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Economia

A diferença entre o mercado e a burocracia

23/02/2025

A diferença entre o mercado e a burocracia

O texto a seguir é uma adaptação do artigo Bureaucracy and the Civil Service in the United States de Murray Rothbard, publicado no Journal of Libertarian Studies e disponível no Mises Institute.

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Em uma empresa que atua no mercado, os desejos e objetivos dos gestores estão atrelados à meta de lucro dos proprietários. Como diz Mises, o gerente de uma filial deve garantir que sua unidade contribua para o lucro da empresa. No entanto, quando se remove o mecanismo de lucro e prejuízo, os objetivos e desejos dos gestores, limitados apenas pelas diretrizes e pelo orçamento estabelecido pelo legislativo central ou pelo órgão de planejamento, inevitavelmente assumem o controle. E esse objetivo, guiado apenas pela vaga noção do “interesse público”, acaba se resumindo ao aumento da renda e do prestígio do gestor.

Em uma burocracia baseada em regras, essa renda e esse status dependem inevitavelmente do número de subordinados que respondem a esse gestor. Assim, cada agência e departamento do governo entra em uma feroz disputa por espaço, cada um tentando expandir suas funções, aumentar seu quadro de funcionários e tomar atribuições de outras agências. Dessa forma, enquanto a tendência natural das empresas ou instituições no livre mercado é buscar a máxima eficiência no atendimento às demandas dos consumidores, a tendência natural da burocracia governamental é crescer, crescer e crescer – sempre às custas dos contribuintes espoliados e desavisados.

Se a palavra de ordem da economia de mercado é lucro, a palavra de ordem da burocracia é crescimento. Mas como esses objetivos são alcançados?

No mercado, o caminho para o lucro é superar a concorrência no processo dinâmico e em constante mudança de satisfazer da melhor forma possível as demandas dos consumidores. Isso pode significar criar um supermercado de autoatendimento em vez do antigo armazém (mesmo que seja uma rede de lojas) ou desenvolver tecnologias inovadoras como a Polaroid ou a Xerox. Em outras palavras, trata-se de produzir bens ou serviços concretos pelos quais os consumidores estejam dispostos a pagar. Já na burocracia, para alcançar crescimento, o gestor precisa convencer o legislativo ou o órgão de planejamento de que seu serviço, de alguma forma vaga e imprecisa, contribuirá para o “interesse público” ou para o “bem-estar geral”. Como os contribuintes são obrigados a pagar, o burocrata não tem incentivo nem necessidade de ser eficiente. Além disso, mesmo que tivesse a melhor das intenções, ele não teria como descobrir o que os consumidores realmente desejam ou como atender suas demandas. Os usuários pagam pouco ou nada pelo serviço e, mesmo quando pagam, os investidores não podem experimentar lucros ou prejuízos ao investir na produção desse serviço. Assim, os consumidores simplesmente terão de aceitar os serviços impostos pelos burocratas, gostem ou não.

Ao construir e operar uma usina hidrelétrica, por exemplo, o governo inevitavelmente será ineficiente, beneficiará certos cidadãos às custas de outros, alocará mal os recursos e, de modo geral, navegará sem rumo na prestação desse serviço. Além disso, para alguns cidadãos, a usina pode não ser um benefício, mas um prejuízo. No jargão dos economistas, para certas pessoas, a barragem pode ser um “mal” e não um “bem”. Ambientalistas contrários à construção de usinas, agricultores e proprietários de terras que terão suas propriedades desapropriadas e inundadas pela Autoridade da Barragem certamente verão esse “serviço” como um dano, não como um benefício. E o que acontecerá com seus direitos e propriedades? Portanto, a ação do governo não só tende a ser ineficiente e coercitiva para os contribuintes, como também implica redistribuição de recursos entre grupos, beneficiando uns às custas de outros.

O principal grupo beneficiado pelos burocratas, é claro, são eles próprios. Toda a sua renda é extraída às custas dos contribuintes. Como John C. Calhoun apontou em sua brilhante Disquisition on Government, burocratas não pagam impostos; seus supostos pagamentos de tributos são apenas uma ficção contábil. A existência da burocracia governamental, segundo Calhoun, cria duas grandes classes conflitantes na sociedade: os pagadores líquidos de impostos e os consumidores líquidos de impostos. Quanto maior a carga tributária e o tamanho do governo, maior será o inevitável conflito de classes gerado na sociedade. Como afirma Calhoun:

“O resultado inevitável da ação fiscal desigual do governo é dividir a sociedade em duas grandes classes: uma composta por aqueles que, de fato, pagam os impostos e, portanto, arcam integralmente com o custo de sustentar o governo; e outra formada por aqueles que recebem os recursos arrecadados por meio de gastos governamentais e que, na prática, são sustentados pelo governo. Em termos mais simples, a sociedade se divide entre pagadores de impostos e consumidores de impostos.

“O efeito disso é colocar essas duas classes em uma relação de antagonismo em relação à política fiscal do governo e a todas as decisões que dela decorrem. Quanto maiores forem os impostos e os gastos públicos, maior será o ganho de um grupo e a perda do outro — e vice-versa. Consequentemente, quanto mais a política governamental se orientar para o aumento da carga tributária e dos gastos, mais ela será apoiada por um grupo e rejeitada pelo outro.

“Assim, cada aumento nos impostos e nas despesas públicas enriquece e fortalece aqueles que vivem dos recursos estatais [os consumidores líquidos de impostos] e empobrece e enfraquece aqueles que sustentam o governo [os pagadores líquidos de impostos].”[i]

Como, então, os burocratas podem alcançar seu objetivo supremo de aumentar o número de funcionários e, consequentemente, sua própria renda? Somente persuadindo o legislativo, o órgão de planejamento ou a opinião pública de que sua agência governamental merece um aumento de orçamento. Mas como fazer isso, se a burocracia não pode vender serviços no mercado e, além disso, suas atividades são, por natureza, redistributivas, prejudicando muitos consumidores em vez de beneficiá-los? A única solução é “fabricar consentimento”, ou seja, convencer falsamente o público ou o legislativo de que suas atividades são uma grande benesse, em vez de um fardo para consumidores e contribuintes. Para isso, a burocracia precisa recorrer a intelectuais - a classe formadora de opinião na sociedade -, contratando-os para propagar a ideia de que sua existência é uma bênção universal. E quando esses intelectuais, ou propagandistas, são empregados diretamente pela própria agência, isso se torna um insulto ainda maior ao contribuinte: ele é forçado a pagar pela sua própria desinformação.

Curiosamente, os progressistas criticam incessantemente a publicidade no mercado, acusando-a de ser estridente, enganosa e de criar artificialmente demandas dos consumidores. No entanto, a publicidade é um meio essencial para fornecer informações ao consumidor - sobre a natureza e qualidade do produto, seu preço e onde ele pode ser encontrado. Mais curioso ainda é que esses mesmos críticos nunca aplicam suas objeções ao único setor onde elas realmente fazem sentido: a propaganda e as relações públicas promovidas pelo governo. A diferença fundamental é que toda publicidade no mercado é rapidamente testada na prática: este rádio ou televisão realmente funciona? No caso do governo, porém, não há esse teste direto por parte do consumidor. O cidadão ou eleitor não tem como avaliar rapidamente o impacto de uma política específica.

Além disso, nas eleições, ele não vota em um programa isolado, mas sim em um pacote fechado, escolhendo um legislador ou chefe do executivo por um determinado período de anos - e ficando preso a essa escolha pelo tempo do mandato. Como não há um teste direto das políticas públicas, chegamos a um dos problemas mais criticados da democracia moderna: a incapacidade do processo eleitoral de debater questões concretas ou políticas públicas, substituindo esse debate por mera demagogia televisiva.[ii]

 

[i] John C. Calhoun, A Disquisition on Government (New York: The Liberal Arts Press, 1953), pp. 17-18. Also see Murray N. Rothbard, “The Myth of Neutral Taxation,” Cato Journal, I (Fall 1981), pp. 555-58.

[ii] Veja Murray N. Rothbard, Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles (Auburn, AL: Ludwig von Mises Institute, 1993), II, 774–76, 843–47.

 

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Murray N. Rothbard

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. TambÉm foi vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

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