoconservadores empregaram “mentiras nobres”, como as alegações de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, para encobrir objetivos estratégicos, como a mudança de regime. Dois neoconservadores centrais, Richard Perle e Norman Podhoretz, exemplificaram essas táticas maquiavélicas e straussianas. Perle, um dos arquitetos da Guerra do Iraque e cofundador do Project for the New American Century (PNAC), defendia a mudança de regime, alegando que Saddam possuía armas de destruição em massa. Podhoretz, editor da revista Commentary, também fez a transição da esquerda para o neoconservadorismo e afirmou, em 2002, que não havia “nenhuma dúvida” de que Saddam estava “à beira de adquirir poder nuclear”. Ambos construíram narrativas públicas enquanto promoviam agendas lideradas por elites, como evidenciado no memorando “A Clean Break” do PNAC, redigido para Benjamin Netanyahu, que revelou as intenções privadas por trás das mudanças de governo por intervenção no Iraque e na Síria.

Independentemente das raízes straussianas, somos inevitavelmente levados à pergunta: será que as políticas dos neoconservadores são realmente conservadoras ou eles simplesmente “encontraram outro hospedeiro”? Talvez as raízes straussianas do neoconservadorismo não passem de uma “teoria da conspiração” infundada. Ainda assim, devemos nos perguntar se as intervenções americanas no Iraque, Afeganistão, Síria, Líbia e Irã são conservadoras. Essas políticas estão alinhadas com a postura não intervencionista de Robert Taft, conhecido como “Mr. Republican”, e da Velha Direita? Ou é possível que os neoconservadores tenham se revestido oportunisticamente do conservadorismo para promover uma política externa incompetente, porém extremamente destrutiva?

Inicialmente alinhados com os democratas progressistas, como Woodrow Wilson, Franklin D. Roosevelt (FDR), Harry Truman e Lyndon B. Johnson (LBJ), que defendiam uma política externa firmemente intervencionista, os neoconservadores acabaram entrando em conflito com o Partido Democrata devido ao crescimento do sentimento antiguerra durante a Guerra do Vietnã. Foi então que começaram a se aproximar de uma ala do Partido Republicano. No ensaio O Surgimento de Dois Partidos Republicanos, Irving Kristol criticou o conservadorismo da Velha Direita por estar excessivamente preocupado com contenção fiscal e oposição ao New Deal. Ele incentivou os “Republicanos do Pós-New Deal” a adotarem uma “liderança enérgica”, inspirada em Theodore Roosevelt, o primeiro presidente americano progressista, que foi pioneiro em uma política externa intervencionista.

Essa mudança não foi exclusiva de Kristol. James Burnham, outro ex-trotskista, também influenciou a guinada intervencionista do conservadorismo como editor fundador da National Review. Embora muito possa ser extraído de sua obra, Burnham defendia que os Estados Unidos travassem uma “Terceira Guerra Mundial” contra o comunismo e criticava o libertário Murray Rothbard por ser um “isolacionista”. Ele elogiava Franklin D. Roosevelt (FDR) como “o principal apoiador de guerras” que tirou os EUA da Grande Depressão.

Em sua obra The Machiavellians, Burnham defendia a teoria das elites e o método realista de Maquiavel, enxergando a política como uma ciência do poder, dissociada da “ética de outro mundo” e da “moral podre” de filósofos políticos e moralistas como Rothbard, que acreditavam na lei natural. Em vez disso, Burnham acreditava que a liberdade poderia emergir da rotação de elites — mas, devido à sua rejeição do moralismo, sua concepção de liberdade era bastante vaga, permitindo que ela fosse sacrificada no altar da Guerra Fria pela direita americana.

Em seu ensaio The Party and the Deep Blue Sea, William F. Buckley, fundador da National Review (que afirmou que Burnham foi “a principal influência intelectual da National Review”), escreveu sobre a plataforma do Partido Republicano, começando com uma referência elogiosa a libertários como Albert Jay Nock, Herbert Spencer e H.L. Mencken. Mas ele encerra o texto revelando a verdade: a direita intervencionista se veste com o anti-estatismo libertário, mas é estatista, maquiavélica e oportunista em seu militarismo.

Como priorizava a vitória na Guerra Fria, Buckley defendia “leis tributárias extensas e produtivas são necessárias para sustentar uma política externa vigorosamente anticomunista”. Para derrotar os soviéticos, Buckley afirmou: “[N]ós temos que aceitar um governo grande pelo tempo que for necessário — pois nem uma guerra ofensiva nem defensiva pode ser travada(...) a não ser por meio da instrumentalização de uma burocracia totalitária dentro das nossas fronteiras”. Assim, ele conclui que nós, conservadores e libertários, devemos deixar de lado nossos princípios e apoiar “grandes exércitos e forças aéreas, energia atômica, inteligência central, conselhos de produção de guerra e a consequente centralização de poder em Washington — mesmo com Truman no comando de tudo isso”.

Embora mais tarde tenha se afastado da política externa neoconservadora durante a Guerra do Iraque e tenha sido conservador durante toda a sua vida, a disposição de Buckley em aceitar o Grande Governo em nome do anticomunismo refletiu a guinada maquiavélica e neoconservadora da direita, influenciada por figuras como Burnham.

Graças a essa mudança ideológica, os neoconservadores conseguiram disfarçar sua agenda intervencionista com jargão conservador, justificando as guerras no Oriente Médio como uma forma de “defesa da liberdade”. No entanto, como Peterson observou ao falar sobre as tendências da “tétrade sombria”, os neoconservadores não conseguiram sustentar a farsa de uma competência performática por muito tempo.

Os neoconservadores modernos agora estão em desacordo com o movimento “America First” após décadas de guerras fracassadas e operações de mudança de regime. Muitos deles, como Bill Kristol, filho de Irving e defensor das guerras dos Estados Unidos, começaram mais uma vez a abandonar o barco, criando o movimento “Never Trump” em oposição aos conservadores populistas. Essa divisão ficou evidente na recente resposta do vice-presidente JD Vance a Kristol na plataforma X, em que afirmou não estar “de acordo com pessoas que iniciam guerras estúpidas que matam milhares dos meus compatriotas”. Intelectuais públicos como Douglas Murray, autor de Neoconservatism: Why We Need It [“Neoconservadorismo: Por que Precisamos Dele” em tradução livre], se veem tentando se justificar em debates acalorados com Dave Smith e Joe Rogan sobre intervencionismo e o apoio do movimento MAGA às guerras no exterior. Esses são sinais de que o neoconservadorismo, e as guerras promovidas pelos EUA, não estão alinhados com o movimento conservador. Talvez, na verdade, nunca tenham estado.

Em vez de focar em trolls da internet sem poder efetivo, direcionar uma malícia injustificada a figuras como Dave Smith e Tucker Carlson, ou se preocupar com quais critérios Joe Rogan deveria usar para escolher os convidados de sua plataforma, Jordan Peterson deveria voltar sua atenção para aqueles que cooptaram o conservadorismo nos Estados Unidos e promoveram a centralização do poder em Washington, a construção de um império e a mudança de regimes. Afinal, sob o disfarce de uma direita “moderada”, suas políticas mostraram-se fracassos absolutos, e suas ações causaram imenso sofrimento humano, deslocamento de refugiados, centenas de milhares de mortes e gastos deficitários massivos, refletindo a mesma incompetência, enganação maquiavélica e danos que Peterson alerta serem consequência dos tiranos da “tétrade sombria” na esquerda, em outras palavras, “eles não criam, eles destroem”.

 

Este artigo foi publicado originalmente no Mises Institute.

 

Recomendações de leitura:

A rebelde Velha Direita

Por que não sou conservador

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Liam McCollum

É estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Montana. Ele se interessa por política externa, fé e liberdade, e política monetária. Atualmente, é Aprendiz Mises e, anteriormente, foi Aprendiz Hazlitt na Foundation for Economic Education. Ele também participa do Partido Libertário de Montana, do Caucus Mises do Partido Libertário, e apresenta seu próprio podcast.

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