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Economia

O sistema monetário internacional precisa urgentemente de reforma

O ponto de virada foi alcançado

25/04/2025

O sistema monetário internacional precisa urgentemente de reforma

O ponto de virada foi alcançado

Nota do editor:

O artigo a seguir apresenta um resumo expandido do artigo recém-publicado pelo professor Antony P. Mueller em coautoria com Samuel Vaz-Curado e Lucas Trindade: Could Bitcoin or other cryptocurrencies become the new international monetary reference after a demise of the dollar or should it be gold again? [“O Bitcoin ou outras criptomoedas podem se tornar a nova referência monetária internacional após o fim do dólar ou deveria ser o ouro novamente?”, em tradução livre].

Você encontra o artigo completo para gratuito aqui.

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O fato de que o sistema monetário mundial precisa ser reformado não é novo, mas existe há décadas. Mas, assim como eles falharam em estabelecer uma nova ordem de paz global após o fim da União Soviética, eles também não estabeleceram uma nova ordem monetária. Agora a crise está aqui e os políticos estão em pânico com o risco de mergulhar o mundo inteiro em uma nova depressão.

 

Como surgiu a situação atual?

Após a Segunda Guerra Mundial, uma nova ordem monetária global foi criada com o chamado sistema de Bretton Woods. O foco estava no dólar americano, que estava firmemente atrelado ao preço do ouro: uma onça troy de ouro equivalia a 35 dólares. Os outros países, por sua vez, atrelaram suas moedas ao dólar. Essa estrutura tinha como objetivo evitar flutuações cambiais e criar uma estrutura estável para o comércio global.

O sistema funcionou bem no início. O dólar era considerado tão confiável quanto o ouro. Os países com superávits comerciais – ou seja, aqueles que exportavam mais do que importavam – puderam trocar suas reservas excedentes em dólares por ouro. As reservas de ouro da Alemanha, grande parte das quais ainda estão armazenadas nos EUA, datam dessa época.

Para os EUA, o sistema de Bretton Woods era uma enorme vantagem, um "privilégio exorbitante". O país foi capaz de criar dinheiro em grande escala – e o fez: para financiar seu estado de bem-estar social e para atividades militares em todo o mundo. Como resultado, a discrepância entre a quantidade de dólares em circulação e as reservas reais de ouro cresceu. Inicialmente, ainda havia uma "escassez de dólares", mas no final dos anos 1960 havia o chamado "excesso de dólares" – e inflação.

O sistema de Bretton Woods tornou-se cada vez mais instável. Os ajustes da taxa de câmbio – originalmente planejados como uma exceção – tornaram-se um problema contínuo. Os especuladores aproveitaram a valorização previsível de moedas como o marco alemão ou o iene japonês para obter lucros fáceis. Eles contraíram empréstimos em dólar, trocaram por moedas estáveis e se beneficiaram de ajustes cambiais – quase sem risco.

Ao mesmo tempo, os bancos centrais dos países envolvidos no sistema de Bretton Woods foram confrontados com um dilema: se, por exemplo, o Deutsche Bundesbank quisesse manter o marco estável, não conseguiu, porque teve de comprar grandes quantidades de dólares americanos para manter a taxa de câmbio. Isso expandiu sua própria oferta monetária e alimentou a inflação em casa. A tentativa de contrariar isso aumentando as taxas de juros só teria exacerbado o problema: ainda mais capital especulativo teria fluído para o país.

Em 1971, o "Acordo Smithsonian" tentou salvar o sistema desvalorizando o dólar. Mas a confiança se foi. Em 1973, os países desistiram de suas taxas de câmbio fixas – o fim de Bretton Woods foi oficial.

No entanto, o dólar americano continuou sendo a principal moeda mundial. Especialmente nas décadas de 1980 e 1990, a moeda americana experimentou novos patamares - apoiada pelo domínio militar e econômico dos Estados Unidos. Mas, a longo prazo, surge um quadro diferente: a base do domínio do dólar começou a se desgastar.

Na década de 1990, a política monetária dos Estados Unidos estava cada vez mais ligada a ambições geopolíticas. Os políticos neoconservadores viam como tarefa dos EUA liderar o mundo no século XXI. Mas as condições mudaram. Ao contrário das duas guerras mundiais, desta vez o resto do mundo não estava destruído, mas estava em ascensão. A base industrial dos EUA estava enfraquecida e o país estava cada vez mais orientado para o consumo e o endividamento.

No entanto, os EUA continuaram a se beneficiar do "privilégio do dólar": podiam comprar em todo o mundo sem ter que entregar exportações equivalentes. Nenhum outro país pode se dar ao luxo disso. Mas essa vantagem é enganosa. Embora permita a prosperidade de curto prazo, no longo prazo leva à desindustrialização, gastos excessivos do governo e crescente dependência de países estrangeiros.

O sistema monetário internacional atualmente não é estável nem sustentável. Baseia-se num desequilíbrio cada vez mais difícil de manter. A crescente lacuna entre o desempenho econômico real dos EUA e seu papel geopolítico torna a reforma inevitável.

A política monetária não é politicamente neutra – é política de poder. É uma parte essencial da estratégia geopolítica. Mas os sistemas baseados no poder em vez da solidez econômica não são sustentáveis no longo prazo. Um sistema monetário global sustentável deve mais uma vez depender de regras claras, bases sólidas e participação justa.

Ainda não está claro qual papel moedas como dólar, euro, iene ou yuan desempenharão nisso. Seria melhor afastar-se completamente desse dinheiro sem âncora, que está subordinado às autoridades políticas e pode ser produzido de forma mais ou menos arbitrária – e, portanto, favorece inerentemente a inflação de preços.

Apesar das profundas mudanças estruturais provocadas pelo fim da União Soviética e pela ascensão econômica da China, os Estados Unidos continuaram a esticar demais seu privilégio de ser o emissor da principal moeda de reserva internacional. Os EUA são hoje o maior país devedor do mundo, o que levanta dúvidas sobre sua estabilidade financeira. Além disso, sanções políticas contra outros países – como a exclusão da Rússia do sistema internacional de pagamentos SWIFT – abalaram a confiança na neutralidade e confiabilidade do dólar americano como moeda mundial.

Os debates regularmente inflamados sobre o teto da dívida americana e o aumento da inflação também lançam uma sombra sobre o futuro do sistema do dólar. Cada vez mais países e atores estão, portanto, procurando alternativas. Mas ainda não está claro o que poderia substituir o dólar americano.

 

Pode o Bitcoin, ou outras criptomoedas, se tornar a nova referência monetária global? Pode o ouro também desempenhar um papel nisso?

Uma moeda cumpre três tarefas centrais: serve como meio de troca, como unidade de conta e como reserva de valor. Para que a atividade econômica seja planejada e controlada de forma confiável, o dinheiro deve ser estável, previsível e líquido – ou seja, deve poder ser trocado por bens e serviços a qualquer momento, reter seu valor ao longo do tempo e ser adequado para a formação de preços.

Moedas tradicionais como o dólar ou o euro – as chamadas moedas fiduciárias – atendem cada vez menos a esses requisitos. A expansão maciça da oferta monetária pelos bancos centrais levou a uma perda de confiança em todo o mundo. A inflação, a perda de poder de compra e a crescente dependência das decisões políticas põem em xeque a função destas moedas.

Os perigos da intervenção estatal no sistema monetário são óbvios. O excesso de empréstimos conduz a uma recuperação econômica a curto prazo, mas, a longo prazo, a desenvolvimentos indesejáveis. Os investimentos são feitos em áreas improdutivas que devem ser corrigidas posteriormente. As consequências são recessões e crises – sintomas de um ciclo de crédito sobrecarregado causado por intervenções de política monetária.

O atual sistema de reservas fracionárias, no qual os bancos realmente detêm apenas uma fração dos depósitos como reservas, torna o sistema monetário inerentemente instável. Ele permite que não apenas os bancos centrais criem dinheiro "do nada", mas também os bancos comerciais. Eles podem emprestar mais dinheiro do que têm como reservas. Este sistema aumenta o risco de crises bancárias e torna o sistema financeiro pouco transparente e vulnerável a crises financeiras.

Uma moeda estável é fundamental para o planejamento dos atores econômicos, como empresários e consumidores. Quando o poder de compra do dinheiro flutua, torna-se difícil tomar decisões de investimento de longo prazo e usar os recursos de forma eficiente. A inflação interrompe a formação de preços – e, portanto, o sinal mais importante para a oferta e a demanda na economia de mercado.

Nesse contexto, as moedas digitais descentralizadas ganham importância. O Bitcoin é um exemplo: não requer uma autoridade central, tem uma oferta monetária limitada e é baseado em tecnologia blockchain transparente e à prova de falsificação. Essas características o tornam atraente para muitos como reserva de valor e sistema de pagamento. Alguns já veem o Bitcoin como uma nova forma de ouro digital. Ao contrário das moedas tradicionais, não há expansão arbitrária da oferta monetária – o algoritmo é fixo e transparente. Em um momento em que muitas pessoas desconfiam do sistema bancário tradicional, uma moeda que não pode ser manipulada parece ser uma alternativa promissora.

O sistema monetário internacional está em um ponto de inflexão. A perda de confiança nas moedas fiduciárias tradicionais e a intervenção política nos sistemas monetários estão aumentando a pressão para encontrar novas soluções. As criptomoedas podem desempenhar um papel maior no futuro – como proteção contra a inflação, como meio independente de transação e como moeda de reserva internacional.

Ainda é incerto qual o papel que o ouro pode desempenhar a longo prazo. O que está claro, no entanto, é que um sistema monetário estável e transparente que seja protegido contra manipulação é o pré-requisito para o progresso econômico sustentável.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Freiheitsfunken.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Antony Mueller

É doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

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