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Os nazistas não eram marxistas

Mas eram socialistas

08/11/2023

Os nazistas não eram marxistas

Mas eram socialistas

O abjeto fracasso prático dos revolucionários marxistas no período pós-Primeira Guerra Mundial causou muitos danos à sua imagem como vanguarda do progresso social.

A explicação para este fracasso nos escritos de Mises, Max Weber e Boris Brutzkus levou muitos economistas a reverem as suas opiniões sobre o escopo adequado do governo na sociedade. Mas outros permaneceram defensores impenitentes do estado total. Eles se limitaram a rejeitar a agenda especificamente igualitária dos socialistas.

O líder incontestado deste grupo foi Werner Sombart, a maior estrela entre os economistas do entreguerras na Alemanha. Sombart iniciou sua carreira popularizando o marxismo nos círculos acadêmicos com seu livro de 1896, “Sozialismus und soziale Bewegung im 19. Jahrhundert” (Socialismo e Ação Social no Século XIX).[i] Edições posteriores testemunharam o crescente distanciamento de Sombart em relação aos seus ideais marxistas iniciais. A décima edição, que apareceu com um novo título em 1924, apresentava uma demolição total do socialismo marxista.[ii] Sombart voltou-se para a corrente principal do socialismo schmollerista, que defendia o estado total sem uma agenda igualitária.[iii]

As qualidades intelectuais de Sombart lhe renderam um lugar de destaque. Enquanto a maioria dos intelectuais marxistas se apegava dogmaticamente aos princípios de Marx e Engels, Sombart procurou analisar e desenvolver as suas doutrinas com uma mente crítica em busca de objetividade. Isto tornou o seu trabalho o alvo perfeito para uma crítica profunda à corrente intelectual do socialismo antimarxista, e Mises forneceu tal crítica num artigo com o título “Antimarxismus” (Antimarxismo).

Já no seu artigo sobre controles de preços, Mises salientou que as deficiências do intervencionismo não resultavam da agenda igualitária que alguns governos perseguiam, mas da natureza da própria intervenção governamental, nomeadamente, a violação dos direitos de propriedade privada. O socialismo e o intervencionismo eram sistemas econômicos destrutivos, quer fossem explicitamente igualitários ou não. Seriam formas inadequadas de organização social, mesmo que perseguissem algum outro ideal de distribuição – até mesmo a meritocracia. Pode haver certas semelhanças superficiais entre uma sociedade livre e uma sociedade não igualitária controlada por um estado total, mas elas ainda seriam essencialmente diferentes:

 

“Aparentemente, o ideal social do estatismo não é diferente do ideal do sistema social do capitalismo. O estatismo não procura destruir o tradicional sistema legal e converter formalmente toda a propriedade privada de produção em propriedade pública. (...) Contudo, em sua substância, todas as empresas deveriam ser dirigidas pelo governo. Nestas condições, os proprietários conservariam seus nomes e marcas registradas no seu produto e teriam direito a uma renda “apropriada” ou “adequada à sua posição social”. Todo negócio torna-se uma repartição e toda ocupação um serviço público. (...) Os preços são fixados pelo governo, e é o governo que determina o que deve ser produzido, como deve ser produzido e em que quantidade. Não há especulação, nem lucros “extraordinários”, nem perdas. Não há inovação, à exceção do que é determinado pelo governo. O governo orienta e supervisiona tudo”.

 

Mises mostrou que o erro na ideia do estado onipotente nada tem a ver com a agenda específica do estado. O governo não é onipotente se o seu objetivo for melhorar a “vida coletiva” (em oposição à de meros agregados de indivíduos). Mas também não é onipotente se procura melhorar o bem-estar da totalidade dos cidadãos individuais. Em ambos os casos, a intervenção governamental é contraproducente. Segue-se que a distinção consagrada pelo tempo e aparentemente significativa entre individualismo e coletivismo é de importância apenas secundária. A distinção principal é entre políticas que funcionam e políticas que não funcionam, o que por sua vez leva à distinção entre uma ordem social baseada na propriedade privada (que funciona) e aquelas ordens sociais que dependem de violações dos direitos de propriedade privada (que não funcionam).

Portanto, não vem ao caso se a economia é dirigida por indivíduos ou por coletivos – desde que sejam preservados os direitos de propriedade de todos os membros individuais dos coletivos. Segue-se também que o tamanho da empresa não tem importância. Desde que a propriedade privada seja respeitada, as decisões de compra dos consumidores recompensam apenas as empresas que oferecem os melhores produtos. Se essas empresas forem maiores que outras, que assim seja.[iv]

Mises enfatizou este fato contra as doutrinas de Dietzel, Karl Pribram e Spann, que tiveram uma grande influência no pensamento político do entreguerras na Alemanha e, após a Segunda Guerra Mundial, no mundo ocidental em geral. Dietzel e Pribram apoiaram o individualismo, enquanto Spann defendeu o coletivismo, mas todos concordaram que estas eram as categorias finais e que todos os pontos de vista políticos derivavam delas.[v] Mises discordou.

Ele argumentou que havia um ponto de vista que não derivava nem do individualismo nem do coletivismo, nomeadamente, o método utilitário de análise social.[vi] Ele já tinha provado o quão bem sucedido este método era na análise dos problemas estáticos e dinâmicos dos “todos” sociais, tais como as comunidades linguísticas, e enfatizou que a análise de tais todos é o próprio objetivo da ciência social teórica.[vii] Era falacioso acreditar que a ação individual pudesse ser compreendida fora do seu contexto social mais amplo, tal como era falso que a compreensão adequada dos todos sociais exigisse que a própria análise social fosse holística.

O método utilitário por si só era verdadeiramente científico porque rastreava todos os fenômenos sociais até os fatos da experiência:

 

“A doutrina social utilitarista não se dedica à metafísica, mas tem como ponto de partida o fato estabelecido de que todos os seres vivos afirmam a sua vontade de viver e crescer. A maior produtividade efetuada com a divisão de trabalho, quando comparada com a ação isolada, produz uma união cada vez mais forte entre indivíduos em associação. Sociedade é divisão e associação de trabalho”.

 

Cada pessoa procura melhorar o seu bem-estar, e o trabalho cooperativo é mais produtivo do que o trabalho isolado. Portanto, na medida em que o crescimento do bem-estar de uma pessoa pressupõe maiores quantidades de bens materiais, a pessoa pode atingir melhor os seus fins através do envolvimento numa divisão do trabalho. É assim que a sociedade surge.

Todos os elementos desta explicação econômica da sociedade são fatos verificáveis. Em contraste, as doutrinas do individualismo e do coletivismo não se prestam a qualquer explicação causal da origem da sociedade porque se baseiam em postulados e não na análise de fatos. E Mises prosseguiu mostrando que a mesma crítica também se aplicava à teoria marxista da luta de classes proletária. Ele não negou que a história humana apresentava muitos conflitos grupais e que eles muitas vezes tinham grande importância no curso dos acontecimentos. Em vez disso, argumentou que as teorias de luta em voga – das quais a teoria marxista da luta de classes era apenas um exemplo particular – pretendiam ser muito mais do que realmente eram. Os conflitos de grupos não eram, nem poderiam ser, os elementos básicos da vida humana. A verdadeira questão era, em primeiro lugar, como qualquer grupo poderia surgir. Era preciso primeiro explicar a formação dos grupos antes de poder explicar a luta entre eles. Mas todos os teóricos da luta, incluindo Marx, falharam nesta frente.

A razão desta negligência não é difícil de detectar. É impossível demonstrar um princípio de associação que exista apenas dentro de um grupo coletivo e que seja inoperante fora dele. Se a guerra e a luta são as forças motrizes de todo o desenvolvimento social, porque é que isto deveria ser verdade apenas para classes, raças e nações, e não para a guerra entre todos os indivíduos? Se levarmos esta sociologia da guerra à sua conclusão lógica, não chegaremos a nenhuma doutrina social, mas a “uma teoria da insociabilidade”.

Mises salientou que a teoria da luta de classes de Marx sequer conseguiu dar uma explicação empírica do seu conceito mais básico. O que é uma “classe” no sentido marxista? Marx nunca o definiu. “E é significativo que o manuscrito póstumo do terceiro volume de Das Kapital pare abruptamente no lugar que deveria tratar das classes”. Mises continuou:

 

“Desde a morte de Marx, já se passaram mais de quarenta anos, e a luta de classes tornou-se a pedra angular da moderna sociologia alemã, mas ainda continuamos a aguardar sua definição e delimitação científicas. Não menos vagos são os conceitos de interesses de classes, condições de classes e luta de classes, assim como as ideias sobre as relações entre condições, interesses de classes e ideologia de classes”.

 

Werner Sombart, juntamente com a grande maioria dos sociólogos alemães dos quais era o líder indiscutível, adotou a visão marxista de que a luta de classes proletária era a força motriz definitiva nas sociedades modernas. Ele era agora um oponente da ideologia marxista, mas as suas análises ainda permaneciam marxistas. Ele simplesmente se absteve de tirar todas as conclusões práticas, que Marx e os marxistas haviam deduzido consistentemente, da teoria da luta de classes. Ele não forneceu e não poderia fornecer uma alternativa ao cenário marxista de evolução social. A sua única objeção veio sob a forma de um postulado: as coisas não deveriam acontecer como aconteceriam de acordo com a teoria da luta de classes, portanto o governo deveria resistir a tais desenvolvimentos. No entanto, com esta admissão, Sombart e a maior parte dos sociólogos alemães abandonaram novamente o domínio da ciência e entraram no domínio da religião e da ética. Na verdade, Sombart defendeu um regresso às formas medievais de organização social – as corporações –, tal como Keynes, na Inglaterra, propôs “um regresso, pode-se dizer, às concepções medievais de autonomias separadas”.[viii] Da mesma forma, os poucos teóricos que criticaram exaustivamente o conceito de luta de classes de Marx, como Othmar Spann, maravilharam-se com as alegadas bênçãos do nacional-socialismo na Idade Média.

Mises concluiu:

 

“Para qualquer pensador, que se preocupe com a precisão científica, o ponto censurável do marxismo está na teoria, que, entretanto, parece não incomodar os antimarxistas. (...) O antimarxismo desaprova apenas os sintomas políticos do sistema marxista, não o conteúdo científico. Lastima os danos causados ao povo alemão pelas políticas marxistas, mas não vê os danos causados à vida dos intelectuais alemães pela vulgaridade e deficiência dos problemas e soluções propostas pelos marxistas. Acima de tudo, os antimarxistas não conseguem perceber que os problemas políticos e econômicos são consequências dessa calamidade intelectual. Não avaliam a importância da ciência para a vida diária e, sob a influência do marxismo, acreditam que a história é formada por uma “força real” em vez de ser um produto de ideias”.

 

O “antimarxismo” causou indignação entre os marxistas. Qual foi o pecado de Mises? Primeiro, ele ousou criticar o grande mestre com uma análise penetrante das deficiências incuráveis ​​da teoria da luta de classes de Marx. Em segundo lugar, ele argumentou novamente que, de um ponto de vista econômico, o socialismo marxista não era essencialmente diferente dos vários novos tipos de nacional-socialismo que começaram a surgir na década de 1920, principalmente em reação contra os movimentos marxistas. Assim, uma fração dos socialistas italianos, que rejeitaram os ensinamentos de Marx e se autodenominaram “fascistas”, ascendeu ao poder sob a liderança de Benito Mussolini. Houve também um movimento de “Nacional Socialistas” não marxistas na Alemanha. O pai deste movimento foi Friedrich Naumann que, por uma estranha coincidência, mais tarde veio a ser considerado o padrinho do liberalismo alemão do século XX.[ix] O líder dos Nacional-Socialistas desde a década de 1920 até o seu amargo fim foi, claro, Adolf Hitler.

Os socialistas marxistas opõem-se veementemente a serem classificados sob a mesma categoria que inclui os socialistas fascistas e os nacional-socialistas. Mas, como Mises mostrou, todas as distinções entre estes grupos estão na superfície. Economicamente, eles estão unidos.

 

Esse texto foi retirado do livro Mises: O último cavaleiro do liberalismo.

 

Esse artigo foi originalmente publicado em Mises Institute.

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[i] Antes do aparecimento de Sombart, as universidades alemãs recebiam os escritos de Marx de forma muito crítica. Também nos Estados Unidos, a ascensão do marxismo encontrou as mesmas reservas nos círculos acadêmicos, até que, cerca de 45 anos depois de Sombart, Joseph Schumpeter popularizou Marx como um pensador importante no seu Capitalism, Socialism e Democracy (Nova Iorque: Harper & Linha, 1942).

[ii] Werner Sombart, Der proletarische Sozialismus (“Marxismus”), 10ª ed., 2 vols. (Jena: Gustav Fischer, 1924).

[iii] Aqui está a coisa mais favorável que Mises tinha a dizer sobre Sombart: “Ele era altamente talentoso, mas em nenhum momento se esforçou para pensar e trabalhar seriamente. (...) E, no entanto, foi mais estimulante conversar com Sombart do que com a maioria dos outros professores. Pelo menos ele não era estúpido e obtuso”. Mises, Erinnerungen (Stuttgart: Gustav Fischer Verlag, 1978), p. 68; Notes and Recollections (Spring Mills, Penn.: Libertarian Press, 1978), p. 103.

[iv] Keynes estava convencido de que, ao atacar e criticar o individualismo, tinha destruído a defesa do laissez-faire. Ver John Maynard Keynes, The End of Laissez-Faire (Londres: Hogarth Press, 1926), pp. 39f. O postulado de uma dicotomia entre individualismo e coletivismo levou Keynes a antecipar a agora famosa visão coaseana sobre o problema da organização social ideal. Assim, Keynes supôs que o “tamanho ideal para a unidade de controle e organização se situa em algum lugar entre o indivíduo e o estado moderno” (ibid., p. 41). A teoria coaseana é melhor expressa em Ronald Coase, The Firm, the Market, and the Law (Chicago: University of Chicago Press, 1988).

[v] Heinrich Dietzel, “Individualismus”, Handwörterbuch der Staaswissenschaften, 4ª ed. (1923), vol. 5; Alfred Pribram, Die Entstehung der individualistischen Sozialphilosophie (Leipzig: Hirschfeld, 1912); Othmar Spann, Der Wahre Staat (Leipzig: Quelle & Meyer, 1921).

[vi] Mises, Uma Crítica ao Intervencionismo, p. 97:

“Em última análise, não há conflito de interesse entre a sociedade e o indivíduo, já que cada um pode perseguir seus interesses com mais eficiência na sociedade, do que atuando isoladamente. Os sacrifícios que o indivíduo faz em prol da sociedade são meramente temporários: cede numa pequena vantagem, a fim de conseguir outra maior. Essa é a essência da frequentemente citada doutrina da harmonia de interesses”.

[vii] “O que é a sociedade, como se origina, como muda – só estes podem ser os problemas que a sociologia científica se coloca”. Mises, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (Indianapolis: Liberty Fund, 1981). Para ser perfeitamente claro, Mises acreditava que a análise positiva da emergência e da transformação dos todos sociais tinha de se basear no individualismo metodológico. Com base nesta análise, poder-se-ia aplicar o método utilitário, ou seja, levantar a questão de saber se determinada política era adequada para atingir os seus objetivos. Othmar Spann rejeitou não apenas o individualismo como orientação política, mas também como dispositivo metodológico.

[viii] Keynes, The End of Laissez-Faire, pp. 42f.

[ix] Ver Ralph Raico, Die Partei der Freiheit (Stuttgart: Lucius & Lucius, 1999), cap. 6.

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Jörg Guido Hülsmann

É membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism.

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