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Moedas digitais de bancos centrais são perigosas e desnecessárias

13/03/2025

Moedas digitais de bancos centrais são perigosas e desnecessárias

Os principais bancos centrais têm deliberado sobre o conceito de introdução de uma moeda digital. Muitos cidadãos não conseguem compreender a lógica por trás desse conceito, quando a maioria das transações nas principais moedas mundiais é realizada por via eletrônica. No entanto, uma moeda digital do banco central é muito mais do que dinheiro eletrônico. Vou explicar o porquê.

Os bancos centrais estão aumentando as taxas de juros e decretando políticas monetárias restritivas tão rapidamente quanto as regulamentações governamentais permitem, porque estão cientes de que os fatores monetários são a principal causa da inflação. Os bancos centrais perderam credibilidade recentemente, inicialmente desconsiderando o perigo da inflação, depois atribuindo-o a fatores transitórios e, finalmente, respondendo tardia e gradualmente.

Em um mundo onde há um excesso no crescimento da oferta monetária, existem mecanismos para evitar um aumento significativo dos preços ao consumidor causado pela destruição do poder de compra da moeda emitida. A flexibilização quantitativa está sujeita a algumas restrições que impedem parcialmente as forças inflacionárias. Como o canal bancário serve como mecanismo de transmissão da política monetária, a demanda por crédito atua como uma restrição às pressões inflacionárias.

Agora, imagine se o mecanismo de transmissão fosse direto e utilizando apenas um canal, o banco central. Não é a mesma coisa ter um policial andando pela sua rua do que ter um policial na sua cozinha observando cada movimento seu.

Uma moeda digital do banco central seria emitida diretamente para a sua conta mantida no banco central. Na melhor das hipóteses, é vigilância disfarçada de moeda. O banco central teria informações precisas sobre o uso da moeda, poupança, empréstimos, gastos e transações. Pode aumentar a fungibilidade do dinheiro para evitar o problema comum, mas infundado, do "excesso de poupança". Além disso, à medida que os bancos centrais se tornam mais envolvidos politicamente, eles podem impor penalidades aos indivíduos que gastam de uma maneira que consideram inadequada, enquanto recompensam aqueles que seguem suas recomendações. Todo o sistema de privacidade e o mecanismo de limite monetário seriam removidos.

Além disso, se o banco central cometer um erro e criar um excesso de oferta monetária, como mostrado em 2020, isso imediatamente faria os preços ao consumidor dispararem. Se a oferta monetária aumentar drasticamente em um ano, experimentaremos níveis de inflação maciços à medida que as restrições existentes do mecanismo de transmissão forem eliminadas.

Considere um cenário em que você tenha uma única conta, um banco central e o governo. Adivinha o que aconteceria? Financiamento monetário total dos gastos do governo, levando a uma inflação elevada em poucos anos e à destruição do setor privado. As moedas digitais dos bancos centrais provavelmente serão uma versão informatizada dos assignats franceses. Inflação alta, controle total do governo e repressão financeira.

As moedas digitais dos bancos centrais são desnecessárias e perigosas. Não se pode iniciar uma experiência desta magnitude quando a autonomia dos bancos centrais tem sido questionada há anos e há abundantes indícios de erros cometidos com medidas de política que não reconhecem o perigo do aumento da inflação e da estagnação econômica. Os bancos centrais nunca conseguiram evitar bolhas, altos níveis de tomada de risco, endividamento excessivo ou identificar pressões inflacionárias. Dado esse histórico, ninguém deveria apoiar uma proposta que lhes concedesse total autoridade e controle sobre o sistema financeiro e monetário. O que os bancos centrais querem dizer quando discutem uma nova moeda digital? É mais um avanço no processo em curso de erosão do poder de compra da moeda, disfarçado sob o objetivo de melhorar a supervisão dos pagamentos e facilitar o rastreamento de métodos de pagamento específicos.

Os principais argumentos para considerar uma moeda digital do banco central são a eficiência e o aprimoramento do mecanismo de transmissão da política monetária. No entanto, nenhuma delas faz sentido. Os bancos centrais frequentemente alegam a necessidade de aprimorar o mecanismo de transmissão da política monetária, mas muitas de suas declarações são baseadas em uma crença imprecisa de que há um excesso de poupança que requer uma mudança de comportamento. Ao manipular o custo e a quantidade da moeda emitida, os bancos centrais pretendem corrigir o que consideram desequilíbrios. No entanto, a política monetária raramente aborda os maiores desequilíbrios, que são aqueles criados pelos déficits do governo e pela acumulação de dívida. Disfarçar o risco na dívida soberana leva a políticas fiscais mais imprudentes e aumenta o risco de bolhas nos mercados financeiros, já que as percepções de risco são obscurecidas por taxas baixas e alta liquidez.

Uma moeda digital não melhora o mecanismo de transmissão da política monetária a menos que a palavra "aprimoramento" seja usada para esconder o desejo de aumentar o tamanho do governo na economia por meio da erosão do poder de compra da moeda e do financiamento monetário constante dos déficits públicos.

Outro aspecto a ser considerado é a eficiência. Os bancos centrais parecem priorizar a regulação das transações monetárias e incentivar os gastos, independentemente dos riscos envolvidos. Criar um sistema de dinheiro digital do banco central não é mais eficiente. É outra forma de controle financeiro. Se as taxas de juros negativas são ineficazes para estimular os agentes econômicos, alguns acreditam que implementar taxas negativas e desvalorizar a moeda mais rapidamente usando uma moeda digital pode ser mais bem-sucedido. Eles estão errados. A economia não se fortalece fazendo da moeda uma reserva de valor que desaparece. É improvável que a introdução de uma moeda digital do banco central reduza os riscos econômicos ou estimule o investimento produtivo, mas incentivará o mau investimento de curto prazo. Os bancos centrais são incapazes de obrigar os agentes econômicos a gastar e investir, especialmente quando suas estratégias se concentram continuamente em incentivar a dívida e prolongar os desequilíbrios governamentais. O processo de qualquer ativo se tornar uma moeda amplamente utilizada é altamente democrático. Está fora da jurisdição dos governos e não pode ser imposto.

Quando governos e bancos centrais implementam a repressão financeira e desvalorizam sua moeda, os cidadãos podem recorrer a outras formas de pagamento que são consideradas dinheiro genuíno. As criptomoedas surgiram devido à falta de confiança nas moedas fiduciárias e aos esforços contínuos dos bancos centrais e governos para desvalorizar as moedas, a fim de ocultar os desequilíbrios fiscais subjacentes. Uma moeda digital do banco central é uma contradição em termos – um oximoro. Os cidadãos exigem criptomoedas porque elas não são controladas por bancos centrais que buscam aumentar a oferta monetária e induzir a depreciação da moeda por meio da inflação. Os bancos centrais devem priorizar a salvaguarda do poder de compra da poupança e dos salários, em vez de procurar destruí-los. O uso de novos meios de repressão financeira pode levar a uma perda de confiança na moeda local. Quando os bancos centrais reconhecerem que excederam os limites adequados da sua política, já será tarde demais.

As moedas digitais dos bancos centrais são desnecessárias e perigosas.

Os benefícios da tecnologia, digitalização e facilidade de transações já estão aí. Não há necessidade de criar uma moeda emitida diretamente para uma conta no banco central. Elas também são desnecessárias porque não há absolutamente nenhuma necessidade de competir com um yuan digital ou bitcoin. A China está se aproximando de uma política monetária sólida e seu banco central está comprando mais ouro, não o contrário.

Se os bancos centrais querem competir com outras moedas ou criptomoedas, só há uma maneira: deixar absolutamente claro que eles defenderão o status de reserva de valor de sua moeda. Não há necessidade de o euro ou o dólar americano competirem com bitcoin ou um yuan digital se o Fed e o BCE realmente defenderem sua reserva de valor e poder de compra.

No entanto, parece que os bancos centrais querem se comportar como um monopólio que vende produtos de má qualidade, mas exige continuar sendo o principal fornecedor, eliminando a concorrência. O Fed e o BCE não precisam competir com as criptomoedas se mostrarem ao mundo que defenderão o poder de compra do dólar americano e do euro.

Os desafios financeiros mundiais não se resolvem impondo um controle total implementado por um monopólio monetário cuja independência é seriamente questionada, mas sim aumentando a concorrência e a independência.

 

Este artigo foi originalmente publicado em Mises Institute.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Daniel Lacalle

É Ph.D. em economia, gestor de fundos de investimentos, e autor dos livros Escape from the Central Bank Trap

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