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A melodia desengonçada e perigosa de Bernie Sanders

30/07/2024

A melodia desengonçada e perigosa de Bernie Sanders

Imagine-se navegando em um barco por um mar sereno e deslumbrante. As águas brilham ao seu redor, convidativas e atraentes, mas escondem graves perigos adiante. Isso é "ouvir o canto da sereia" — ser enganado por algo que, embora pareça encantador, leva à ruína. A expressão vem da mitologia grega, onde as sereias, criaturas metade mulher e metade peixe, atraíam marinheiros com seu canto hipnotizante, levando-os à destruição. Figuradamente, "ouvir o canto da sereia" significa ser iludido por algo que parece irresistível, mas conduz à destruição.

No mito grego, as sereias habitavam uma ilha no Mediterrâneo, cuja localização exata variava conforme a versão do mito, mas frequentemente se mencionava a área entre a ilha de Capri e a costa italiana, cercada por rochas e recifes traiçoeiros. Homero situava essa ilha perto de Cila e Caríbdis, no estreito de Messina entre a Itália e a Sicília. Inicialmente, as sereias eram representadas como criaturas metade pássaro e metade mulher, uma imagem que evoluiu para a figura contemporânea de seres com cauda de peixe, simbolizando a sedução e o perigo que elas representam.

Ao passear pela seção de lançamentos de uma livraria em Brasília, deparei-me com uma obra que pode ser vista como um verdadeiro canto de sereia moderno: "Tudo bem ficar com raiva do capitalismo", do senador americano Bernie Sanders (Cia das Letras, 2024). Tal obra exemplifica como ideologias atraentes podem seduzir o público com promessas aparentemente irresistíveis, mas potencialmente enganosas e destrutivas. Assim como os marinheiros da antiguidade, muitos podem ser tentados por essas ideias sem perceber os perigos subjacentes que elas carregam.

A capa vibrante não deixa dúvidas sobre seu conteúdo inflamado. Ali está ele, apresentando-se como o eterno pré-candidato à presidência dos EUA, sempre na contramão de Donald Trump, e despejando os chavões que ecoaram pelas redes sociais: "Bilionários não deveriam existir!", proclama. E como aceitar que três deles detêm mais riqueza do que metade da população? Ou permitir que as eleições sejam dominadas pelos mais endinheirados? É justo um sistema político que premia empresas envolvidas na crise climática?

Sanders pinta um quadro sombrio do "supercapitalismo" como seu inimigo imaginário, enquanto se posiciona como um paladino da democracia e crítico ferrenho da desigualdade de renda nos Estados Unidos. Curiosamente, faz isso sendo, ao mesmo tempo, branco e rico — atributos que seus seguidores frequentemente detestam, mas que são sutilmente camuflados em sua narrativa. Enquanto se ergue como o campeão da justiça social e da igualdade, seus próprios privilégios são cuidadosamente ocultados. Defende apaixonadamente a criação de um sistema de saúde público, a gratuidade do ensino superior e a luta contra as mudanças climáticas. Em suma, almeja transformar os EUA em algo que, ironicamente, se assemelharia ao Brasil, na crença de que isso seria a salvação.

Andrew J. Taylor, professor da NC State Universty, alertou: uma nova geração, alheia ao assombroso histórico do socialismo, está se rendendo à tentadora canção da "Terceira Via". E quem são os maestros dessa orquestra desafinada? Nada menos que o grupo fanático de apoiadores de Sanders, autointitulado "socialista democrático". Enquanto os millennials flertam com os ideais socialistas, colhem os frutos do livre mercado. O dr. Paul Kengor, diretor acadêmico do Instituto para Fé e Liberdade do Grove City College, apresenta dados alarmantes em seu livro. Preparem-se para o choque: 25% dos millennials veem Lênin com bons olhos, 32% acreditam, com a maior seriedade, que George W. Bush foi um vilão maior que Joseph Stálin, 53% veem o socialismo como algo benigno, e uma pesquisa do Instituto Gallup, mostrou que 69% dos Millenials disseram que estariam dispostos a votar num candidato socialista para presidência dos EUA.

E a lista de desatinos não para por aí: inacreditáveis 42% são virtualmente ignorantes sobre Mao Tsé Tung, ou mal arranham a superfície do terror que ele desencadeou na China. O Grande Salto Adiante, por exemplo, uma verdadeira obra-prima de políticas catastróficas, precipitou a maior fome da história mundial, eliminando brutalmente entre 50 e 60 milhões de vidas em meros quatro anos. E como esquecer a Política do Filho Único? Um exercício draconiano em controle populacional, que para “convencer” as famílias quanto ao número permitido de crianças, recorria a medidas extremas como abortos forçados e esterilizações compulsórias. É uma história de horror que, incrivelmente, muitos dos nossos jovens desinformados mal conhecem ou, pior, romantizam de forma alarmante. Que Rothbard nos ajude a iluminar essas mentes perdidas.

Agradeço a Deus que Sanders não se elegeu, preservando assim os Estados Unidos – e por extensão o mundo – de um experimento prático nos artifícios sombrios do socialismo. Certamente, um desastre evitado por pouco! E agora, enquanto nos preparamos para a possível reeleição de Trump, o que nos aguarda não são exatamente piqueniques no parque. Antecipemos, em vez disso, o avanço do grotesco protecionismo e um festim de gastos governamentais inflados — mas, claro, essa é uma saga para ser contada em outro momento.

No entanto, concedamos ao velho Bernie ao menos um mérito: a sinceridade. Numa era onde políticos parecem competir em uma Olimpíada de dissimulação, ele sobe ao pódio como um campeão da franqueza. Despido de eufemismos e ambiguidades, empunha a bandeira do socialismo com um fervor quase admirável, revelando sem rodeios suas verdadeiras convicções e objetivos. É uma honestidade rara, embora guiada por ideias profundamente equivocadas.

Após a Queda do Muro de Berlim e o desmantelamento do império soviético, testemunhamos uma impressionante reescrita da história. Professores, intelectuais, jornalistas e diversos membros da elite financeira empenharam-se em negar a realidade inescapável de que o socialismo tem sido a direção dominante imposta pelos arquitetos da cultura política sobre a civilização ocidental, incluindo os Estados Unidos. A despeito do fato de que o governo, utilizando-se da fachada democrática, agora controla todos os aspectos da vida e da sociedade, infiltrando-se de maneira insidiosa e perversa nos bolsos dos cidadãos, há uma recusa obstinada por parte de políticos, comentaristas, grupos de interesse e da mídia em reconhecer e denominar esse gigantesco crescimento governamental como “socialismo”.

Essa negação sistemática não é mera ignorância ou erro de julgamento; é uma estratégia deliberada para obscurecer a verdadeira natureza do sistema que se impõe sobre nós. A burocracia governamental cresce descontroladamente, erodindo liberdades individuais e sufocando a iniciativa privada sob o peso de regulamentações opressivas e impostos exorbitantes. Em nome da democracia e do bem comum, a sociedade está sendo conduzida para o que Friedrich Hayek sabiamente chamou de "Caminho da Servidão", onde a autonomia do indivíduo é constantemente minada pela mão pesada do estado.

Muitos dos que defendem essa expansão governamental, como Sanders e cia, se apresentam como benfeitores da humanidade, argumentando que a intervenção estatal é necessária para garantir a justiça social e a igualdade. No entanto, essa retórica altruísta esconde uma agenda mais sinistra: a centralização do poder nas mãos de uma elite tecnocrática que se vê como os legítimos guardiões do destino coletivo. Esses planejadores sociais e econômicos, frequentemente abrigados nas instituições acadêmicas e nos altos escalões do governo, desprezam a capacidade do indivíduo de tomar decisões por si mesmo e acreditam que apenas eles possuem a sabedoria e a visão para dirigir a sociedade.

Hoje, poucos estariam dispostos a admitir que o que estamos experimentando é, na verdade, algo chamado de “socialismo”. A persistente recusa em chamar esse sistema pelo seu verdadeiro nome é uma tentativa de mascarar a extensão da transformação que está ocorrendo. Enquanto o controle do governo se expande, o espaço para a liberdade individual se contrai. Isto não é um acidente histórico, mas o resultado de décadas de planejamento e engenharia social, onde a autonomia do cidadão comum é sacrificada no altar de um estado onipresente. Em última análise, essa negação da realidade e essa manipulação da linguagem servem para perpetuar a dominação estatal. A resistência a esse crescente socialismo camuflado exige de nós um compromisso firme com os princípios da liberdade individual e da responsabilidade pessoal.

 

Afinal, Sanders não é um Democrata?

Por isso, é sempre importante lembrar, a visão libertária considera a democracia um sistema fundamentalmente falho. Para os libertários, a democracia é como um jogo de "todos contra todos", onde a única regra é explorar o máximo possível antes que o próximo governante ou grupo tome o poder. Em um ambiente democrático, não há incentivos para pensar a longo prazo; ao contrário, prevalece uma corrida desenfreada para explorar recursos o mais rápido possível. A lógica é simples: se você não aproveitar essas oportunidades, alguém mais o fará, deixando você de mãos vazias.

Essa mentalidade de curto prazo leva inevitavelmente a um uso irresponsável e insustentável dos recursos, em detrimento do bem-estar futuro da sociedade. Governantes democráticos, preocupados principalmente com sua reeleição, tornam-se mestres em distribuir favores e benefícios imediatos, ignorando as consequências de longo prazo. O resultado? Uma economia mal administrada, onde a riqueza é constantemente redistribuída para apaziguar os eleitores, ao invés de ser investida de maneira sustentável.

Mas a ironia não para por aí. Na tentativa de corrigir os problemas causados por sua própria miopia, os democratas frequentemente recorrem a políticas cada vez mais intervencionistas. Mais regulamentações, mais controle governamental, e, claro, mais impostos. Cada falha da democracia é vista como uma justificativa para ainda mais intervenção estatal. Assim, a democracia inevitavelmente conduz ao socialismo.

 

Uma nova roupa para um velho rei

O socialismo, sempre astuto, adotou uma nova vestimenta. As pregações de Bernie Sanders não têm como objetivo formar uma aliança entre os trabalhadores do campo e da cidade na luta pelo estabelecimento da Ditadura do Proletariado. Ele não se limita ao campo econômico ou político. Em vez da antiga retórica raivosa da causa operária, este novo socialismo foi domesticado por Antonio Gramsci, Herbert Marcuse e pela Escola de Frankfurt para acalmar a consciência culpada da sociedade burguesa, parida na Revolução Sexual dos anos 1960.

No lugar de lutar pelos proletariados explorados, agora se volta ardentemente para uma nova gama de "fracos e oprimidos". Estamos falando dos sem-teto, dos famintos, dos desempregados, das mulheres e vítimas de violência de gênero e doméstica, dos indígenas, dos negros, dos gays e lésbicas, dos motoristas de aplicativos, dos entregadores de delivery, dos veganos, frutívoros, do cãozinho caramelo e da capivara Filó — em resumo, qualquer um que possa ser incluído no amplo espectro das minorias marginalizadas.

Alberto Mansueti lembra que, o socialismo foi “cristão” muito antes de ser democrático, fabiano, lassalleano ou marxista. Os franciscanos radicais na Idade Média eram tão socialistas quanto os anabatistas radicais na Reforma, e citavam as mesmas passagens bíblicas que os posteriores teólogos da Libertação metralhadora em punho. Karl Marx era um desconhecido exilado alemão trancado no Museu Britânico, em meados do século XIX, quando os mais famosos promotores ingleses do socialismo eram os anglicanos proeminentes da revista “Christian Socialist”: Charles Kingsley, John Ludlow e muitos outros. A fase ateia e materialista na longa história do socialismo talvez tenha sido apenas um breve parêntese: entre 1917 e 1989.

O socialismo pode ter vestido muitas roupas, algumas caras e outras baratas, ao longo dos tempos, mas sua essência permanece inalterada: uma busca incessante pelo controle total, ora sob o manto da religião, ora sob a bandeira da razão. E, como sempre, seus inimigos também permanecem constantes: a liberdade individual, a propriedade privada e o mercado livre.

Sob o disfarce da religião, o socialismo prometeu um paraíso terrestre onde todos seriam iguais, não pela nobreza do espírito, mas pela coerção do estado. Prometia um mundo onde o pecado da propriedade privada seria erradicado, substituído pela utopia do bem comum. Sob a bandeira da razão, o socialismo se revestiu das vestes da ciência e do progresso, clamando que a lógica e a justiça demandavam a centralização do poder, a abolição da propriedade privada e a regulação minuciosa da vida cotidiana. Não importa a roupagem que vista, seja a batina de um padre revolucionário ou o jaleco de um cientista social, o socialismo mantém sua essência: o controle total sobre a vida dos indivíduos.

Com tudo isso em mente, podemos ver com clareza a verdade sobre o socialismo. Ao invés de um mundo de abundância e igualdade, o socialismo trouxe apenas a sombra da opressão e a miséria coletiva. É um verdadeiro "canto da sereia", sedutor em seu apelo, mas fatal em suas consequências.

Temos a opção de ouvir a bela sinfonia da liberdade e da prosperidade. Imagine por um momento: o som harmonioso dos princípios defendidos por gigantes do pensamento econômico, como Ludwig von Mises, Thomas Sowell, Murray Rothbard, Hans-Hermann Hoppe e Friedrich Hayek. Cada um deles, com sua maestria única, nos mostrou como a liberdade econômica, a responsabilidade individual e os mercados livres conduzem à verdadeira prosperidade.

Pense nas nações e indivíduos que seguiram esse compasso. Eles não apenas sobreviveram; eles prosperaram. Eles construíram sociedades onde a inovação floresce, onde o trabalho árduo é recompensado e onde a dignidade humana é respeitada. Ao adotar esses princípios, qualquer um de nós pode pavimentar seu caminho rumo ao sucesso e à felicidade.

Então, a escolha é sua: ouvir a melodia desengonçada e de promessas vazias de Bernie Sanders ou abraçar a sinfonia da liberdade e da prosperidade que já provou ser eficaz. 

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Isaias Lobão

Isaias Lobão Pereira Junior é professor de história e teologia. Casado com Talita, pai da Ana Clara e do Daniel. Presbiteriano. Gosta de pamonha de sal e de escutar músicas dos anos 1970. Visite seu site: http://isaiaslobao.com.br

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