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Economia

A aprovação dos ETFs e o futuro do Bitcoin

15/03/2024

A aprovação dos ETFs e o futuro do Bitcoin

Em 10 de janeiro, mais de uma década após a primeira requisição de um Exchange-Traded Fund (ETF) à vista do Bitcoin, a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) finalmente aprovou onze requisições no mesmo dia. As negociações começaram no dia seguinte, 11 de janeiro. A recente rodada de aprovações ocorre após muita expectativa. O primeiro pedido de ETF à vista de Bitcoin foi em 2013, da Gemini, uma empresa cofundada pelos irmãos Winklevoss. A SEC rejeitou o pedido da Gemini em 2017, bem como o pedido subsequente da mesma empresa novamente em 2018.

Os fundos negociados em bolsa (ETFs) permitem que os investidores ganhem exposição à volatilidade dos preços do Bitcoin sem ter que investir diretamente no Bitcoin. Observe que a SEC geralmente se refere aos ETFs utilizando-se do acrônimo ETP (produtos negociados em bolsa); Os ETFs são apenas um tipo de ETPs.

O sentimento geral em toda a esfera Bitcoin foi de entusiasmo. A Bitcoin Magazine classificou a aprovação da SEC como “um marco histórico na evolução da adoção do Bitcoin nos mercados financeiros tradicionais”. O investidor Balaji Srinivasan referiu-se a decisão como “a reversão espiritual da Ordem Executiva 6102” (referindo-se à apreensão do ouro de propriedade particular dos cidadãos dos Estados Unidos pelo presidente Franklin Delano Roosevelt em 1935). Para muitos, a aprovação relutante da SEC foi vista como uma espécie de validação institucional para o Bitcoin – especialmente depois de anos de descrédito por figuras como Warren Buffet, Jamie Dimon e Elizabeth Warren.

Mesmo em seu pronunciamento oficial após a aprovação do ETF, o presidente da SEC, Gary Gensler, alertou que “o Bitcoin é primariamente um ativo especulativo e volátil que também é usado para atividades ilícitas, incluindo ransomware, lavagem de dinheiro, evasão de sanções e financiamento do terrorismo”. (Gensler ignora, convenientemente, que as moedas fiduciárias, incluindo o dólar americano, também são usadas para todos os fins acima especificados).

Gensler também observou que a SEC essencialmente não tinha escolha a não ser aprovar os ETFs à vista do Bitcoin, uma vez que “o Tribunal de Apelações dos EUA para o Distrito de Columbia considerou que a Comissão não conseguiu explicar adequadamente seu raciocínio ao desaprovar a listagem e negociação do ETP solicitado pela Grayscale… ”.

Mas um sentimento revigorante veio da Comissária da SEC, Hester Peirce, em um pronunciamento próprio. Em sua declaração, Peirce acusou a SEC de tratar os ETPs Spot de Bitcoin de forma desigual (mais severamente do que) outros tipos de aplicações de ETP ao longo dos anos. Como ela disse, “as regras eram alteradas ao longo do jogo enquanto a Comissão carimbava ‘NEGADO’ pedido após pedido”.

A declaração completa da Comissária Peirce é merecedora de leitura, mas o parágrafo final em particular reflete o que considero ser uma posição de princípio consistente com uma sociedade livre:

Não estou celebrando o Bitcoin ou produtos relacionados ao Bitcoin; o que um regulador pensa sobre o Bitcoin é irrelevante. Estou celebrando o direito dos investidores americanos de expressar suas opiniões sobre o Bitcoin, comprando e vendendo ETPs de bitcoin à vista. E estou celebrando a perseverança dos participantes do mercado em tentar lançar um produto que acreditam que seja o que os investidores desejam. Louvo a persistência de uma década dos requerentes face à obstrução da Comissão.

Uma perspectiva pessoal

Quer os reguladores que são mais hostis ao Bitcoin (e à “cripto” em geral) gostem ou não, a aprovação dos ETFs Spot de Bitcoin pela SEC fornece uma forte contra-narrativa à objeção “Bitcoin é para drogas e lavagem de dinheiro”. A aprovação certamente tem o potencial de aumentar substancialmente o poder de compra do Bitcoin ao longo do tempo (que podemos facilmente medir usando seu preço denominado em moedas fiduciárias) à medida que novo dinheiro institucional flui para o Bitcoin.

No entanto, há duas coisas a serem observadas aqui: uma em relação ao consenso do Bitcoin e outra em relação à autocustódia.

  1. Consenso

Como o Bitcoin tem um modelo de governança altamente descentralizado, nenhuma parte interessada ou múltiplas partes interessadas em conluio (mineradores, operadores de full node, programadores, usuários, exchanges, provedores de carteira, processadores de pagamento) são capazes de alterá-lo em seu próprio benefício sem chegar a um consenso junto a todos outros players da rede. Satoshi Nakamoto, criador do Bitcoin, entendia de incentivos e um pouco de teoria dos jogos.

À medida que as grandes instituições financeiras aumentam as suas participações (direta ou indiretamente) em Bitcoin ao longo do tempo, é provável que haja uma enorme pressão para alterar as regras do Bitcoin no sentido, por exemplo, do cumprimento das sanções do Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Tesouro dos EUA. (Para entender o atual clima regulatório, observe que em 2022, o OFAC começou a sancionar operações de mineração de criptografia na Rússia e até mesmo endereços de carteira Ether supostamente conectados a hackers norte-coreanos).

No Bitcoin, as normas existentes servem como um ponto de Schelling: um ponto de consenso onde as pessoas convergem sem muita coordenação. Como tal, não é difícil imaginar um chamado hardfork acontecendo em visões concorrentes do protocolo Bitcoin, resultando em uma divisão em duas moedas separadas, ambas se autodenominando “Bitcoin” (esta não seria a primeira vez). O primeiro “Bitcoin” seria favorável aos reguladores e teria apoio institucional. O segundo seria um Bitcoin “raiz” sem necessidade de permissão e resistente à censura, como irei me referir a ele aqui para simplificar.

Se tal divisão acontecesse, poderíamos imaginar os reguladores nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, proibindo as bolsas de criptomoedas de facilitar as negociações do Bitcoin “raiz” que existe hoje. Além disso, os mineiros do Bitcoin “raiz” podem sofrer ataques pesados por vários motivos (com uma agenda de energia verde, por exemplo), empurrando as suas operações para países menos alinhados politicamente com os Estados Unidos e a Europa. (E, como observação lateral, isto complicaria ainda mais a capacidade dos governos americano e europeu de sancionar qualquer país à vontade).

Para ser claro, nenhum desses ataques à rede de pagamento do Bitcoin “raiz”, gratuita e aberta, iria matá-la. Longe disso. Mas acaba por marginalizar seus defensores e usuários para a “periferia”, do ponto de vista jurídico. Além disso, o que os inimigos políticos e regulatórios do Bitcoin ignoram é que quanto mais intensificam os ataques contra ele usando meios (às vezes) legalmente questionáveis e autoritários, mais eles – ironicamente – aumentam a proposta de valor para uma rede de pagamento gratuita e aberta. Ou seja, a repressão contra ela cria por si só a sua própria demanda. Isto acontece porque as pessoas que vivem em regimes autoritários procuram ferramentas para manter algum elemento de dignidade humana.

  1. Autocustódia

Quanto à autocustódia, vale a pena revisitar rapidamente o que Satoshi originalmente tinha em mente. Seu artigo original referia-se ao Bitcoin como um “Sistema de Dinheiro Eletrônico Ponto a Ponto”. Ponto a ponto significa que não são necessários custodiantes terceirizados centralizados. Na verdade, afastar-se completamente de terceiros centralizados foi o principal avanço que o Bitcoin alcançou após algumas décadas de debates sobre Cypherpunk e tentativas anteriores. (Veja minha tabela detalhada para mais informações).

Como David Waugh oportunamente constatou, assumir a autocustódia do Bitcoin protege você contra um governo que “poderia ser capaz de confiscar o Bitcoin do gestor de ativos ou ordenar que ele liquide o ETF”.

Talvez sem surpresa, o Departamento do Tesouro dos EUA se refere às carteiras de criptomoedas de autocustódia (“não-custodiais”) de uma forma depreciativa, rotulando-as de “carteiras não hospedadas” – um nome que implica que uma forma legítima de fazer pagamentos (do ponto de vista do Tesouro) é que os usuários de criptomoedas confiem em terceiros (um “provedor”) que possa ser facilmente coagido pelo aparato regulatório a entregar os fundos dos usuários sem necessidade de grandes esforços. Mas mesmo que descartemos o risco de um Estado predatório, as próprias bolsas podem não ser fiáveis, para dizer o mínimo. O serviço de análise de Blockchain Glassnode apurou que, após o colapso da FTX em novembro de 2022, tanto os usuários institucionais quanto os de varejo retiraram fundos de corretoras centralizadas em massa, resultando em saídas líquidas significativas, com os usuários transferindo fundos para autocustódia. A autocustódia protege radicalmente os direitos de propriedade.

Palavras finais

Embora a aprovação há muito esperada pela SEC de um ETF à vista de Bitcoin mereça uma certa comemoração, fique atento ao que vem a seguir. O aparelho estatal irá, na sua maior parte, tratar cada vez mais o Bitcoin como um produto financeiro regulamentado – algo de que a BlackRock e o resto de Wall Street podem lucrar. Como tal, é provável que se torne ainda mais hostil ao conceito de rede de pagamento aberta peer-to-peer que Satoshi imaginou. Os estados-nação continuam com inveja da competição do Bitcoin com o seu dinheiro monopolista inflacionário.

 

Nota dos tradutores:

No Brasil, ETFs de criptoativos já são negociados desde abril de 2021. O primeiro a ser listado na B3 foi o HASH11, da Hashdex. O ativo replica o NCI, índice composto atualmente por uma cesta de oito criptomoedas, cada uma com um peso diferente, sendo as maiores fatias pertencentes ao Bitcoin (69,1%), seguido de Ethereum (28,55%), conforme consulta realizada em março de 2024. Com efeito, o Brasil passou a ser o 2º país no mundo a aprovar um ETF baseado em criptoativo(s), ficando atrás apenas do Canadá, que aprovou o primeiro ETF Spot de Bitcoin apenas 2 meses antes, em fevereiro de 2021.

Desde então, os investidores brasileiros passaram a contar com diversas opções de novos ETFs que possibilitam exposição ainda mais arrojada a criptoativos. As opções vão de produtos 100% focados em Bitcoin, como o BITH11 e o QBTC11, passando por ETFs que destinam 100% de seu capital ao Ethereum, como por exemplo os tickers QETH11 e ETHE11, e termina em opções mais ousadas e de alto grau especulativo, tais como NFTS11, DEFI11 e WEB311, que apostam em nichos específicos, como artes digitais e finanças descentralizadas.

Reguladores brasileiros, entretanto, não impuseram uma jornada tão árdua aos gestores de assets no Brasil, assim como a SEC o fez durante a última década nos Estados Unidos. A CVM permite, inclusive, que os ETFs sejam constituídos por uma cesta de diferentes ativos, algo que a SEC ainda não autorizou, restringindo sua chancela apenas a produtos “puros”, ou seja, que aloquem 100% do seu capital em apenas um ativo por ticker negociado.

 

*Este artigo foi originalmente publicado em AIER.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Emile Phaneuf III & Maicon Zeppenfeld

Emile possui mestrado (duplo diploma) em Economia pela OMMA Business School Madrid e pela Universidad Francisco Marroquín, bem como mestrado em Ciência Política pela Universidade de Arkansas. Maicon é tradutor.

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