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Economia

O mito da armadilha da liquidez

01/04/2008

O mito da armadilha da liquidez


Já que há preocupações de que o risco da malaise econômica japonesa se espalhe para os EUA e para outros países, alguns comentaristas têm tentado revitalizar a velha idéia keynesiana da "armadilha da liquidez."[1] Apesar do fato de que a idéia em si vem da análise da IS-LM feita por J.R. Hicks, a idéia básica vem de J.M. Keynes.[2] Na verdade, o Japão nunca esteve em tal armadilha nos anos pós-1990. Toda a idéia da armadilha é gravemente defeituosa.

De acordo com Keynes, a relação entre investimento e Eficiência Marginal do Capital (EMC) é negativa. Keynes escreveu que, "Para induzir novos investimentos, 'a taxa de retorno sobre o custo deve exceder a taxa de juros'," referindo-se às palavras de Irving Fisher que "usa sua 'taxa de retorno sobre custos' no mesmo sentido e para precisamente o mesmo propósito que eu uso 'a eficiência marginal do capital'."[3]

Assim, já que a diferença entre o retorno e os custos constitui o lucro, Keynes estava basicamente dizendo que para induzir novos investimentos, a taxa de lucro deve exceder a taxa de juros. Mas assim que o investimento aumenta, quaisquer outras oportunidades de investimentos lucrativos são exauridas. Isso significa que a taxa de lucro (EMC) cai e se aproxima da taxa de juros. E assim que ela se aproxima da taxa de juros, os empresários vão parar de investir. Isso se segue da idéia da preferência pela liquidez de Keynes:

"A taxa de juros a qualquer momento, sendo ela a recompensa por se abrir mão da liquidez, é uma medida da relutância daqueles que possuem dinheiro em se desfazer de seu controle líquido sobre ele. A taxa de juros não é o "preço" que equilibra a demanda por recursos para investir com a prontidão para se abster do consumo presente. Ela é, isso sim, o 'preço' que equilibra o desejo de manter riqueza na forma de dinheiro com a quantidade disponível de dinheiro". [4]

E já que os investidores estarão indiferentes entre entesourar o dinheiro e investir, o investimento entra em colapso. De acordo com essas idéias keynesianas, se por alguma razão o investimento, a produção, e o nível de emprego caírem, deve-se chamar o governo para intervir e baixar as taxas de juros. Alternativamente, o governo poderia imprimir dinheiro, já que "[a] expectativa de uma queda no valor do dinheiro estimula o investimento."[5] Também, medidas fiscais como corte de impostos e gastos públicos deficitários são recomendadas, sendo a última preferível devido a um maior efeito multiplicador.

A idéia que Keynes propôs era a de que a relação entre lucros e investimento era negativa. Hicks, quando criou a estrutura da IS-LM, se apoiou nessa idéia. Dentro dessa estrutura, a curva IS representa a relação negativa entre a taxa de lucros e o nível de investimento - relação essa sobre a qual Keynes escreveu.[6] E como o investimento determina o produto, essa relação negativa acaba se transformando em uma relação negativa entre a taxa de lucro e o nível do produto. E em um estilo quase marxista, a relação entre produto e emprego é de 1 pra 1. A armadilha da liquidez ocorreria quando a curva LM, da estrutura IS-LM, fosse horizontal, fazendo com que qualquer intervenção do governo no mercado financeiro seja inútil. Assim, o governo simplesmente não poderia salvar a economia de si mesma, estando ela presa a uma armadilha.

Desse modo, quando alguns comentaristas trazem a idéia de armadilha da liquidez como uma explicação para os problemas japoneses de 1990 em diante, eles estão implicitamente assumindo que há uma relação negativa entre taxa de lucro e investimento. De acordo com essa visão, quando o investimento aumenta, o lucro cai, e quando o investimento cai, o lucro aumenta. Vejamos se essa relação se sustenta para o Japão no período de 1990-2001.

A figura 1 mostra a taxa de lucro - tanto a atual quanto a prevista -, e as mudanças no volume de lucros operados no Japão entre 1990 e 2001 (eixo da esquerda). A figura também mostra as mudanças percentuais no investimento líquido para o mesmo período (eixo da direita). Como a figura revela, a relação está longe de ser negativa. Ao contrário, os dados revelam que a relação é positiva. Quando o investimento cai, o lucro cai, e quando o investimento aumenta, o lucro também aumenta.

Figura 1 - "A taxa de lucro, tanto atual quanto prevista, e as mudanças no volume de lucros operados (eixo da esquerda) vs. as mudanças no investimento líquido (eixo da direita); Japão 1991 - 2000.

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Fontes: The Bank of Japan Tankan: Short-term Economic Survey of Enterprises in Japan (taxa de lucro) e o Economic and Social Research Institute (investimento líquido e volume de lucros operados).

A evidência é conclusiva: o Japão não foi pego em uma armadilha da liquidez.[7]. Além disso, já que a relação foi positiva ao invés de negativa - nesse que é tido como um exemplo didático da armadilha da liquidez -, claramente refutando a idéia da armadilha em si, a evidência deveria encerrar toda a discussão a respeito do risco de a armadilha se espalhar para os EUA e para outros países. Mais ainda: o fato de que a relação foi positiva ao invés de negativa, insinuando que as curvas da EMC e IS deveriam geralmente ter inclinação positiva ao invés de negativa, faz com que os fundamentos das análises keynesianas e hicksianas da IS-LM fiquem abaladas ou até mesmo em colapso.

Reisman (1996, Cap.18) fornece um argumento plausível para a relação positiva entre lucros e investimentos, dizendo que a relação é de quase 1 pra 1 em termos de dólar. Isso ocorre já que o lucro é a diferença entre receita de vendas e custos, ao passo que investimento líquido é a diferença entre gasto produtivo e custos (gasto produtivo é o gasto em bens e trabalho feito pelo empresariado). Sob circunstâncias normais, receita de vendas e gasto produtivo variam quase que da mesma maneira, resultando em uma relação positiva.[8]

As suposições irrealistas da análise da IS-LM ajudam a explicar por que Krugman (1998b) teve problemas ao aplicar a armadilha da liquidez para o Japão. Por exemplo, no eixo horizontal ele troca investimento por consumo, o que é exatamente o oposto de investimento. De certa maneira, isso pode ser visto como uma indicação do fato de que Krugman também percebeu que as idéias keynesianas precisam de uma séria revisão (mas talvez de uma maneira diferente da sugerida por Krugman).

É bastante lamentável que as idéias keynesianas tenham dominado as políticas monetárias e fiscais perseguidas pelo Japão durante esse período estudado, incluindo corte de juros até zero, sérias injeções monetárias e variadas medidas fiscais. Não deve ser nenhuma surpresa para o leitor o fato de que essas medidas falharam completamente. Mas como argumentei em um relatório recente (Johnsson 2003), essas medidas keynesianas não apenas foram ineficientes, e não apenas pioraram as coisas, mas também conseguiram reverter um desenvolvimento favorável ocorrido em meados dos anos 1990. O resultado final dessas políticas keynesianas monetárias e fiscais foi gerar exatamente a situação terrível que se pensava estar combatendo!

As medidas políticas keynesianas também não irão funcionar no futuro, apesar dos conselhos de Neo-Keynesianos como o ganhador do Nobel e ex-economista chefe do Banco Mundial Joseph Stiglitz ou o popular economista Paul Krugman.[9] Keynes escreveu no prefácio da sua Teoria Geral que "eu não posso atingir meu objetivo de persuadir economistas a re-examinar criticamente certas de suas suposições básicas, exceto através de um argumento altamente abstrato e de muita controvérsia."

Ele finaliza o mesmo prefácio dizendo que "a dificuldade está, não nas novas idéias, mas em fugir das antigas." Talvez essas palavras tenham adquirido um novo sentido, dessa vez significando que são das próprias idéias de Keynes que temos que escapar. Ou como Reisman (1996) coloca: "A análise keynesiana está tão errada que está além da redenção. A única e fundamental modificação necessária é seu abandono total."

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Referências:

Hazlitt, H. (1960). The Critics of Keynesian Economics, (ed). Princeton, N.J., 1960.

Hicks, J. R. (1937). "Mr. Keynes and the Classics: A suggested simplification." Econometrica.

Johnsson, R. (2003). "Deflation - "Some Classical Lessons." Working Paper No. 23, The Ratio Institute, 2003. Available at http://swopec.hhs.se/ratioi/.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York: Harcourt, Brace.

Krugman, P. (2003). "No Relief in Sight. " New York Times, 2.28.03

". (2001). "After The Horror." New York Times, 9.14.01.

". (1998a). Why Aren't We All Keynesians Yet?" 8/3/98. Available at (http://www.pkarchive.org/theory/keynes.html)

". (1998b). "Japan's trap." May 1998.

Lahart, J. (2003). Trapped like Japan?, CNN/Money Senior Writer, May 9, 2003.

Reisman, G. (1996). Capitalism: A Treatise on Economics. Jameson Books, Ottawa, Illinois.

Reuters. (2003). Weaker yen may help Japan deflation fight-Stiglitz, April 14, 2003.

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[1] Ver Lahart (2003) e também Krugman (1998b).

[2] Ver Keynes (1936) e Hicks (1937).

[3] Keynes (1936), Capítulo 11, II.

[4] Keynes (1936), Capítulo 13, II.

[5] Keynes (1936), Capítulo 11, III.

[6] Há algumas grandes modificações, como o fato de que Hicks (1937) considera o investimento como dependente de uma única taxa de juros/taxa de lucro. A curva IS não é na realidade uma curva, mas sim um local de equilíbrio, onde a demanda encontra a oferta. Mas a idéia básica ainda é a mesma de Keynes.

[7] Como mostrado em Johnsson (2003), não faz diferença se, ao invés desse método, alguém comparar a taxa de lucro ao Produto Interno Bruto, ou mesmo ao Investimento Bruto ou à Receita Interna Bruta, de acordo com a estrutura de Reisman (1996).

[8] E foi esse argumento que incitou este autor a investigar a situação do Japão. Veja também Hazlitt (1960) para mais críticas das idéias keynesianas.

[9] De acordo com a Reuters (2003), Stiglitz no mesmo dia disse que "o governo japonês poderia estimular a demanda doméstica imprimindo dinheiro, de forma similar ao papel do tesouro americano". Isto é, acima da impressão monetária conduzida pelo Banco do Japão. De acordo com Krugman (1998a, 2001 and 2003), o problema é o baixíssimo nível de gastos, independente do tipo - de tal forma que os gastos combinados com a destruição de arranha-céus ou até mesmo guerras é bom para a economia.

Sobre o autor

Richard C.B. Johnsson

Trabalha no The Ratio Institute em Estocolmo, Suécia. Ele conquistou seu Ph.D. em economia em Março de 2003 na Universidade de Uppsala, Suécia.

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