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Economia

O populismo da esquerda quer taxar as exportações do agro

Nossos vizinhos argentinos oferecem uma lição importante

31/01/2025

O populismo da esquerda quer taxar as exportações do agro

Nossos vizinhos argentinos oferecem uma lição importante

O governo petista saiu-se com mais uma ideia genial: para baixar o preço dos alimentos, lançou o balão de ensaio da taxação das exportações do setor agropecuário, para ver como seria a reação da sociedade, e para animar a própria torcida socialista que adora o deus estado (sim, com minúscula), com a fé cega de que este, que na verdade é o causador dos males, tem o condão de intervir magicamente e corrigir as falhas de mercado que invariavelmente são causadas pelos agentes econômicos (eu, você e todos os demais que produzem, consomem e poupam – ou tomam emprestado - a diferença).

Pois bem, não é de hoje que os petistas nutrem um ranço especial contra o agro, propagando que é o setor menos taxado do país. Ora, do ponto de vista de quem crê que taxar, aumentando a parcela que o estado rouba à ponta de pistola da renda de quem produz, para supostamente redistribuir (gastar) de volta na economia, de fato, se há um setor que é menos roubado do que os outros, então este deve ser pelo menos igualmente roubado, tanto quanto os outros setores.

O ranço vem especialmente da visão petista de que o agro é constituído de uma elite patrimonialista, dona de terras em latifúndio, que explora o povo e detém poder político, seja paroquial, regional, ou constituindo uma bancada reacionária e defensora de seus próprios interesses nefastos no Congresso.

Essa elite, na visão dos petistas, desfruta de privilégios tributários, legislados por eles mesmos, e merece ser tributada, como pena para expiar seus pecados elitistas e que freiam o fortalecimento do estado (afinal, é dinheiro sobre o qual o estado supostamente não coloca as mãos).

Ora, a descrição acima tem muita verossimilhança, mas nenhuma verdade. Atualmente, essa é uma descrição muito precisa, na realidade, da elite paroquial nordestina, aliada de longa data do petismo naquela região, e com a qual o petismo vive em uma simbiose nefasta, impedindo o desenvolvimento do nordeste. Mas este nem de longe é o agro brasileiro.

Desde os anos 1990, a partir do Plano Real, o agro brasileiro se desenvolveu de forma espetacular, aumentando a produtividade, a eficiência na utilização dos recursos, a produção de alimentos, fibras e energia, levando o Brasil de importador líquido de alimentos a ser um dos maiores exportadores.

Tudo isso aconteceu graças ao desenvolvimento de tecnologia própria (somos o único grande produtor agrícola situado na zona tropical do planeta), do espírito empreendedor e corajoso dos nossos produtores (para cada produtor bem sucedido atualmente, há ‘n’ produtores que faliram e ficaram no meio do caminho, abrindo e transformando terras até então praticamente inúteis para a agricultura no imenso Cerrado brasileiro, uma vastidão de solos pobres em nutrientes, ricos em alumínio tóxico às plantas e sujeitos a um regime de monções com seis meses de seca extrema por ano. Não vou entrar em detalhes sobre quais eram os desafios de se produzir num ambiente assim, sem sementes adaptadas, sem crédito, sem rodovias, sem cidades, sem infraestrutura).

Um grande impulso ao agro, sem dúvida, foi a Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996). Essa lei proibiu a taxação de ICMS sobre os produtos destinados à exportação. Em troca, a União assumiu a responsabilidade de compensar os estados pela perda de arrecadação.

O fim da tributação sobre a exportação representou um importante alívio para os produtores, que passaram a dispor de uma maior parte de sua receita (continuaram e continuam a pagar IR, INSS, Funrural, ITR, IPVA, e ICMS e PIS-Cofins sobre insumos, além dos encargos de nossa CLT sobre os salários etc.), e puderam então investir e financiar a enorme expansão do agro, que hoje representa perto de 30% do PIB nacional.

Os economistas petistas e socialistas, em geral, não sabem fazer conta, disso já sabemos. Mas o grau de obtusidade econômica é tal, que creem que um real (R$ 1,00) tirado do setor produtivo na forma de impostos, e gasto de volta pelo estado na economia, gera um multiplicador e impulsiona a economia. Ora, na verdade, fazer isso gera uma enorme destruição de capital, na medida em que parte deste R$ 1,00 será levada pela corrupção, outra parte será mal gasta em despesas correntes e desperdícios de toda ordem. Se este mesmo R$ 1,00 permanecesse nas mãos de seu legítimo dono privado, que o produziu por meio de sua atividade econômica, seu dono teria a habilidade e eficiência de escolher a melhor maneira de aplicar este recurso: pode gastar em despesas correntes (consumo) na economia local, gerando movimento econômico em sua localidade, pode investir em sua própria atividade ou em outra, criando empregos e aumentando a riqueza de todos.

Foi assim que nasceram no interior do Brasil cidades calcadas no desenvolvimento do agro, como Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, as pérolas da BR 163 no MT (Sorriso, Lucas do Rio Verde, Sinop), o cinturão de prosperidade de GO (Rio Verde, Jataí), entre outras inumeráveis testemunhas do avanço social promovido pelo desenvolvimento do agro, elevando os níveis de vida, os índices de educação, a renda per capita e inserindo o interior do Brasil no mapa produtivo do mundo. Ou seja, o estado destrói capital e riqueza, sugando de quem os produz; já o privado constrói capital e riqueza, espalhando oportunidades e aumentando o nível de prosperidade em toda a sociedade. O agro brasileiro se desenvolveu a partir do momento em que o peso do estado diminuiu.

 

Os experimentos na Argentina

Criar um imposto sobre as exportações do agro é uma idiotice e um imenso golpe contra a economia. Vejamos o que aconteceu na Argentina que é excelente exemplo do que não se deve fazer em termos de política econômica:

Nossos vizinhos têm alguma forma de imposto sobre as exportações agrícolas (derechos de exportación ou retenciones) desde pelo menos 1862, mas o início das intervenções populistas mais recentes sobre a exportação de grãos data de 1983. A maior alíquota aplicada sobre o trigo foi de 30%, em junho de 1989. Para o milho, foi de 31%, em outubro de 1984. Tudo com o nobre intuito de assegurar o abastecimento do mercado interno e “baixar os preços dos alimentos”.

No governo Menem, e seu Plan de Convertibilidad, as alíquotas foram sendo reduzidas entre 1990 e 1991, chegando a zero para o trigo e milho, e a 6% sobre a soja, com um mínimo sobre este produto de 3,5% em novembro de 1992.

Graças à continuidade dos enormes déficits públicos e à massiva impressão de pesos para financiar os déficits, obviamente o Plano de Menem não se sustentou, e a economia argentina desintegrou-se no final de 2001. Em março de 2002, os impostos sobre a exportação de produtos agrícolas foram reintroduzidos, de forma a sugar dos produtores renda para cobrir o déficit permanente e o descalabro das contas públicas (lembra algo do Brasil de 2024/2025?).

A alíquota para o trigo e o milho foi a 10% em março daquele ano, para chegar a 20% em abril de 2002, onde permaneceu por cinco anos. Em 2008, a alíquota sobre o trigo subiu para 23%. Em setembro de 2007, a maga das poções econômicas Cristina Kirchner elevou as retenciones sobre a soja para 35%, desencadeando uma revolta no setor produtivo argentino e definitivamente causando uma queda gigantesca no investimento no campo e a estagnação da produção de trigo, milho, e soja desde então.

O governo Macri eliminou as retenciones com exceção do complexo soja, com alíquotas de 30% sobre os grãos e 27% sobre o farelo e óleo de soja. Porém, em setembro de 2018, voltaram a incidir 10,4% de alíquota sobre as exportações de trigo e milho. Alberto Fernández, títere da Señora Kichner e aliado do PT no Foro de São Paulo, em seu governo desastroso, aumentou as alíquotas para 33% (grão de soja), 31% (farelo e óleo), 12% (trigo e milho), 9% (lácteos) e 7% sobre o girassol, e proibiu por meses a exportação de carne em 2023, no auge de sua campanha à reeleição, num apelo populista abjeto, na tentativa populista e desastrosa de “frear a inflação dos preços da carne”.

Aliás, os impostos sobre a exportação de carne na Argentina são um capítulo à parte. Com a mesma justificativa (baixar o preço da carne aumentando a oferta interna), as retenciones sobre a carne começaram em 1955 (!), e nestes últimos 70 anos ajudaram a destruir o potencial da cadeia da pecuária Argentina, que passou de ser o maior exportador de carne do mundo, para a quarta posição, tendo seu rebanho bovino crescido de 42 milhões de cabeças em 1964 para 52 milhões de cabeças em 2020 (25% num período de 56 anos), enquanto o rebanho brasileiro (país que se tornou o maior exportador de carne bovina do mundo) passou de 84 milhões de cabeças em 1964 para perto de 235 milhões de cabeças em 2024 (180% de crescimento em praticamente o mesmo período). Um estudo muito interessante, entre outros, é o feito por Marlon Vinicius Brisola, da UnB: Os Impactos sobre o agronegócio da carne bovina na Argentina e no Brasil: uma análise comparada, de 2020, que descreve os efeitos nefastos das intervenções populistas argentinas sobre o tecido produtivo da pecuária do país.

No caso do complexo soja, a Argentina convive com o contrassenso de ter o maior parque de esmagamento de soja do mundo depois dos EUA, fruto de uma onda de investimentos no início dos anos 2000, mas que atualmente tem o maior índice de ociosidade do mundo, já que os cerca de 70 milhões de toneladas anuais de capacidade de esmagamento de soja são muito maiores do que as safras anuais, ao redor de 50 milhões de toneladas, estagnadas neste patamar há pelo menos 20 anos. Todo o investimento feito pela indústria naquele período nunca se pagou: a produção de soja não cresceu, pois não há incentivos ao produtor, que é roubado em 27% de imposto sobre o preço da soja assim que vende à indústria.

Segundo matéria recente na mídia argentina, um estudo da Bolsa de Cereais de Buenos Aires estima que, nos últimos 21 anos, o governo  argentino arrecadou mais de 150 bilhões de dólares em impostos sobre as exportações do complexo soja, milho e trigo.

Onde foi parar esse dinheiro? Ora, no buraco negro do gasto público, e ainda assim o país apresentou déficit depois de déficit, ano após ano, nas últimas décadas, uma enorme destruição de capital e de potencial produtivo.

Viajar pelo interior produtivo da Argentina dá uma dimensão enorme do efeito da sanha arrecadadora e gastadora do governo: cidades com enorme potencial, mas paradas no tempo, com uma economia débil, pouca atividade de construção civil, pouco investimento, com ativos consumidos e depreciados sem reposição, frota de veículos com idade média muito avançada (viaje pelo interior do país e veja em circulação a maior frota ainda ativa de Fiat 147 do mundo), totalmente diferente das cidades desenvolvidas e pujantes do interior do Brasil.

Todos sabemos que a Argentina há décadas convive com altas taxas de inflação, ainda que taxando a exportação de alimentos (a inflação anual entre 1980 e 2022 foi de 206% por ano. Em 2023, foi de 221,4%, e em 2024, já sob o plano de ajuste de Milei, foi de ainda incríveis 118%, herança nefasta do governo anterior que Milei está debelando, precisamente extirpando o déficit fiscal – a Argentina teve superavit real em 2024 – e a emissão monetária. Em dezembro de 2024, a inflação mensal foi de 2,7%, ou 37% anualizada).

 

Considerações finais

Claramente, taxar os setores produtivos do agro é contraproducente, na medida em que, ao reduzir a renda disponível dos produtores, desestimula o investimento de capital e, consequentemente, a produção, resultando, como sempre, que o intervencionismo estatal gera distorções ainda piores do que o suposto problema que diz corrigir. Taxar as exportações do agro não resolve o problema da inflação, na verdade o agrava, desestimulando a produção, e colocando nas mãos do governo uma parte maior da renda produzida por quem trabalha.

A causa real da inflação é a emissão monetária e o déficit público. Enquanto o Brasil não resolver estes problemas, qualquer solução via taxação é o estado querendo roubar mais e mais de quem produz. Simples assim.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Douglas Ribeiro

Engenheiro Agrônomo pela ESALQ- USP, Pós-Graduado em Administração Rural, Universidade Federal de Viçosa, MBA pela Business School São Paulo / Rotman School of Management, Universidade de Toronto, Canadá. Consultor em Gestão de Negócios, Gestão de Riscos de Commodities, Trading, Comercialização Agrícola e Administração de Empresas.

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