Economia Comportamental e reflexões sobre racionalidade
O conceito de racionalidade é talvez o mais disputado na Ciência Econômica e diferentes escolas de pensamento econômico recorrem a diferentes conceitos de racionalidade. Contudo, fruto da hegemonia da escola neoclássica, a maioria dos economistas subscrevem a ideia de que o agente econômico maximiza a utilidade (homo economicus).
Assim, todo o indivíduo é capaz de, em qualquer momento, selecionar a melhor ação dentro do seu leque de opções, não se deixando enganar por distrações, impulsos ou erros de cálculo. O leitor lembra-se daquela vez em que comeu demasiado e se sentiu indisposto? Ou de quando prometeu deixar de fumar e não conseguiu? Tudo isto estaria excluído no edifício teórico neoclássico.
Foi do reconhecimento desta lacuna que surgiu a Economia Comportamental. O seu desenvolvimento ocorreu em duas fases: a primeira nos anos 1940 impulsionada pelos trabalhos do economista Herbert Simon, e uma segunda com a investigação de Kahneman e Tversky nos anos 1970, fase esta que se estende até aos dias de hoje, com os trabalhos do próprio Kahneman (“Thinking, Fast and Slow”) mas também com os autores de “Nudge” , Richard Thaler and Cass Sunstein. Que estes livros sejam best-sellers e os seus autores laureados com o Nobel, demonstra a proeminência que esta área de investigação adquiriu.
É inegável que a Economia Comportamental representou uma “lufada de ar fresco” na Ciência Econômica, questionando sobretudo alguns dos pressupostos tomados por inquestionáveis. Neste artigo, porém, proponho refletir sobre as suas limitações e potenciais excessos no seu uso para o desenho de políticas públicas.
Algumas das descobertas feitas por esta disciplina chamam atenção para a existência de vieses no nosso comportamento: a tendência para sobrevalorizar o momento presente (“present bias”) que nos leva a gastar mais dinheiro do que devíamos, comer mais do que devíamos e a procrastinar; a tendência para desvalorizar estatísticas e sobrestimar as nossas chances de sucesso( “optimism bias”); a tendência de dar maior valor a algo apenas porque já o possuímos (“endowment effect”); ou ainda o “availaibility bias” , isto é, a nossa tendência para sobrestimar a frequência de dado acontecimento apenas porque “está mais fresco” na nossa memória (maior relutância em andar de avião depois da noticia de uma queda).
Tudo isto, se refletirmos, é algo que todos vivenciamos. Mas é irracional? E, se sim, em função de que critério? Os economistas comportamentais acreditam que sim. E é este o erro fundamental desta disciplina: embora rejeite a visão de racionalidade neoclássica como uma descrição de como atuamos no mundo real, a maioria dos seus proponentes adere ainda à ideia de que esta deveria ser a forma como deveríamos agir. Assim, Thaler e Sunstein propõe medidas (“nudges”) que nos aproximariam desse conceito ideal de racionalidade e que nós próprios escolheríamos caso não fossemos afetados pelos tais vieses, o que os autores chamam de “libertarian paternalism”.
Mas como podemos saber o que é melhor para o individuo?
Pense no seguinte exemplo: um indivíduo que gasta a maioria do seu rendimento durante uma fase inicial da sua vida e chega falido à idade da reforma. Para um observador externo, esta pessoa sobrevalorizou o momento presente e por isso não poupou o suficiente (sofreu do “present bias”). Em seguida, o analista diria que deveriam ser criados mecanismos para fazer poupar mais. Contudo, é bem possível imaginar que esta pessoa tenha uma maior preferência por usufruir do seu dinheiro na sua juventude do que em idade avançada (utilidade maior). Como decidir qual das duas é a correta? É uma preferência ou um viés? Não estaremos a ser normativos?
Além disso, economistas argumentam ainda que alguns vieses podem ter um efeito positivo no nosso comportamento. Um exemplo clássico é o já referido “optimism bias”, em que existe alguma evidência que indivíduos mais propensos a este viés acabam efetivamente por ter maior sucesso profissional. Além disso, é possível argumentar que pessoas que sofrem mais com este viés sejam mais felizes. Ou não é bom sermos otimistas? O ponto essencial não é negar a existência de vieses (embora alguns sejam discutíveis), mas sim evidenciar que não é possível perceber de que forma estes afetam os nossos comportamentos quando analisados numa forma holística e, deste modo, demonstrar que nem sempre estes vieses devem ser “corrigidos”.
É ainda importante considerar que a maioria dos vieses estudados pela Economia Comportamental são feitos de forma isolada. Contudo, vários vieses podem “atuar” em conjunto, podendo reforçarem-se mutuamente ou contrariar-se. Imagine que o João tem de estudar para o exame nacional. Por um lado, ele é muito impaciente e sobrevaloriza o presente, o que o leva a querer divertir-se com os amigos e não estudar (“present bias”) ; por outro, apresenta um grande confiança em relação aos potenciais benefícios que um bom resultado neste exame possam ter (“optimism bias”), o que o faz estudar mais. Qual dos dois vieses é mais forte? Cancelam-se? Devemos tentar alterar a forma como o João age e, se sim, como? A resposta é tudo menos óbvia.
Um último ponto deve ser referido para ilustrar uma outra dificuldade de desenhar políticas publicas recorrendo às descobertas da Economia Comportamental. Pessoas diferentes serão afetadas não só por vieses distintos, mas também com diferentes intensidades. Como deverá uma política ser desenhada para acomodar esta heterogeneidade de comportamento?
Em suma, não é de todo claro que a Economia Comportamental perceba em toda a dimensão o conceito de vieses e a sua utilidade na forma como atuamos, quando analisado duma forma holística. Como resultado, para que politicas públicas que se propõem a corrigir estes “problemas” sejam efetivas, estes problemas metodológicos têm de ser ultrapassados. Com todos os prós e contras, é inegável que quer o programa da Economia Comportamental quer as críticas subsequentes que gerou permitiram avanços na Ciência Econômica, contribuindo para um debate mais rico e ouso mesmo dizer… racional.
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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.
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