Economia
Uma breve nota sobre uma proposta histórica do presidente argentino Javier Milei
Uma breve nota sobre uma proposta histórica do presidente argentino Javier Milei
O presidente da República Argentina, Javier Milei, afirmou que vai apresentar uma proposta legislativa para declarar crime imprescritível para o estado e o banco central monetizar o déficit público e criar inflação. Consequentemente, chefes de estado e de governo, ministros, funcionários do banco central e representantes que, de uma forma ou de outra, decidam, promovam ou participem da criação de dinheiro e do financiamento inflacionário do déficit público serão julgados e condenados como criminosos.
Além disso, esses atos serão declarados delitos imprescritíveis e, portanto, mesmo que – devido a possíveis mudanças políticas no futuro – essa legislação seja revogada, sua posterior restauração significaria, ipso facto, o julgamento e condenação das pessoas envolvidas em políticas inflacionárias. Em suma, a intenção é desestimular, antecipadamente, a ação de qualquer autoridade, funcionário público ou político que possa, no futuro, decidir recorrer à inflação para financiar e atingir objetivos políticos, econômicos, sociais ou quaisquer outros.
A ratio legis dessa nova legislação é clara: ela se baseia nos danos extremamente graves causados pelas políticas inflacionárias em geral. No caso particular da Argentina, essas políticas estiveram à beira de causar uma hiperinflação violenta, que só os esforços do novo presidente, Javier Milei, e os sacrifícios suportados pela nação argentina desde a queda do antigo governo peronista permitiram reverter. Este antigo governo e os que o precederam são os principais responsáveis pela grave prostração, pobreza e crise econômica e social que hoje colocaram a Argentina – outrora um dos países mais ricos do mundo – entre as nações relativamente mais pobres e menos prósperas, apesar de seu enorme potencial em termos de recursos humanos e naturais.
Abaixo, veremos os enormes danos causados pela criação de dinheiro e pelo financiamento inflacionário do déficit público. Esse dano justifica muito claramente a criminalização e a punição severa de todos os que, direta ou indiretamente, se tornam promotores, colaboradores ou principais participantes de medidas inflacionárias.
Consideraremos - do menos ao mais dramático - os efeitos da monetização do déficit público. Primeiro, constitui um ataque direto aos próprios fundamentos do sistema democrático. Com efeito, a essência da democracia se assenta no controle democrático, com total transparência, tanto do orçamento de despesas como das diferentes fontes de receitas públicas, que devem ser conhecidas e votadas pelos cidadãos. A monetização – financiamento por meio da mera emissão de qualquer quantia de dinheiro novo – dos gastos públicos é profundamente antidemocrática. Rompe o vínculo necessário entre gasto público transparente e receita, colocando o custo da parcela do gasto público não financiado com impostos sobre os ombros da massa de detentores de unidades monetárias – de forma oculta e diluída.
Gradualmente, e sem perceber a princípio, ou saber sua causa, essas pessoas são afetadas à medida que seus saldos monetários sofrem uma queda relativa drástica no poder de compra. Esse fenômeno ocorre tanto quando o déficit é monetizado diretamente – como, de fato, vem acontecendo há anos na Argentina – quanto quando, pelo menos, para manter as aparências, o déficit é financiado com nova dívida pública que o banco emissor compra imediatamente em grande escala no mercado secundário com dinheiro recém-criado. O Banco Central Europeu, o Federal Reserve e outros bancos centrais – sob o falso pretexto e o "guarda-chuva legal" de realizar apenas mais uma política monetária – têm procedido dessa maneira e adquirido até um terço de toda a dívida pública emitida até agora pelos diferentes governos.
Em segundo lugar, a monetização do déficit público equivale claramente a remover a restrição essencial imposta aos políticos por um controle transparente e democrático do orçamento e de sua implementação. De fato, se qualquer gasto público puder ser financiado com inflação praticamente "às escondidas" e de uma forma aparentemente indolor (pelo menos no curto prazo), os incentivos políticos serão óbvia e inevitavelmente tendenciosos para o desperdício e o populismo em uma "farra de gastos públicos" e compra de votos descarada e indiscriminada que destrói os próprios fundamentos da democracia e desmoraliza e corrompe completamente o eleitorado e os cidadãos.
A Argentina é um excelente exemplo desse fenômeno muito perverso. O Federal Reserve e o Banco Central Europeu adotaram políticas de monetização de fato do déficit público que também deram origem ao fenômeno (embora em menor escala). Por exemplo, no momento em que o BCE lançou suas políticas "monetárias" ultrafrouxas de "flexibilização quantitativa" e redução da taxa de juros a zero, os diferentes governos da zona do euro imediatamente interromperam as medidas de austeridade e reformas necessárias que haviam implementado. Nenhum governo está disposto a arcar com o custo político de adotar políticas tão dolorosas quanto necessárias se o déficit usual que deriva de evitá-las não custar nada, não prejudicar os que estão no poder e até mesmo ser financiado, direta ou indiretamente, por dinheiro recém-emitido pelo banco central e a taxas de juros praticamente inexistentes.
Em terceiro lugar, e além disso, devemos salientar que o novo dinheiro nunca chega a todos os cidadãos de forma igual. Em vez disso, é injetado, no melhor dos casos, para pagar faturas de gastos públicos e, portanto, os preços relativos dos primeiros bens e serviços assim financiados aumentam. Os primeiros destinatários do dinheiro saem na frente, às custas de todos os outros cidadãos. Nos piores casos, que são, aliás, os mais comuns, os bancos centrais disfarçam sua monetização direta do déficit público sob o manto aparentemente mais ortodoxo de comprar, em grande escala, títulos da dívida pública (e até mesmo outros títulos de renda fixa e variável) nos mercados secundários (ações e títulos). Nesse caso, a redistribuição de renda em favor de poucos é ainda maior. Pode até chegar ao extremo obsceno de enriquecer muito os detentores dos ativos financeiros correspondentes, seja porque vendem seus títulos de carteira ao banco central a um preço artificialmente exorbitante, seja porque a queda generalizada das taxas de juros (para zero ou mesmo para menos de zero, níveis baixos para os quais o Federal Reserve e o Banco Central Europeu de fato forçaram as taxas) faz com que o valor de mercado dos títulos de renda fixa, outros ativos e bens de capital disparem.
Isso sem mencionar o impacto tremendo e negativo que essa manipulação drástica e grosseira da taxa de juros exerce sobre a estrutura produtiva real. A taxa de juros é o preço mais importante em qualquer mercado livre e, quando manipulada dessa forma, deixa de funcionar eficientemente como um guia essencial para as decisões empresariais sobre a alocação intertemporal entre a produção de bens de consumo e bens de capital.
Os bancos centrais normalmente usam dois processos para criar e injetar dinheiro na economia: 1) expansão do crédito, gerada pelo sistema bancário de reservas fracionárias sob a direção do banco central; e 2) "operações de mercado aberto" ou monetização do déficit público. Em ambos os casos, uma taxa de juros manipulada e artificialmente baixa desencadeia ondas de investimentos errôneos e insustentáveis que dão origem a ciclos econômicos profundos e crises de instabilidade financeira. O fato é que a manipulação e a redução das taxas de juro dão a aparência de rentabilidade a processos de investimento que são realmente insustentáveis, porque não correspondem aos verdadeiros desejos dos cidadãos, enquanto consumidores e poupadores.
Em quarto e último lugar, uma vez que os efeitos descritos acima tenham terminado, todo processo inflacionário resulta, inevitavelmente, no declínio gradual e mascarado do poder de compra das unidades monetárias que todos os agentes econômicos usam. Essa diminuição do poder de compra equivale a um imposto odioso (inflação) que prejudica a todos, principalmente os mais vulneráveis e necessitados, e, portanto, toda inflação invariavelmente se torna um imposto especialmente odioso e regressivo.
Em conclusão, a monetização do déficit público causa danos gravíssimos que, na verdade, excedem em muito, tanto quantitativa quanto qualitativamente, os causados pelos falsificadores de moeda, cuja atividade é considerada crime em todos os códigos penais do mundo. (Na Espanha, por exemplo, é punível com prisão de oito a doze anos nos artigos 386 a 389 do código penal espanhol.) Portanto, existe plena justificativa para a proposta histórica do presidente Javier Milei de criminalizar e até mesmo não impor prescrição à monetização do déficit público e puni-lo com prisão e multas monetárias ainda mais altas para todos os chefes de estado e de governo, ministros das finanças, membros do parlamento e presidentes e membros dos conselhos de administração dos bancos centrais que, por ação ou omissão, são responsáveis pela correspondente criação de dinheiro. E, mais uma vez, a razão para isso é o dano gravíssimo - tanto no nível individual quanto social - que essa criação de dinheiro sempre causa.
Portanto, esperamos que o presidente Javier Milei possa avançar e concluir essa mudança importante na lei o mais rápido possível. Acima de tudo, esperamos que seu exemplo – junto com a consciência popular dos efeitos perversos e graves danos que resultam da monetização do déficit público – se espalhe por todo o mundo e, especialmente, chegue a áreas econômicas que, como a da América do Norte e, particularmente, a zona do euro, infligiram a seus cidadãos uma desvalorização de suas unidades monetárias que – embora não chegue nem perto da quase hiperinflação da Argentina – os expropriou. Por exemplo, em poucos anos, 20% do poder de compra de todo o seu dinheiro foi expropriado. Esperamos que assim seja e que, num futuro não tão distante, também seja possível processar criminalmente e responsabilizar pessoalmente os presidentes dos bancos centrais (o BCE, o Federal Reserve etc.) e os membros dos seus conselhos de administração correspondentes por não terem atingido os seus objetivos e pelos graves danos sociais e econômicos que infligiram aos cidadãos.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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