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Como aplicar a Escola Austríaca de Economia nos investimentos - parte II

Aprofundando as lições austríacas nas finanças

02/07/2024

Como aplicar a Escola Austríaca de Economia nos investimentos - parte II

Aprofundando as lições austríacas nas finanças

Na parte 1 apresentei como a perspectiva austríaca diverge da opinião comum e como isso pode significar boas oportunidades no mercado. Nesse artigo vou apresentar aplicações práticas de três das principais teorias austríacas em nossas análises de mercado e no processo de tomada de decisões financeiras.

 

Carl Menger e a teoria subjetivista

Boa parte do que falei na parte 1 é derivado da teoria subjetivista formulada por Carl Menger, que argumentou que o valor de um bem é subjetivo e depende das percepções individuais de valor dos agentes econômicos. Da mesma forma, no mercado financeiro, o valor de um ativo pode variar de acordo com a percepção e as expectativas dos investidores. Isso significa que o preço de um ativo não necessariamente reflete seu valor “intrínseco”, mas sim uma média da avaliação subjetiva dos investidores sobre seu potencial de retorno.

Aplicação 1

O grosso dos recursos no mercado financeiro são recursos institucionais. Um investidor que investe em nome de uma instituição e de terceiros naturalmente terá uma orientação de buscar retornos no curto prazo - por conta da sua remuneração, pelo viés de mercado (de não ficar atrás de seus pares), ou pela responsabilidade de lidar com recursos de terceiros. Enquanto os juros estiverem atrativos, entre garantir um retorno razoável na renda fixa ou se arriscar na renda variável, esse tipo de investidor tenderá a concentrar recursos na renda fixa. O investidor pessoa física, com baixa preferência temporal, pode explorar esses momentos para comprar ações negociadas a múltiplos mais atrativos.

Perceba como apenas o fato de entendermos que o investidor institucional possui uma diferente percepção de valor por conta de seu horizonte temporal, nos dá uma tranquilidade maior mesmo para ir na contramão do mercado.

Aplicação 2

Na dinâmica da economia moderna, em alguns momentos o preço de alguns bens e serviços pode cair tanto, a ponto de o custo de algumas empresas para produzi-los tornar a operação inviável (principalmente no mercado de commodities). Alguns analistas deduzem que esse cenário representa uma boa oportunidade de compra, afinal o preço de um bem não pode se manter inferior ao seu custo de produção.

Aplicando a teoria austríaca, sabemos que o preço de um bem é formado a partir da percepção subjetiva dos agentes econômicos, e não do trabalho dedicado a ele. O custo de uma operação obviamente influencia seu preço final, mas não é o fator determinante. Uma queda de preço pode representar que o mercado não mais enxerga tanta utilidade para aquele bem. Alguns bens podem simplesmente se tornar menos úteis.

Os custos, da mesma forma, também são subjetivos. Cabe aos empreendedores descobrirem meios de reduzirem seus custos para se manterem lucrativos.

Uma análise sobre a perspectiva de qualquer negócio jamais deve se basear nos seus custos, mas no valor que ele gera para a sociedade.

 

Böhm-Bawerk e a Teoria do Capital

A teoria bawerkiana do juro e do capital enfatiza o papel da poupança no processo de produção e serviu de base para a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), posteriormente desenvolvida por Mises e Hayek.

Böhm-Bawerk afirma que para que haja um aumento da produtividade, é necessário que haja uma abstenção prévia de consumo, para que esses recursos possam, então, ser destinados à produção de bens de capital que, por sua vez, proporcionam um aumento do nível de produção.

No famoso exemplo de Robinson Crusoé, em sua ilha onde se alimenta de peixe, ele precisa passar o dia pescando para obter os 3 peixes que consome diariamente, não sobrando tempo para qualquer outra atividade. Visando melhorar seu bem-estar futuro, ele decide reduzir temporariamente seu consumo de peixes, pescando apenas 2 peixes por dia durante duas semanas. O tempo que sobra ele dedica à construção de uma rede de pesca (bem de capital). Com sua nova rede, Crusoé agora consegue pescar 5 peixes despendendo a mesma quantidade de tempo que levava para pescar apenas 1 peixe. Ele passa a aproveitar o tempo excedente em outras atividades, como na construção de uma cabana onde possa descansar melhor e de uma jangada que o permita percar peixes maiores. Ao criar essas etapas de produção, Crusoé aumentou significativamente sua produtividade e seu bem-estar.

Aplicação

Negócios que optam por desenvolver uma estrutura de produção mais “roundabout”, priorizando reinvestir na operação em vez de distribuir lucros, investindo em infraestrutura, projetos de longo prazo, CAPEX (capital expenditure), pesquisa e desenvolvimento (P&D), preferencialmente com capital próprio ou contraindo dívida em momentos estratégicos do ciclo econômico, além de serem mais sustentáveis a longo prazo e apresentarem bons cases de crescimento, tendem a ser negligenciados pelo mercado, que está em constante busca por retornos de curto prazo. Entre notáveis cases de sucesso de empresas que cresceram aplicando esses princípios está a Amazon e a Weg (WEGE3); a nível de sociedade, a Inglaterra e os EUA da segunda metade do século XIX, durante a Revolução Industrial e a “era Dourada” também são exemplos.

Para encontrar essas empresas, vamos buscar por: um alto nível de investimentos em CAPEX (gastos de capital) e P&D; baixo payout (percentual dos lucros distribuídos em dividendos), afinal queremos que ela reinvista seus lucros; uma evolução do ROE (retorno sobre equity) e do ROI (retorno sobre investimento) ao longo do tempo; e, preferencialmente, indicadores de uma boa qualidade da dívida.

 

Mises, Hayek e a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

A TACE é a contribuição mais famosa da Escola Austríaca. Ela descreve a cadeia de eventos consequentes da manipulação das taxas de juros e da moeda. Vou apresentar brevemente a teoria e então, explicar algumas formas de aplicá-la aos nossos investimentos.

Por que não há crise quando o crédito é lastreado em poupança?

Em uma economia onde as taxas de juros são formadas naturalmente pelo mercado, elas irão refletir a poupança e a preferência temporal dos consumidores. Conforme a qualidade de vida das pessoas aumenta, elas tendem a reduzir a sua preferência temporal (voltando sua ação para o longo prazo), optando por poupar para o futuro em vez de gastar.

Conforme o nível de poupança aumenta, o crédito se torna mais farto e os juros, consequentemente, ficam mais baixos. As taxas de juros sinalizam aos empreendedores quais projetos são ou não economicamente viáveis.

Quando o governo reduz artificialmente os juros (geralmente com o intuito de aquecer a economia para fins políticos) e facilita o crédito, ele cria uma informação distorcida, fazendo parecer que aqueles projetos que naturalmente não seriam viáveis, passaram a se mostrar viáveis por conta do baixo custo do financiamento.

Os empreendedores, que anteriormente destinavam recursos para atender demandas mais imediatas, recebem um sinal: projetos de longo prazo, que demandam um tempo maior de maturação e exigem um investimento mais alto, agora são viáveis.

Produtos de alto valor agregado exigem uma série de investimentos prévios e tempo, até que o produto final seja maturado e ofertado ao mercado. Alguns projetos exigem um nível de roundaboutness tão elevado, que pode levar décadas para que sejam concluídos, antes que comecem, de fato, a proporcionar lucro. Por isso, é tão importante que os juros estejam baixos.

A grande diferença entre quando o crédito é artificial e quando é lastreado em poupança é que, quando há uma poupança prévia, significa que houve uma economia real de recursos, que, no lugar de estarem sendo destinados para atender demandas mais imediatas, são direcionados para projetos de longo prazo.

Os empreendedores calculam quais projetos são ou não viáveis com base no custo da dívida e, claro, em sua habilidade de enxergar as reais demandas dos consumidores. Os melhores capitalistas são aqueles capazes de canalizar recursos da melhor forma possível para atender às demandas sociais (Kirzner).

Quando o crédito é artificialmente expandido apenas por conta de um aumento da oferta monetária, a quantidade de recursos materiais (crédito, mão de obra, aço, petróleo, máquinas…) necessários para esses empreendimentos não aumenta magicamente. A impressão de que os projetos de longo prazo se tornaram viáveis é fruto da expansão monetária. As análises de viabilidade econômica se tornam distorcidas, pois apesar dos juros sinalizarem uma oportunidade para investimentos a longo prazo, a nova estrutura de produção não estará em equilíbrio com a demanda real dos consumidores.

O que acontece então é que esses novos projetos passam a demandar recursos que também estão sendo demandados para os projetos já em andamento. Antes que esse aumento de demanda sinalize ao mercado para que aumente a oferta desses insumos, esses recursos começam a escassear. Surge uma pressão para uma alta dos preços dos bens.

Quando a inflação chega, o custo de produção das empresas (dos novos e antigos projetos) aumenta e elas passam a demandar mais crédito para manter a operação. Os preços ao consumidor também começam a subir em ritmo mais elevado, assim como os juros comerciais consequentemente.

O governo, então, se vê frente a duas opções: aumentar a sua aposta em aquecer a economia, facilitando ainda mais crédito ao mercado e aumentando a pressão inflacionária, ou acabar com a “farra” e subir os juros.

Em algum momento, aumentar a aposta não será mais uma saída, dado que a inflação atingirá níveis insuportáveis, prejudicando a popularidade do governo, que precisará subir os juros para controlar a inflação.

Quando esse movimento acontece, o crédito barato escasseia e o custo daqueles projetos de longo prazo que ainda não são capazes de gerar frutos fica insustentável. Muitos declaram falência ou são abandonados; mesmo entre aqueles projetos já finalizados, alguns percebem que não havia demanda real para sua oferta e também podem falir. Mises chama essa má alocação de recursos de malinvestments. Toda a estrutura da economia, que se organizou para atender àquelas novas demandas, é afetada. Desemprego em cadeia, calotes, crise de liquidez e mais falências acabam sendo outras consequências.

Após amenizada a inflação e a economia relativamente reorganizada (com os fatores de produção voltando a se ajustar às reais demandas), o governo eventualmente volta a cortar os juros, dando início a uma nova fase de expansão…

 

Aplicando a TACE aos investimentos

Aplicação 1: Alinhar a carteira de investimentos aos sinais do ciclo econômico.

1ª fase do ciclo (Expansão):

  • No início da fase de expansão, damos continuidade à estratégia adotada na fase de recessão, montando uma posição gradualmente mais arrojada nos investimentos, priorizando os ativos de renda variável, cases de crescimento, ouro, enquanto na renda fixa ainda conseguimos travar taxas boas e explorar a marcação a mercado.

2ª fase (Pico):

  • Os primeiros sinais de pico podem ser percebidos pelo início da alta dos preços, juros rumando a patamares insustentáveis (que começam a divergir muito dos juros comerciais), empresas fazendo IPOs e follow-ons a cada semana a níveis surreais de valuation e um “oba-oba” na mídia e entre investidores.

Nessa fase, muitos erram, ou por sair cedo demais, ou tarde demais. Por isso, nessa fase, o mais razoável é fazer as mudanças gradualmente. Na medida que os sinais ficam mais evidentes, vamos reduzindo exposição em ativos de risco e títulos de longo prazo, adotando uma postura mais conservadora, priorizando liquidez, títulos pós fixados de empresas financeiramente sólidas (que nesse momento estarão oferecendo taxas superatrativos) e indexados à inflação de curto prazo. Aumentar a diversificação em mercados de países estáveis também pode ser uma boa alternativa. Os mais arrojados podem explorar posições “shorteadas”, que se valorizam na queda do mercado, como a compra de opções de venda (PUT).

3ª fase (Contração):

  • Na medida que os dados econômicos enfraquecem, os juros futuros sobem e o mercado vai entrando em consenso de que os valuations estão muito absurdos. Os preços começam a corrigir. Essa é a fase mais rápida do ciclo. Em meio ao desespero do mercado, é comum encontrar empresas negociando a múltiplos ridiculamente baixos.

A liquidez da sua carteira vai ser essencial para manter a sua sanidade e aproveitar possíveis oportunidades.

Caso tenha montado estratégias “shorteadas”, você enfrentará o dilema de quando se desfazer da posição. Para evitar frustrações, desfazer aos poucos pode ser o mais razoável.

Nesse momento podem aparecer oportunidades para comprar opções de compra (CALL) de ações.

4ª fase (Recessão):

  • Nessa fase, muitos investidores perdem a paciência com seus investimentos e cometem os maiores erros. Emocionalmente, é menos doloroso uma queda de 30% em poucas semanas do que acompanhar uma queda acumulada de 15% ao longo de três anos, pois o sentimento de estagnação incomoda muito mais.

Ao longo da recessão, vamos montando, aos poucos, uma posição mais arrojada nos investimentos, comprando ações a múltiplos atrativos, enquanto na renda fixa, conforme os juros ficam mais altos, começam a surgir oportunidades interessantes nos indexados à inflação e prefixados. Suas posições pós-fixadas e indexadas à inflação estarão segurando sua carteira.

 

Aplicação 2: Análise do balanço de empresas e setores

A TACE pode nos ajudar a identificar a fragilidade ou solidez das empresas dentro de cada etapa do ciclo.

Por exemplo: uma empresa que, em plena fase de pico do ciclo, está com uma baixa reserva, tem uma dívida elevada de curto prazo, margens apertadas e ainda tem uma receita instável, apresenta um risco muito alto (que não estará bem precificado no meio do “oba-oba”). Essas características tornam uma empresa vulnerável a choques econômicos e podem levar a dificuldades quando o ciclo econômico entrar em fase de contração.

Já aquelas empresas que possuem uma boa reserva e uma boa dívida, mais importante que estarem preparadas para passar por uma turbulência sistêmica, estão mais preparadas que seus concorrentes. Em uma eventual crise em seu setor, terá um poder de barganha muito maior em relação aos seus concorrentes e poderá aumentar seu market share.

Setores muito sensíveis aos juros, como o de construção civil, industrial e automotivo exigem uma análise mais cautelosa e uma entrada mais “certeira”, pois serão sempre segmentos de maior risco.

Ao analisar um balanço, vamos avaliar a solidez e liquidez dos seus ativos e sua capacidade de arcar com suas dívidas, das quais vamos avaliar prazos e indexadores.

 

Aplicação 3: Alinhe seus objetivos ao ciclo econômico

Pode parecer simples, mas quando estamos falando de objetivos, temos emoções envolvidas, que acabam nublando nosso raciocínio.

Um exemplo bem comum é o da compra de um imóvel.

No imaginário popular, dívida é assimilada como algo ruim, mas na verdade, a alavancagem, no momento certo, pode proporcionar boas oportunidades.

Quando a Selic chegou na casa dos 6% a.a. em 2018, nos anos seguintes, os juros imobiliários chegaram à casa dos 7,5% a.a.. Com a Selic a dois dígitos, nos últimos anos, os juros imobiliários estiveram na casa dos 11% a.a..

Em um financiamento de R$ 700.000, por exemplo, a diferença do custo total dessa dívida em 360 meses seria de quase R$ 400.000.

E mesmo que você tenha dinheiro para quitar a dívida do seu imóvel, entre investir a um juro de dois dígitos ou amortizar uma dívida de 8% a.a., manter a dívida e investir o dinheiro seria uma melhor decisão financeira (psicologicamente, pode ser uma decisão razoável tirar essa dívida das suas costas).

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Arthur Falcão

É planejador financeiro, especialista em Escola Austríaca de Economia. É aluno do Mises Academy.

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