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Economia

Resenha: “Como entender a mecânica do dinheiro”

02/05/2025

Resenha: “Como entender a mecânica do dinheiro”

Nota da edição:

Este artigo é uma resenha do livro Understanding Money Mechanics do professor Robert P. Murphy publicado pelo Mises Institute em 2021.

Nas próximas semanas, vamos publicar seções traduzidas do livro no site do Instituto Mises Brasil, com o objetivo de trazer ao nosso público a oportunidade de acessar o rico conteúdo sobre teoria monetária produzido por Bob Murphy.

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Robert Murphy tem como objetivo oferecer ao “leitor inteligente, mas leigo, uma visão concisa, porém abrangente, da teoria, da história e da prática do dinheiro e do sistema bancário, com foco nos Estados Unidos” (p. 9), e ele de fato consegue cumprir esse objetivo. No entanto, não pretendo aqui me concentrar nesse panorama geral. Ao longo de sua “apresentação neutra” do tema, Murphy faz diversas observações valiosas sobre a teoria austríaca e a economia americana, destacando-se constantemente por seu imenso talento para analogias esclarecedoras. A seguir, procurarei explicar alguns desses pontos.

Os apelos para “acabar com o Fed” vêm acontecendo há muito tempo, e muitos de nós apoiamos com entusiasmo Ron Paul em sua luta contra o controle federal sobre nosso sistema monetário; porém, segundo Murphy, nos últimos anos a ameaça representada pelo Fed se agravou. O banco central americano deixou de se limitar a estabelecer o arcabouço monetário da economia e passou a escolher empresas específicas nas quais investir. Ao decidir quem serão os vencedores e os perdedores nesse processo, o Fed usurpa um poder que não lhe foi concedido. Como afirma Murphy:

“Para evitar a tentação óbvia da corrupção, a legislação que autorizou o Federal Reserve impôs limites ao que o banco central dos EUA poderia comprar. Afinal, se os administradores do Federal Reserve de Nova York [responsáveis pelas aquisições de ativos] pudessem criar dinheiro eletronicamente para comprar ações específicas de empresas de Wall Street, haveria enormes oportunidades de abuso (…). Na prática, o Fed emprestou dinheiro a Sociedades de Responsabilidade Limitada (LLCs) recém-criadas, chamadas “Maiden Lane” - uma referência à rua localizada no distrito financeiro de Nova York - que então usavam os recursos emprestados pelo Fed para adquirir os ativos desejados” (p. 90).

Em sua discussão sobre a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), Murphy chama a atenção para algo que raramente é enfatizado por outros autores. Conforme frequentemente apresentada, a teoria descreve que o ciclo começa quando o banco central expande o crédito bancário, o que leva à queda da taxa de juros dos empréstimos e, consequentemente, à criação de um boom artificial. O banco central só consegue fazer isso quando pelo menos uma parte muito substancial da oferta monetária é composta por moeda fiduciária, ou seja, dinheiro que não possui lastro em uma commodity como o ouro. Por esse motivo, dizem os críticos da TACE, a teoria não poderia explicar os ciclos econômicos que ocorreram antes do surgimento dos bancos centrais modernos.

Mas Murphy discorda, e apresenta duas razões para isso. Primeiro: “A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos não se baseia na existência de moeda fiduciária. Na verdade, Ludwig von Mises desenvolveu sua explicação do ciclo de expansão e retração numa época em que ele sequer acreditava que moeda fiduciária já tivesse sido usada. Assim, está claro que a teoria misesiana das recessões não está diretamente ligada ao abandono do padrão-ouro e, portanto, não há problema algum para os austríacos explicarem as depressões (ou ‘pânicos’) que ocorreram na era do padrão-ouro clássico” (p. 105).

Segundo, a TACE não depende da existência de um banco central, mas sim da prática da reserva fracionária no sistema bancário:

“Mas não há dúvida de que a teoria dos ciclos econômicos de Mises se baseia na capacidade dos bancos comerciais privados de criar dinheiro por meio da concessão de novos empréstimos utilizando depósitos que os depositantes ainda acreditam estar disponíveis em suas contas correntes. É verdade que os bancos centrais podem influenciar essas práticas dos bancos comerciais de maneira prejudicial, mas a teoria misesiana não trata dos bancos centrais (ou da moeda fiduciária) em si… quando os admiradores modernos de Mises falam sobre o ciclo econômico, devem tomar cuidado para não afirmar que ele necessariamente começa com um banco central injetando nova moeda fiduciária na economia” (p. 107).

Murphy prossegue explicando por que os booms não podem ser sustentados permanentemente: os recursos físicos necessários não estão disponíveis para concluir todos os investimentos provocados pela queda artificial da taxa de juros decorrente da expansão do crédito bancário.

“Imagine um construtor trabalhando em uma casa. Achando que tem certa quantidade de materiais - tijolos, madeira, vidro, telhas, etc. - à sua disposição, ele elabora plantas e distribui tarefas entre trabalhadores qualificados e não qualificados. Mas suponha que o construtor tenha superestimado a quantidade de tijolos que possuía originalmente. Nesse caso, a casa desenhada em suas plantas seria fisicamente inviável. No momento em que percebesse seu erro, ou seja, quando se desse conta de que seu estoque real de tijolos era menor do que o necessário para seguir com o plano, sua reação imediata seria falar para todo mundo no canteiro de obras para parar a construção” (pp. 110-111).

Os keynesianos têm uma objeção bem conhecida ao argumento do mestre de obras. Eles afirmam que esse argumento parte do pressuposto de que os recursos estão plenamente empregados. Se não estiverem, o boom poderia ser sustentado, pois a expansão do crédito traria recursos ociosos para a produção. Como era de se esperar, Murphy não é convencido por essa explicação. Os keynesianos, segundo ele, não oferecem uma explicação para a existência dessa capacidade ociosa. Em contraste, “de acordo com a teoria dos ciclos econômicos de Mises, a existência de ‘capacidade ociosa’ na economia não cai do céu, mas é resultado de investimentos mal direcionados durante o boom anterior” (p. 194).

Ele também observa que a visão keynesiana não se sustenta diante dos fatos históricos. “Empiricamente, notamos que, durante os anos 1930, governos e bancos centrais ao redor do mundo adotaram as políticas mais keynesianas já vistas até então (...). O Federal Reserve, no início dos anos 1930, expandiu a base monetária e reduziu as taxas de juros para níveis recordes à época” (pp. 163-164). Essas políticas fracassaram em restaurar a prosperidade. Isso não falsificaria a teoria keynesiana? Keynes nunca afirmou que sua teoria era uma verdade a priori, portanto não seria uma boa resposta para os keynesianos retrocederem em face do fracasso da validade lógica de sua teoria.

Eles, no entanto, têm outra resposta. Alegam que o governo não gastou o suficiente, e que esse foi o motivo da Grande Depressão ter se estendido ao longo de toda a década de 1930. Murphy então faz uma pergunta devastadora:

“Se a explicação keynesiana fundamental para a Grande Depressão é que os governos foram tímidos demais em relação aos gastos deficitários, então por que a Grande Depressão não ocorreu antes, quando todo mundo admite que os governos faziam ainda menos durante as crises financeiras? Não, uma explicação muito mais sensata para os registros históricos está bem diante dos nossos olhos: as depressões (ou “pânicos”) do século XIX e do início do século XX seguiram o curso previsto pela teoria desenvolvida por Ludwig von Mises. E durante essas crises, os governos em grande parte se mantiveram afastados, e foi por isso que a economia se recuperou” (p. 164).

Os keynesianos não são os únicos economistas que se opõem à TACE, e Murphy analisa diversas abordagens concorrentes. Em seus comentários sobre o argumento de Scott Sumner, de que a política monetária do Fed deve ser avaliada com base em se a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto nominal (PIB nominal) aumentou na medida que ele considera apropriada, Murphy demonstra o talento para analogias precisas que mencionei no início desta resenha. Ele afirma que, como “o Fed permitiu que o crescimento do PIB nominal (NGDP) colapsasse (eventualmente), Sumner argumenta que, por definição, isso constitui uma política monetária ‘contracionista’” (p. 174). Murphy contesta essa definição, dizendo que ela torna impossível demonstrar que as recomendações de política econômica de Sumner estão erradas.

“Considere uma analogia médica: suponha que um paciente esteja com febre, com a temperatura marcando 39,4ºC. Um grupo de médicos recomenda injetar no paciente a substância M, com o objetivo de curar a febre (…). Agora imagine que os médicos que acreditam que a substância M é um medicamento eficaz queiram definir o ‘tratamento com M’ com base na própria febre. Ou seja, mesmo após terem injetado quantidades sem precedentes da substância M no paciente, se a febre permanecesse igual ou aumentasse, os médicos simplesmente declarassem: ‘Nós deixamos o paciente mais doente com nossa mudança para restringir o tratamento com M.’ Isso seria algo orwelliano e, obviamente, tornaria praticamente impossível descobrir se o paciente precisa de mais ou menos da substância M” (pp. 174-175).

Murphy também não tem paciência com a Teoria Monetária Moderna (MMT), e encerro com seu comentário sobre uma das ideias centrais dessa escola: a noção, compartilhada pela maioria de seus adeptos, de que o dinheiro não surgiu como uma mercadoria, mas sim por meio da declaração do governo de que os impostos deveriam ser pagos em uma nova unidade monetária. “O único problema [com essa teoria] é que ela é demonstravelmente falsa (…). A explicação da MMT sobre a origem do dinheiro não se aplica ao dólar, ao euro, ao iene, à libra (…). Pensando bem, não acredito que a explicação da MMT se aplique sequer a uma única moeda emitida por um soberano monetário” (p. 200).

Understanding Money Mechanics é um livro excepcional, e seus leitores certamente se beneficiarão muito das percepções de seu talentoso e erudito autor.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

 

Recomendações de Leitura:

Keynesianos, a crise financeira, sushis e a importância da teoria do capital

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos: Uma Breve Explanação

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

David Gordon

É membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre economia, política, filosofia e direito para o periódico The Mises Review, publicado desde 1995 pelo Mises Institute.

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