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Direito

Randy Barnett, o DOGE e a defesa da liberdade

Lições de uma entrevista memorável

23/03/2025

Randy Barnett, o DOGE e a defesa da liberdade

Lições de uma entrevista memorável

Em entrevista recente à Reason, o jurista Randy Barnett ofereceu uma análise contundente — e, em muitos momentos, entusiasmada — sobre a conjuntura política americana, a atuação de Elon Musk, o projeto DOGE e o papel do Estado de Direito. Como alguém que há décadas defende a limitação do poder estatal em nome da liberdade individual, Barnett vê no momento atual uma oportunidade rara de realinhamento institucional.

Logo no início, Barnett expressa seu entusiasmo com o momento político: “Eu esperei a vida toda para ver algo assim acontecer”. Para ele, o crescente ceticismo em relação ao governo, estimulado por figuras como Elon Musk, representa exatamente o tipo de movimentação que os libertários deveriam apoiar. É uma chance concreta de revisar a atuação estatal sob a ótica da liberdade, da eficiência e da responsabilidade fiscal.

Quando provocado por uma fala da senadora Elizabeth Warren criticando Musk e o projeto DOGE, Barnett respondeu com firmeza, “chamando suas declarações de falsas”. Ele relembra sua convivência com Warren nos tempos acadêmicos e lamenta sua transformação em uma figura política cuja retórica, segundo ele, ignora os fatos em nome da ideologia.

Sobre o DOGE — uma estrutura paralela ao governo tradicional, voltada à inovação e à desburocratização —, Barnett defende sua legalidade e racionalidade. Ele enfatiza que o órgão existia antes, e foi criado no governo Obama para controlar o Obamacare. Houve apenas a mudança de nome e o presidente Trump está agindo dentro de sua autoridade ao seguir o conselho de seus assessores, como já fizeram presidentes anteriores. E faz uma observação precisa: “A busca pela eficiência não deve ser prejudicada pela busca da perfeição”. Segundo Barnett, o sistema atual está corrompido por interesses políticos que drenam recursos públicos para fins partidários, e o DOGE surge como uma alternativa viável para romper essa lógica.

Barnett rejeita a alegação de que Elon Musk não teria legitimidade para influenciar decisões presidenciais. Pelo contrário: “O presidente tem autoridade para tomar decisões e os assessores presidenciais não estão sujeitos à aprovação do Senado”. Ou seja, se Musk é ouvido como conselheiro informal, trata-se de um exercício legítimo da autoridade executiva.

Um dos momentos mais relevantes da entrevista é quando Barnett define lawfare como: “O uso da lei como um substituto para a violência e resistência física para impedir a operação de algo a que você se opõe politicamente”. Ele alerta que, embora os desafios jurídicos ao DOGE sejam inevitáveis, é necessário avaliá-los com base em seus méritos — e não permitir que o Judiciário seja usado como instrumento de sabotagem política.

Paradoxalmente, Barnett argumenta que o grande volume de ações judiciais contra o DOGE pode acelerar sua consolidação institucional. A lógica por trás dessa afirmação reside na crença de que, quanto mais ações forem ajuizadas, mais rapidamente os tribunais terão a oportunidade de analisar a legalidade do projeto e, potencialmente, derrubar ordens de restrição indevidas. Nas palavras de Barnett, “o volume de desafios pode levar a uma resolução mais rápida”, pois a aglomeração de casos força o sistema judicial a se pronunciar de forma célere, criando um precedente que pode solidificar a posição do DOGE. Além disso, Barnett acredita que, ao expor as motivações políticas por trás de algumas dessas ações judiciais, o DOGE pode fortalecer sua imagem como um agente de mudança contra a burocracia estatal entrincheirada. Ele declara: “é melhor tentar melhorar o sistema do que não fazer nada”, o que sugere que, mesmo diante de obstáculos legais, o projeto pode alcançar seus objetivos de eficiência e transparência.

Barnett também comenta as declarações do presidente Donald Trump e do vice-presidente JD Vance sobre o Estado de Direito. Ele observa que Trump está mais contido em sua retórica, e menciona as declarações recentes de Vance, expressando um certo nível de preocupação, embora afirme dar mais peso às ações do que às palavras. Em especial, destaca um tweet em que Vance afirma que seria ilegal um juiz tentar “orientar a discricionariedade de um procurador geral” — ou seja, interferir naquilo que é prerrogativa exclusiva do Executivo. Trump, por sua vez, evocou uma possível citação apócrifa atribuída a Napoleão Bonaparte: “Quem salva seu país não viola a lei”. Para Barnett, essas afirmações merecem atenção, mas só ganham relevância jurídica real se forem acompanhadas por ações concretas.

Apesar das reservas, Barnett também comenta aspectos positivos da postura de JD Vance, especialmente no que diz respeito à política de tecnologia e inteligência artificial. Ele observa que o vice-presidente tem articulado uma abordagem mais clara e consistente do que a da administração anterior, particularmente em contraste com declarações vagas de Kamala Harris sobre segurança em IA.

Barnett critica uma tendência entre alguns libertários de rejeitarem avanços apenas porque eles vêm da direita: “Os libertários deveriam aceitar um sim como resposta quando um político está disposto a desafiar o Estado”. Para ele, esse é um erro estratégico: é preciso reconhecer quando há oportunidades reais de reduzir o poder do Leviatã — independentemente da coloração ideológica de quem as oferece.

O professor aborda, também, o papel do Judiciário na preservação da liberdade e dos limites constitucionais, diferenciando entre judicial review e judicial engagement. Ele expressa preocupação com o uso excessivo de liminares nacionais por juízes distritais, prática que, segundo ele, "pode paralisar a administração federal" e comprometer a separação de poderes, um problema derivado de um mau uso do judicial review.

Barnett defende uma postura judicial mais moderada, o chamado judicial engagement, em que juízes exercem um papel vigoroso na proteção dos direitos individuais e na imposição efetiva dos limites constitucionais ao poder estatal, dentro dos limites da constituição e não violando a separação de poderes. Para ele, esse engajamento é essencial para conter abusos e preservar o Estado de Direito, dentro do escopo já apresentado. Barnett acredita que a Suprema Corte, atualmente, "é a melhor que tiveram em muito tempo", e reconhece o papel de Antonin Scalia no fortalecimento do originalismo, embora confesse maior afinidade com a linha adotada pelo juiz Clarence Thomas, cuja aplicação consistente do originalismo, segundo Barnett, representa o ápice do comprometimento constitucional.

Barnett, ao explorar a interseção entre libertarianismo e originalismo, revela uma trajetória intelectual singular, influenciada pelos escritos de Lysander Spooner. Para o professor de Georgetown, a adesão ao originalismo deriva de sua convicção de que "o significado da Constituição deve permanecer o mesmo até que seja devidamente alterado por meio de emenda". Essa abordagem, longe de ser meramente teórica, é vista como um escudo contra a expansão arbitrária do poder estatal, impedindo que o governo manipule o texto constitucional para avançar agendas políticas específicas. Nas palavras de Barnett, o originalismo "minaria grande parte da agenda política progressista", razão pela qual é alvo de controvérsia. Barnett argumenta que, embora a Constituição não seja um documento perfeitamente libertário, "se seguida, é o documento mais libertário já implementado em lei", pois seu significado original resguarda as liberdades individuais de forma mais eficaz do que interpretações modernas e flexíveis. Para Barnett, o papel do intérprete é desvendar o significado original do texto e avaliar se este promove a liberdade, um exercício que transcende a mera erudição jurídica e se conecta diretamente com a defesa dos valores libertários.

No encerramento da entrevista, Barnett oferece uma reflexão pessoal que ressoa com força: a coisa mais importante na vida é viver bem. A política e o direito são instrumentos — não fins em si mesmos. O objetivo, diz ele, é buscar uma estrutura legal que permita a todos a busca pela felicidade.

A entrevista de Randy Barnett é mais do que uma análise pontual da política americana. É uma afirmação clara — e fundamentada — de que os princípios do constitucionalismo e da liberdade individual ainda têm muito a oferecer, mesmo (ou especialmente) em tempos turbulentos. Em vez de temer as rupturas institucionais, Barnett convida os libertários e os defensores da ordem constitucional a enxergarem, nesses eventos, uma oportunidade de reconstrução mais fiel ao espírito da liberdade.

 

Leonardo Corrêa: Advogado, Sócio de 3C Law | Corrêa & Conforti Advogados, LL.M pela University of Pennsylvania, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Substack da Lexum.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Lexum

A Lexum é uma associação dedicada à defesa da liberdade e do Estado de Direito no Brasil. Fundamentamos nossa atuação em três princípios essenciais: (1) o Estado existe para preservar a liberdade; (2) A separação de poderes é essencial para a nossa Constituição Federal; e, (3) A função do Judiciário é dizer o que a lei é, não o que ela deveria ser. Promovemos um espaço para advogados liberais clássicos, libertários e conservadores, estimulando o livre debate e o intercâmbio de ideias.

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