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Economia

O problema do transporte público

Quando o capital é aplicado em um setor, ele deixa de ser aplicado em outro

15/09/2023

O problema do transporte público

Quando o capital é aplicado em um setor, ele deixa de ser aplicado em outro

Um amigo meu trabalha no setor público, especificamente no trânsito. Quando lhe pedi para me dizer qual a importância que via no “transporte público” para a sociedade, ele respondeu:

“Você deve ser da idade da pedra! O transporte público cumpre uma função importante. Ele fornece transporte para pessoas que não podem pagar por soluções privadas e resolve o problema de congestionamento e poluição em cidades lotadas. E pode fazer algumas dessas coisas melhor do que a iniciativa privada, especialmente no que diz respeito a pessoas pobres longe de seus empregos”.

Mas como funciona o setor privado, exatamente? Muitas pessoas pensam em lucro como um palavrão, algo explorador. Elas atribuem julgamentos morais a empreendimento com fins lucrativos. Ainda assim, o conceito de lucro, principalmente quando combinado com seu corolário (prejuízo), tem um valor social.

Como disse Ludwig von Mises, em Lucros e Perdas (esta e todas as citações seguintes):

“No sistema capitalista de organização econômica da sociedade, os empreendedores determinam o curso da produção. Na realização dessa função, estão incondicional e totalmente sujeitos à soberania do público comprador, os consumidores”.

Além do mais, o livre mercado é a forma mais pura de democracia:

“Os consumidores, por intermédio de compras e abstenções de comprar, elegem os empreendedores como se participassem de um plebiscito que se repete diariamente. Determinam quem deveria possuir e quem não, bem como o que corresponderia a cada proprietário (...). Entretanto, a escolha não é inalterável e pode ser corrigida diariamente (...)”.

“Cada voto dos consumidores acrescenta somente um pouco à esfera de ação do homem eleito. Para atingir os níveis mais elevados do empreendedorismo, precisa obter um grande número de votos, repetidos uma e outra vez durante um longo período de tempo – uma série prolongada de proezas bem-sucedidas. Deve estar, todos os dias, sujeito a novo julgamento; deve submeter-se, mais uma vez, à reeleição – por assim dizer”.

Na economia moderna, o cálculo monetário permite aos participantes saberem se estão produzindo valor e qual pode ser o valor de seu “capital”, pois permite calcular lucros e perdas. Assim, no setor privado, as decisões que afetam os recursos escassos da economia, como os usados ​​para o transporte público, são tomadas pela aplicação desse teste de lucros e perdas aos planos de negócios. Isso garante que os consumidores estejam de fato recebendo as coisas de que precisam com mais urgência, o que Mises chama de problema econômico primário.

Também garante que o capital esteja nas melhores mãos – aqueles que sabem como fornecer esses bens mais urgentemente necessários com o máximo de lucro. Assim, os empreendedores bem-sucedidos tornam-se cada vez mais os administradores desse capital, de modo que ele seja alocado para seus fins mais valiosos.

É importante ressaltar que o capital deve ser valorizado pelo consumidor: “Lucros e perdas são gerados pelo sucesso ou fracasso em ajustar o curso das atividades produtivas à demanda mais urgente dos consumidores”.

Os departamentos públicos, ignorando o teste de lucros e perdas, podem não atender com eficácia às necessidades do consumidor. Isso pode levar à má alocação de recursos e ao desperdício de capital.

Mas que estrutura de incentivos, pergunta Mises, existe no setor público que visa o problema econômico primário?

“Nenhum bem deve ficar sem ser produzido pelo fato de que os fatores necessários para sua produção foram usados ​​– desperdiçados – para a produção de outro bem para o qual a demanda do público é menos intensa”.

Veja bem, o problema não é apenas se o governo está fornecendo as coisas de que as pessoas precisam, mas se está fornecendo essas coisas sem sacrificar algo que as pessoas precisam mais.

Essencialmente, como o governo ignora lucros e perdas, “eles estão, dentro dos limites traçados pela quantidade de capital à sua disposição, em posição de desafiar os desejos do público”.

Um sistema de preços no setor privado permite o cálculo do valor de um serviço em comparação com outros bens sociais. Mas, ao contornar esse sistema, os serviços públicos eliminam uma ferramenta crítica que ajuda a priorizar recursos escassos e entender as necessidades do consumidor na sociedade.

Além disso, a empresa privada é responsável perante seus consumidores e acionistas.

Os serviços prestados pelo governo, como monopólios, muitas vezes levam à estagnação e à menor produtividade devido à falta de concorrência. Os monopólios estatais também correm o risco de distorcer os benefícios, dado o incentivo ao comportamento de rent-seeking e outros possíveis abusos devido à desconexão na prestação de contas aos consumidores e investidores. E um monopólio do setor público, uma vez que ignora lucros e perdas e não pode, portanto, calcular se os recursos que cooptou estão sendo usados ​​para seus fins mais valiosos, sempre verá a necessidade de mais gastos, especialmente quando oferece serviços “gratuitos” ou com desconto.

 

O caso do transporte público

Como resultado, a demanda por transporte público é subsidiada e incentivada, mas o provedor não tem como saber se os recursos que está desviando de outras áreas de produção potencial não atenderiam melhor aos consumidores daquela área do que desta.

Os serviços públicos muitas vezes parecem carecer de recursos devido à demanda artificialmente alta.

Além disso, é essencial desafiar a suposição de que a escassez de estradas é um problema que ocorre naturalmente, e não uma consequência da interferência do governo. A forma como as cidades são organizadas e, portanto, o layout de seus sistemas de trânsito, também pode ser atribuída à intervenção governamental. O livro de Walter Block, The Privatization of Roads and Highways, explora muitas maneiras pelas quais o setor público torna as estradas e rodovias piores do que seriam em mãos privadas. A “tragédia dos comuns” é um problema em todos os “bens” públicos.

A ausência de um sistema de preços “funcional” não permite que as pessoas racionem o bem ou serviço entre si. É importante perceber que toda intervenção transfere o poder econômico das mãos dos consumidores para as mãos dos produtores, seja o ente governamental ou um oligarca protegido. Como disse Mises, “o resultado de [qualquer intervenção] é afrouxar o controle que os consumidores mantêm sobre o curso da produção”. Assim, se você administra uma empresa do setor público, está substituindo o valor que os consumidores atribuem à coisa.

A noção de que o transporte público está oferecendo algo que o sistema de mercado não pode fazer ou deixou de fazer é sempre duvidosa, pois há muitos exemplos empíricos em que os sistemas de mercado ofereceram melhores soluções em tempo real, mesmo neste setor.

Em um mercado livre, os consumidores têm uma ampla gama de opções, cada uma adaptada às suas necessidades específicas. Compare isso com um sistema controlado pelo estado, onde as opções padrão são a norma e a falta de escolhas pode ser frustrante e ineficaz para os consumidores.

Assim, embora o transporte público pareça uma boa ideia, ele atropela as necessidades mais urgentes dos consumidores, reduz as escolhas do consumidor e introduz as armadilhas dos monopólios – entregando menos por mais, clientelismo e desperdício. É função do empresário em um sistema de mercado “tomar decisões” (para “agir”) em relação ao emprego do escasso capital disponível para seu uso mais lucrativo. A evolução dos preços e da livre troca permite o cálculo de custos e lucros para esse fim expresso. Quanto mais intensa for a demanda do consumidor, mais lucrativa será a produção do bem.

Tais incentivos levam os empreendedores a alinharem a produção com as demandas mais urgentes dos consumidores (suas preferências). A emergência do lucro sinaliza um desajuste nesse alinhamento. Ela surge porque a mudança é uma constante na vida, que traz infinitas oportunidades para empreendedores que observam os problemas que precisam ser resolvidos. E “os altos lucros são a prova de que eles cumpriram bem sua tarefa de remover os desajustes da produção”.

Os lucros estimulam o aumento da produção até chegar a um ponto em que os custos de oportunidade do capital eliminam a oportunidade de lucro e começam a indicar outros fins de maior valor para as unidades adicionais desse bem de capital. Mas nenhum desses cálculos é possível sem precificação de mercado de bens de capital e de consumo.

Ninguém estaria em condições de calcular os retornos de capital usados ​​para avaliar o uso que gera mais lucro, pois é o que os consumidores devem estar exigindo com mais urgência.

O transporte público atinge seu objetivo de fornecer soluções de transporte para os necessitados?

Bem, claro. Mas a que custo não podemos saber. Só podemos saber que ele cria e subsidia as demandas da infraestrutura existente e a disponibilidade de capital.

Não podemos saber se os burocratas estão prestando o serviço economicamente, se o melhor burocrata está no comando da operação ou se o capital está sendo usado a serviço do problema econômico primário.

Mas se esses argumentos são tão claros, por que temos bens públicos e o setor público fornecendo-os? As chances são boas de que o capital esteja sendo desperdiçado em bens que os burocratas valorizam mais do que o consumidor no esquema das coisas.

Será que os burocratas são bem-intencionados, como meu amigo, ou se deleitam em ser irresponsáveis ​​e poderosos, em posição de distribuir favores a seus comparsas fornecedores? Sem dúvida, também é uma captura de dinheiro e impostos por todos os usuários gratuitos do sistema.

Em economia, muitas vezes é o invisível que não é compreendido. No caso do capital desperdiçado, o invisível é o que poderia ter acontecido se esse capital fosse desviado para onde os consumidores precisavam mais urgentemente dele.

 

Esse artigo foi originalmente publicado em https://mises.org/wire/problem-public-transit 

 

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Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

Sobre o autor

Ed Bugos

Analista de mineração, investidor independente e analista sênior do The Dollar Vigilante, com mais de 35 anos de experiência no negócio de investimentos.

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