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Filosofia

O grande Carl Menger

21/05/2025

O grande Carl Menger

“Não pode haver dúvida entre os historiadores competentes de que, se (...) a Escola Austríaca ocupou uma posição quase única no desenvolvimento da ciência econômica, isso se deve inteiramente aos fundamentos lançados por esse único homem (...). Suas ideias fundamentais pertencem total e completamente a [?] (...). O que é comum aos membros da Escola Austríaca, o que constitui sua peculiaridade e forneceu as bases para suas contribuições posteriores é a aceitação do ensino de [?]” - F. A. Hayek.

Sobre quem Hayek estava escrevendo?

Carl Menger, é claro. Menger (1840–1921), professor da Universidade de Viena, foi o fundador da Escola Austríaca de Economia, com sua obra pioneira Princípios de Economia, publicada em 1871 (que só foi traduzida para o inglês em 1950). Ele é conhecido por ter sido um dos três economistas que, de forma independente e quase simultânea, colocaram a economia em uma nova direção radical: a teoria da utilidade marginal. Daí o termo "revolução marginalista" na economia.

Essa foi uma reformulação radical da teoria do valor e do preço. “O valor dos bens surge da sua relação com as nossas necessidades, e não é algo inerente aos próprios bens. Com mudanças nessa relação, o valor aparece e desaparece...”, escreveu Menger. “Trata-se de um julgamento feito por indivíduos que buscam economizar recursos, sobre a importância dos bens que têm à disposição para a manutenção de suas vidas e bem-estar”. Menger não era um filósofo moral, mas sim um economista, interessado em explicar como a ação humana gera fenômenos de mercado como os preços.

Enquanto os economistas clássicos pensavam em termos de categorias inteiras de bens e seguiam a teoria do valor-trabalho, ou do custo de produção, os teóricos da utilidade marginal focavam em como os indivíduos agem para satisfazer seus desejos. Uma pessoa faz escolhas e necessariamente estabelece prioridades entre unidades específicas de bens - um litro de leite, uma dúzia de ovos, um quilo de carne moída - de acordo com suas circunstâncias particulares: suas preferências, objetivos, aspirações, gostos e desgostos. Ela não se preocupa com quanto trabalho ou material foi necessário para produzir um item. O que importa é o quanto aquele item contribui para os seus fins prioritários. Quanto mais unidades de um bem ela possui, menos valor tem cada unidade adicional, pois estaria disposta a abrir mão do objetivo menos importante caso perdesse uma unidade. Essa é a chamada lei da utilidade marginal decrescente. No fim das contas, são os consumidores que atribuem valor aos bens específicos, e é isso que confere valor aos fatores de produção, e não o contrário. Os meios só têm valor por conta dos fins que ajudam a alcançar. Menger destacou essa mudança de direção no fluxo de valor.

Nesse sentido, o valor é subjetivo; é uma relação entre um avaliador (o sujeito ou ator) e algo que ele acredita que aumentará seu bem-estar. Uma pessoa pode errar sobre se um bem afetará seu bem-estar, mas, desde que espere se beneficiar, ela o valorizará e o buscará. Isso influenciará o mercado de alguma forma. (Portanto, o compromisso com o subjetivismo na análise econômica não nos compromete com o subjetivismo na filosofia).

Como as circunstâncias pessoais variam muito, o mesmo acontece com a avaliação relativa dos bens pelos indivíduos, criando possíveis ganhos mútuos com o comércio. Em outras palavras, as pessoas trocam valores desiguais de acordo com seus pontos de vista, ao contrário do que pensavam os economistas clássicos.

Apesar de seu plano ambicioso, Menger não chegou a desenvolver completamente sua nova abordagem — mas foi ele quem deu o pontapé inicial. Essa iniciativa foi levada adiante por seus herdeiros intelectuais, como Eugen von Böhm-Bawerk; Ludwig von Mises; F. A. Hayek, que recebeu o Prêmio Nobel em 1974; Murray Rothbard; Israel Kirzner; entre muitos outros economistas das gerações seguintes, tantos que seria impossível listar todos aqui. (Para saber mais sobre as contribuições de Menger, veja o artigo de David Henderson, Carl Menger, e Marginalism, de Steven Rhoads. Também vale conferir o prefácio de Peter Klein no livro de Menger mencionado acima.)

Ultimamente, o que tenho achado especialmente interessante em Menger é seu comentário sobre Adam Smith e o tema pelo qual Smith se tornou tão conhecido: a divisão do trabalho. Cito um trecho dos Princípios de Menger:

“‘A maior melhoria nas capacidades produtivas do trabalho’, diz Adam Smith, ‘e a maior parte da habilidade, destreza e discernimento com que ele é dirigido ou aplicado em qualquer lugar, parecem ter sido resultado da divisão do trabalho.’ E ainda: ‘É a grande multiplicação das produções de todas as diferentes artes, consequência da divisão do trabalho, que gera, em uma sociedade bem governada, aquela opulência universal que se estende até as camadas mais baixas da população.’

"Dessa forma, Adam Smith colocou a progressiva divisão do trabalho como o fator central no progresso econômico da humanidade, em coerência com a enorme importância que ele atribui ao trabalho como elemento fundamental da economia humana. No entanto, acredito que o ilustre autor que acabo de citar iluminou, em seu capítulo sobre a divisão do trabalho, apenas uma das causas do progresso do bem-estar humano, enquanto outras causas, não menos eficazes, passaram despercebidas por ele.”

O que passou despercebido por Smith? — você pergunta. Em resposta, Menger descreveu uma economia primitiva que já colhia os benefícios de dividir e especializar as diversas tarefas trabalhosas. Sem dúvida, as pessoas nessa economia estariam em melhor situação do que estariam de outro modo. Mas:

“Vamos agora perguntar se uma divisão do trabalho levada a esse ponto teria, de fato, o efeito de aumentar a quantidade de bens de consumo disponíveis para os membros da tribo, tal como Adam Smith considerava ser a consequência natural da progressiva divisão do trabalho. Evidentemente, como resultado dessa mudança, essa tribo (ou qualquer outro povo) alcançaria o mesmo resultado com menos esforço, ou um resultado maior com o mesmo esforço que antes. Assim, melhoraria sua condição, na medida do possível, por meio de uma alocação mais adequada e eficiente das tarefas profissionais. No entanto, essa melhoria é bem diferente daquela que observamos em casos reais de povos em progresso econômico.”

Aqui, Menger afirma que a mera divisão do trabalho leva um grupo apenas até certo ponto, mas que o progresso resultante disso fica aquém do que observamos no mundo real. O que ele quer dizer com isso?

“Vamos comparar esse caso com outro. Suponha um povo que expanda sua atenção para bens de terceira, quarta ou ordens ainda superiores, em vez de limitar sua atividade apenas às tarefas típicas de uma economia primitiva de coleta, ou seja, à obtenção de bens naturalmente disponíveis de ordem mais baixa (normalmente bens de primeira e, talvez, segunda ordem). Se esse povo passar a direcionar progressivamente bens de ordens superiores para a satisfação de suas necessidades - e, especialmente, se cada etapa nesse processo vier acompanhada de uma divisão do trabalho adequada - então certamente veremos aquele progresso no bem-estar que Adam Smith atribuía exclusivamente à divisão do trabalho.

"Veremos o caçador, que no início perseguia sua presa com um porrete, passar a caçar com arco e rede, depois a praticar a criação de animais de forma rudimentar, e, com o tempo, a desenvolver formas cada vez mais intensivas de pecuária. Veremos pessoas que antes se alimentavam apenas de plantas silvestres adotarem formas progressivamente mais avançadas de agricultura. Veremos surgir as manufaturas, e seu aprimoramento com o uso de ferramentas e máquinas. E, em estreita conexão com esses avanços, veremos o bem-estar desse povo crescer.”

Por “bens de terceira, quarta e ordens superiores”, Menger estava se referindo, é claro, aos bens de produção, ou bens de capital, ou seja, produtos intermediários fabricados pelo ser humano com o objetivo de gerar outros bens, mais próximos do consumo final. Ferramentas, equipamentos e máquinas multiplicam a produtividade do trabalho muitas vezes. Sem esses meios, a produção humana é extremamente limitada, mesmo com divisão do trabalho. É isso que compõe a chamada estrutura complexa de produção de Menger, cujos estágios são classificados de acordo com a distância, em termos de tempo, até o produto final estar disponível ao consumidor.

O tempo (que implica risco) aparece aqui como elemento fundamental. Quanto mais elevado o nível do bem, mais longo é o período necessário até que o bem final esteja pronto para ser vendido ao consumidor. “Assim”, escreveu Menger, “no processo de transformação em que os bens de ordens superiores vão sendo convertidos, passo a passo, em bens de primeira ordem - até que estes finalmente resultem naquilo que chamamos de satisfação das necessidades humanas - o tempo é uma característica essencial das nossas observações.” Radical.

“Quanto mais a humanidade avança nessa direção, mais variados se tornam os tipos de bens, mais diversas se tornam, consequentemente, as ocupações, e mais necessária e vantajosa se torna também a divisão progressiva do trabalho. Mas é evidente que o aumento dos bens de consumo à disposição das pessoas não é um efeito exclusivo da divisão do trabalho. Na verdade, a divisão do trabalho nem sequer pode ser considerada a principal causa do progresso econômico da humanidade. O mais correto é vê-la apenas como um entre os vários fatores que contribuem para conduzir a humanidade da barbárie e da miséria à civilização e à prosperidade…”

A Escola Austríaca, assim, teve início com a observação de Menger de que Adam Smith — amplamente considerado o pai da economia — deixou passar “a causa mais importante do progresso econômico da humanidade.” Foi preciso confiança para afirmar algo assim.

“Na sua forma mais primitiva, uma economia de coleta se limita a reunir os bens de ordem mais baixa que a natureza oferece espontaneamente. Como os indivíduos que agem economicamente não exercem influência sobre a produção desses bens, sua origem é independente dos desejos e necessidades humanas e, portanto, do ponto de vista dessas pessoas, é algo puramente acidental.”

As pessoas em tal condição são fundamentalmente passivas em relação ao seu ambiente. Um padrão de vida baixo não deveria surpreender ninguém.

“Mas, se os homens abandonarem essa forma mais primitiva de economia, investigarem as formas pelas quais os elementos podem ser combinados em um processo causal para a produção de bens de consumo, se apropriarem dos elementos que podem ser assim combinados e os tratarem como bens de ordem superior, então passarão a obter bens de consumo que são tão verdadeiramente produtos de processos naturais quanto os bens obtidos em uma economia de coleta primitiva. A diferença é que, nesse novo contexto, a quantidade disponível desses bens deixará de ser independente dos desejos e das necessidades humanas.

“Em vez disso, as quantidades de bens de consumo passarão a ser determinadas por um processo que está sob o controle humano e é orientado por seus propósitos, dentro dos limites impostos pelas leis naturais. Os bens de consumo, que antes eram frutos de uma coincidência acidental das circunstâncias de sua origem, tornam-se produtos da vontade humana, sempre dentro dos limites estabelecidos pelas leis naturais, a partir do momento em que os homens passam a reconhecer essas circunstâncias e a exercer controle sobre elas.”

Os seres humanos deixaram de ser passivos e passaram a agir ativamente para satisfazer suas necessidades. Esse foi um ponto de virada na história.

“As quantidades de bens de consumo disponíveis para as pessoas são limitadas apenas pelo grau de conhecimento humano sobre as conexões causais entre as coisas e pelo nível de controle que conseguimos exercer sobre elas. O aumento da compreensão dessas relações causais e o avanço no domínio das condições menos imediatas que afetam o bem-estar humano conduziram a humanidade de um estado de barbárie e miséria extrema ao estágio atual de civilização e prosperidade. Transformaram vastas regiões, antes habitadas por poucos homens miseráveis e extremamente pobres, em países densamente povoados e civilizados. Nada é mais certo do que o fato de que o grau de progresso econômico da humanidade, nas épocas futuras, será proporcional ao avanço do conhecimento humano.”

Se ao menos ele pudesse ver o que a razão, a acumulação de capital, a divisão do trabalho e o comércio foram capazes de realizar! A lição que devemos tirar de Menger é clara: todas as ações do governo que dificultam a formação de capital e a livre troca, como tarifas alfandegárias, só para citar um exemplo, sabotam o bem-estar humano.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Libertarian Institute.

 

Recomendações de Leitura

Menger, o Revolucionário

Os insights evolutivos vitais negligenciados de Carl Menger

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Sheldon Richman

Vice presidente da The Future of Freedom Foundation e editor da revista mensal Future of Freedom.Durante 15 anos foi o editor da The Freeman

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