Uma breve história das tarifas e das crises no mercado de ações
O aspecto mais importante, e globalmente mal compreendido, sobre as tarifas de importação é o seu impacto no mercado de ações. A história já demonstrou que tarifas podem provocar correções imediatas no mercado e destruir capital de investidores. Elas também acabam prejudicando os próprios fabricantes e consumidores americanos.
Embora as tarifas tenham como alvo empresas e governos estrangeiros, seus efeitos internos costumam ser muito mais significativos. Defensores de medidas protecionistas sobre aço, madeira, veículos elétricos e outros produtos não percebem que todos os que investem na bolsa de valores acabam sofrendo perdas por causa dessa política. Não são apenas os cerca de 60% dos americanos que possuem ações diretamente, muitas vezes por meio de planos de aposentadoria individuais ou 401(k); pensões sindicais e fundos de aposentadoria de professores também são afetados. O leve ganho com a proteção de preços para alguns setores é facilmente anulado pelos trilhões de dólares perdidos em valor de mercado nos principais índices e pela desorganização econômica interna.
Dependendo do economista ou analista, as estimativas sobre o impacto inflacionário das tarifas nas famílias americanas variam bastante. Há projeções que vão de algumas centenas de dólares por ano a mais de mil dólares. E a situação piora: uma vez que os EUA impõem tarifas, países estrangeiros frequentemente retaliam contra exportadores americanos, o que reduz ainda mais os lucros e o preço das ações. Em seguida, vêm a escassez de materiais e as demissões.
Os mercados reagem às tarifas. Três exemplos mostram como a história comprova esse erro.
Em 1928, Herbert Hoover fez uma campanha com uma plataforma protecionista para apoiar a agricultura americana. Como o movimento pró tarifas cresceu após sua eleição, muitos setores apoiaram o imposto. O projeto cresceu e passou a abranger um imposto em 25.000 produtos importados. Em outubro de 1929, espalharam-se rumores de que o projeto de lei tarifária poderia fracassar, o que foi prontamente descartado pelo senador Reed Smoot, de Utah.
O colapso do mercado de ações começou em 28 de outubro de 1929, quando se espalhou a notícia de que o projeto da Tarifa Smoot-Hawley se tornaria lei. A manchete do New York Times na primeira página dizia: “Líderes insistem que a tarifa será aprovada”. Embora o projeto só tenha sido oficialmente sancionado em junho de 1930, seus efeitos já eram sentidos oito meses antes. Os mercados reagiram de imediato, pois antecipam os lucros futuros. Muitos economistas culpam o padrão ouro pelo crash, mas essa análise ignora a natureza preditiva da mente humana, que é, na prática, o próprio mercado. O mercado não precisa esperar que os lucros realmente caiam para reagir a políticas iminentes que certamente trarão prejuízos. Por isso a queda foi tão rápida. O uso excessivo de alavancagem nos anos 1920 agravou ainda mais o crash. Houve chamadas de margem, o que provocou uma reação em cadeia e intensificou o colapso.
Depois que a tarifa virou lei, outros países responderam com retaliações. O setor agrícola foi um dos mais atingidos, já que os produtores americanos perderam competitividade para exportar suas colheitas. O presidente Hoover agravou a situação ao sancionar a Lei de Receita de 1932, aumentando impostos no auge do colapso econômico. Em 1934, o comércio global havia encolhido 66%, retornando aos níveis de 1905. A Grande Depressão se aprofundou, fomentando o nacionalismo econômico e abrindo espaço para a ascensão de radicais ao poder, o que culminou na Segunda Guerra Mundial. Confirmou-se o velho ditado: quando os produtos não cruzam as fronteiras, os exércitos o farão.
Muito tempo depois, já no início do novo século, os defensores do protecionismo ainda acreditavam que tarifas protegem empregos americanos. A história recente mostra o contrário. O presidente George W. Bush impôs tarifas sobre o aço em 20 de março de 2002. Segundo o Bureau of Labor Statistics, entre março de 2002 e março de 2003, o setor industrial perdeu 475 mil empregos, mais do que o total de postos existentes em toda a indústria do aço. Os fabricantes não conseguiram repassar o aumento dos preços do aço aos seus clientes, já que muitos contratos fixos em vigor impediam reajustes.
As tarifas também impactaram o desempenho do mercado de ações, embora esse fato muitas vezes passe despercebido por conta da atenção dada ao colapso das empresas “ponto com” nos dois anos anteriores. De março de 2002 a maio de 2003, com as tarifas em vigor, o índice S&P 500 perdeu US$ 2 trilhões em valor de mercado. O Dow Jones Industrial Average havia atingido seu pico pós-11 de setembro em 19 de março de 2002, chegando a 10.635,25 pontos. No dia seguinte, as tarifas sobre o aço entraram em vigor. As tarifas sobre madeira vieram em maio. O Dow só voltou a se recuperar totalmente depois que as tarifas sobre o aço foram suspensas, em 4 de dezembro de 2003. A administração Bush decidiu removê-las após saber que a União Europeia retaliaria. Caso isso tivesse ocorrido, o mercado acionário americano poderia ter enfrentado outra forte queda, como aconteceu em 1929.
Durante o governo Trump, o mercado de ações atingiu o pico em janeiro de 2018, quando o presidente Trump anunciou tarifas sobre a China. A China respondeu da mesma forma. Ele também impôs tarifas sobre as importações de aço e alumínio de todo o mundo, incluindo México, Canadá e União Europeia. A madeira serrada canadense também recebeu uma tarifa, resultando em preços domésticos mais altos. O mercado recuou e não atingiu novamente a alta de janeiro até agosto de 2018. Uma pequena queda, mas, mesmo assim, uma queda.
Com a proximidade das eleições de 2024, ambos os partidos descobriram silenciosamente a realidade assustadora de que o governo estava pagando US$ 2 milhões por minuto em juros para financiar a dívida nacional. A proposta de política do Partido Republicano envolvia a substituição de parte do imposto de renda atual por uma tarifa de 10% sobre todos os bens e serviços que entram nos EUA. Os democratas também eram a favor das tarifas, com o governo Biden mantendo a maioria das tarifas de Trump em vigor e instituindo tarifas de 100% sobre veículos elétricos da China. Esperava-se que a vice-presidente Kamala Harris desse continuidade a essas políticas caso fosse a vencedora.
A maioria dos observadores acredita que a tarifa será paga pela nação que exporta o produto para o nosso país, mas esse não é o caso. Os consumidores domésticos pagam pela maioria das tarifas, inclusive sobre as importações de matérias-primas, pois elas são impostas pelo governo dos EUA no porto de entrada. Ninguém duvida que existam muitos atores ruins no cenário global. Precisamos abordar o comportamento da China e de outras nações, especialmente no que se refere à desvalorização da moeda e ao subsídio de seus próprios setores para competir injustamente com as empresas americanas. O livre comércio deve ser um comércio justo.
O livre mercado e o comércio exigem um sistema de honra que seja rigorosamente aplicado por meio de órgãos existentes, desenvolvidos para resolver disputas diante de grupos de discussão e não em campos de batalha. Se uma nação violar as regras estabelecidas para a justiça e a integridade, isso deve ser resolvido. A negação do acesso ao mercado, as cotas de importação, a perda do status de nação mais favorecida, a expulsão da Organização Mundial do Comércio e a revogação da ajuda externa são apenas algumas das muitas opções.
As tarifas são um tiro pela culatra para os investidores, consumidores e empresas americanas. Repetir as políticas comerciais fracassadas do passado só resultará em mercados de ações com desempenho inferior e grandes distorções econômicas.
Este artigo foi publicado originalmente na revista Barron's em 19 de setembro de 2024 e republicado no Mises Institute.
_____________________________________________
Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
Comentários (15)
Deixe seu comentário