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Economia

Cuidado! A moeda digital do Banco Central Europeu está chegando

14/04/2025

Cuidado! A moeda digital do Banco Central Europeu está chegando

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), anunciou que o euro digital estará pronto em outubro de 2025.

No entanto, ela ressaltou a importância de avançar com o processo legislativo que viabilize sua implementação, pressionando a Comissão Europeia, o Conselho Europeu e os parlamentos dos Estados-membros a acelerarem a aprovação das leis e diretrizes necessárias para tornar o euro digital uma realidade.

Mas por que tanta pressa? As perdas do BCE chegaram a 7,8 bilhões de euros, e a autoridade monetária europeia registrou o segundo prejuízo consecutivo, enquanto os títulos soberanos na Europa voltaram a cair nos dois primeiros meses de 2025. O BCE enxerga no euro digital uma saída para tentar reverter os efeitos de uma década de políticas econômicas fracassadas.

Outro motivo é a perda de confiança nas decisões do BCE: os títulos soberanos deixaram de ser considerados ativos de reserva e as expectativas de inflação estão em alta. A corrida para impor o euro digital também coincide com o anúncio de grandes planos de gastos, endividamento e investimentos em defesa por parte dos países membros. Nesse contexto, o euro digital é visto como uma ferramenta essencial para impor o uso do euro como moeda, ampliar o controle sobre os cidadãos e mascarar desequilíbrios fiscais — tudo isso por meio de um instrumento arriscado, emitido por uma instituição monetária que perdeu grande parte de sua credibilidade nos últimos cinco anos.

Lembre-se de que o mandato principal do BCE é a estabilidade de preços, mas a inflação na zona do euro ultrapassou 22% nos últimos quatro anos. Ao mesmo tempo, o índice de títulos soberanos europeus caiu 14% desde 2022.

Existe ainda outro motivo importante para a pressa em lançar o euro digital. Bancos centrais de outros países e grandes gestoras de investimento estão preocupados com a possibilidade de os estados europeus confiscarem os ativos do banco central da Rússia - o que criaria um precedente perigoso, capaz de afetar também os ativos de outras nações fora da Europa. Diante desse risco, fundos estrangeiros temem a apreensão de seus recursos e podem retirar seu capital do sistema financeiro europeu. O euro digital, nesse cenário, poderia ser usado como um instrumento para impor o uso da moeda, mesmo com a queda da demanda.

O euro digital, que Lagarde descreveu em 2022 como “uma cédula digital com um pouco menos de anonimato do que a cédula em papel, por ser emitida e garantida pelo banco central”, é um instrumento desnecessário e perigoso.

As moedas digitais de bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês) têm ganhado destaque como a tecnologia do futuro para os sistemas monetários. No entanto, por trás da promessa de eficiência e inovação, há uma realidade mais preocupante: essas moedas podem se tornar ferramentas de vigilância, enfraquecendo a privacidade pessoal e a liberdade financeira.

Na União Europeia - onde já existem preocupações sobre restrições à liberdade de expressão e até mesmo o cancelamento de eleições -, uma CBDC pode ser percebida como um sistema de monitoramento disfarçado de moeda.

As CBDCs não são apenas versões digitais das moedas que já usamos, elas são emitidas diretamente para contas mantidas nos próprios bancos centrais, o que permite um nível de vigilância sem precedentes sobre as transações financeiras. Essa emissão direta significa que os bancos centrais podem monitorar todas as movimentações: hábitos de consumo, poupança e até dívidas. Dá para comparar esse sistema a ter um policial dentro da sua cozinha, o que ilustra bem o quão invasiva pode ser essa tecnologia.

A gestão centralizada dos dados financeiros através das CBDCs levanta sérias preocupações com relação à privacidade. Os defensores desse modelo argumentam que ele pode aprimorar os processos de "conheça seu cliente" (KYC, Know Your Client, na sigla em inglês) e combate à lavagem de dinheiro (AML, Anti-Money Laundering, na sigla em inglês). No entanto, essas medidas já podem ser plenamente executadas com o dinheiro eletrônico atual, sem a necessidade de criar uma moeda digital estatal. Além disso, se o BCE realmente quisesse impulsionar o avanço digital, incentivaria a concorrência, em vez de eliminá-la. O exemplo do yuan digital da China é bastante ilustrativo: avanços tecnológicos acompanhados por um controle estatal ainda mais rígido e um poder de vigilância ampliado. Quando os líderes da União Europeia constantemente usam o pretexto da desinformação e da interferência externa para justificar restrições às liberdades individuais, uma moeda digital pode se tornar uma ferramenta extremamente perigosa para o controle da sociedade.

Além da vigilância, a CBDC também oferece ao banco central a capacidade de controlar e manipular o comportamento financeiro. Ao influenciar diretamente os padrões de gastos, os bancos centrais poderiam impor penalidades aos indivíduos por transações consideradas inadequadas pelos políticos e, ao mesmo tempo, recompensar aqueles que se curvarem. Portanto, os bancos centrais poderiam penalizar gastos excessivos em compras com uso intensivo de carbono ou poupança excessiva. Esse nível de controle prejudica os princípios de liberdade financeira e privacidade, transformando as CBDCs em instrumentos de repressão financeira em vez de ferramentas de eficiência econômica.

A introdução de uma CBDC em um momento em que os estados europeus estão anunciando centenas de bilhões de gastos e dívidas adicionais também apresenta riscos econômicos significativos. Ao contornar os canais bancários tradicionais, as CBDCs poderiam levar a um crescimento descontrolado da oferta de moeda, exacerbando as pressões inflacionárias. A experiência de 2020, quando uma oferta monetária excessiva provocou uma inflação rápida, valida essas preocupações.

Os defensores das CBDCs argumentam que elas podem ajudar a combater os crimes financeiros, proporcionando maior rastreabilidade e transparência por meio da tecnologia de registro distribuído, mas isso não exige uma moeda digital do banco central. Ela já está disponível no atual sistema de moeda eletrônica com bancos comerciais independentes.

As CBDCs são vendidas como soluções inovadoras e eficientes, mas representam uma forma de vigilância disfarçada de moeda, oferecendo aos bancos centrais um controle sem precedentes sobre as transações financeiras pessoais.

O Banco Central Europeu não quer acelerar a implementação do euro digital por causa da crescente demanda dos cidadãos, mas porque teme que seu status de emissor de moeda de reserva mundial possa evaporar e, portanto, precisa impor uma forma de controle por meio das finanças.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Daniel Lacalle

É Ph.D. em economia, gestor de fundos de investimentos, e autor dos livros Escape from the Central Bank Trap

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