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Economia

O “socialismo ético” e o anticapitalismo

O declínio econômico e a dissolução da sociedade são uma escolha da sociedade

16/08/2023

O “socialismo ético” e o anticapitalismo

O declínio econômico e a dissolução da sociedade são uma escolha da sociedade

O socialismo é impossível não porque o homem ainda é moralmente muito inferior, mas porque as tarefas que uma economia socialista colocaria em prática não podem ser resolvidas pela razão humana.

 

Eudemonismo

Do ponto de vista sócio-filosófico, surge a escolha entre, por um lado, uma ordem social baseada na propriedade privada dos meios de produção e, por outro, um sistema social baseado na propriedade comum dos meios de produção. Do ponto de vista da ética eudemonista, ela depende do desempenho das duas formas básicas concebíveis da sociedade.

O termo eudemonismo, que Mises usa para seu ponto de vista, vem do grego εὐδαιμονία (Eudaimonia). Denota o bom (eu) espírito (daimon) associado à busca da felicidade. Para os pensadores antigos, era considerada uma conclusão antecipada que a ética eudemonista e, portanto, um estilo de vida orientado para a felicidade, era o objetivo de todas as pessoas que pensam bem. Esse pressuposto é considerado o “axioma eudemoníaco”.

Segundo Ludwig von Mises (Socialismo, 1932, p. 385), as religiões são incapazes de construir sobre elas uma teoria social útil. Isso só pode ser construído sobre uma base eudemonista do ponto de vista do utilitarismo. É justamente o fato de Jesus não ter sido um reformador social que se estabeleceu o sucesso do Cristianismo. A doutrina cristã original é desprovida de qualquer ética aplicável à vida terrena. A mensagem básica do Cristianismo é preparar-se para o tempo da volta do Senhor.

Nem a igreja primitiva nem a igreja medieval são adequadas para a fundação do socialismo cristão. Isso só surgiu como resultado das lutas religiosas do século XVI. O liberalismo econômico surgiu junto com o iluminismo e o racionalismo e cresceu em oposição à igreja estabelecida. Como tal, o liberalismo derrubou os poderes com os quais a Igreja viveu em aliança por muitos séculos (pág. 393).

Ao longo da história até os dias atuais, o Cristianismo serviu a ambos os grupos com igual injustiça: aqueles que queriam apoiar a ordem social vigente e aqueles que queriam derrubá-la. Há cristãos que lutam pelo socialismo e aqueles que lutam contra ele. É um esforço inútil basear a instituição da propriedade privada dos meios de produção nos ensinamentos de Cristo – ou vice-versa.

Seria, portanto, uma falsa expectativa esperar que a fé cristã se defendesse contra a disseminação de doutrinas antipropriedade. O evangelho não é socialista, não é comunista, mas contém ressentimento contra a propriedade. A mensagem cristã de salvação não fornece um fundamento suficiente para construir sobre ela uma doutrina social que afirme a interação social dos seres humanos (pág. 390).

Mises enfatiza que a sociedade não é um fenômeno natural ou dado por Deus, mas um produto da vontade e da ação. A sociedade é possível pelo fato de que cada um, ao perseguir suas próprias preocupações, ao mesmo tempo promove os interesses dos outros. Na sociedade, cada indivíduo é ao mesmo tempo um meio e um fim. O bem-estar do indivíduo é a condição para o bem-estar dos outros. Assim, na sociedade, a oposição entre você e eu é abolida. Para as pessoas em sociedade, a oposição entre meios e fins foi superada. A própria sociedade não persegue um objetivo. As pessoas individuais têm objetivos. O propósito mais elevado e último do indivíduo é a melhor satisfação possível de seus desejos.

 

Doutrina Social Utilitarista x Anticapitalismo Ético

A ética filosófica racionalista, tal como originalmente desenvolvida por Immanuel Kant (1724-1804), também padece do descaso com o fundamento utilitário-eudemonista da sociedade. Na forma geral, o princípio de Kant é:

“Aja apenas de acordo com aquela máxima pela qual você pode, ao mesmo tempo, querer que ela se torne uma lei geral”. Immanuel Kant: “Grundlegung zur Metaphysik der Sitten”, Akademieausgabe (1785, Vol. IV, p. 421).

Por outro lado, os apologistas do socialismo ético referem-se à outra variante do fundamento da ética de Kant, que é:

“Aja de tal forma que você use a humanidade, tanto em sua pessoa quanto na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como um fim, nunca meramente como um meio” (Kant, ibidem, pág. 429).

Com base nisso, afirma-se que, na ordem econômica baseada na propriedade privada dos meios de produção, todo ou parte do povo seria considerado como um meio e não como um fim. Como, segundo o imperativo ético de Kant, o homem não deve ser transformado em meio, o “socialismo ético” rejeita o capitalismo.

A falácia nessa visão é que, em qualquer sociedade, o homem é sempre um fim e um meio. Cada pessoa individualmente vê inicialmente em todas as outras um meio de realizar seus objetivos. Mas o indivíduo só alcança esse objetivo quando se prova a todos os outros como meio para a realização de seus fins. Através dessa interação, na qual cada ser humano é ao mesmo tempo um fim e um meio, alcança-se o objetivo maior da convivência social como facilitação de uma existência melhor para todos.

“Como a sociedade só é possível quando cada um, vivendo a sua própria vida, ao mesmo tempo promove a dos outros, quando cada indivíduo é ao mesmo tempo um meio e um fim, quando o bem-estar de cada indivíduo é ao mesmo tempo a condição para o bem-estar dos outros, supera-se nela mesma a oposição entre você e eu, entre meios e fins” (Mises, Socialismo, 1932, p. 401).

 

Igualitarismo

Aqueles que defendem a maior igualdade de rendimentos possível devem estar cientes de que este objetivo só pode ser alcançado renunciando à realização de outros objetivos. Os defensores da igualdade de renda e riqueza não prestam atenção ao fato de que, com a realização de sua demanda por igualdade, a quantidade de riqueza e renda não permanece inalterada. A abolição da propriedade privada dos meios de produção é necessariamente acompanhada por uma queda acentuada do rendimento nacional. Corretamente colocada, a questão é, portanto, se se é a favor de uma distribuição igualitária de renda, mesmo com menor prosperidade para as massas populares, ou a favor da desigualdade de renda e riqueza com um nível mais alto de prosperidade (pág. 405).

“Não é que uns sejam pobres porque outros são ricos. Se você quisesse substituir a ordem social capitalista por outra em que não há diferença no tamanho da renda, você tornaria todos mais pobres. Por mais paradoxal que possa parecer para o leigo, os pobres também têm o que lhes flui só porque há ricos” (pág. 406).

Ao contrário de todas as sociedades anteriores, a sociedade capitalista moderna tem a vantagem de que o indivíduo tem a chance de se tornar próspero e até mesmo rico através do trabalho e do empreendedorismo. No passado, a riqueza e a pobreza eram em grande parte determinadas pelo nascimento. Isso é diferente na sociedade capitalista. No capitalismo competitivo, é mais fácil para os ricos se tornarem pobres e os pobres se tornarem ricos. Na ordem econômica do capitalismo, não há lugares para descansos contemplativos (pág. 407).

Entre os defensores do ideal de igualdade, a falta de compreensão das condições da união social das pessoas se combina com o ressentimento daqueles que se saíram mal. O socialismo ético mostra-se incapaz de compreender os problemas da vida social. Por causa dessa falta de noção, ele dá aos seus seguidores uma falsa sensação de segurança e despreocupação infantil. Os adeptos do socialismo ético acreditam que, se houvesse mais igualdade, poderiam facilmente resolver as questões sociais, pelo que o seu ressentimento lhes dá o poder da indignação e podem contar com o eco de pessoas com ideias semelhantes.

“Onde a consideração racional é suspensa, o caminho está aberto para o romantismo. O antissocial no homem triunfa sobre a mente” (pág. 409).

Os românticos sócio-políticos carecem de percepção da essência dos negócios como ela prevalece sob o capitalismo. Zombam dos cidadãos e desprezam sua suposta “moral comercial”. Enquanto os românticos da vida social são cegos para as conquistas da cultura burguesa, eles prestam uma atenção extraordinariamente aguçada a todas as enfermidades da vida, que ingenuamente atribuem à inadequação das instituições sociais, o capitalismo (pág. 410).

Os românticos sócio-políticos sempre focam apenas naqueles que não estão indo bem. Eles são cegos para a magnificência da cultura capitalista, que criou e espalhou uma prosperidade para qual o estilo de vida de todas as cortes reais dos tempos antigos parece pobre. Os apóstolos da igualdade denunciam o capitalismo porque ele ainda não tornou todas as pessoas prósperas.

Os românticos da igualdade política “viram apenas a sujeira e a miséria que ainda se agarravam à cultura capitalista como um legado do passado, nunca os valores que ela mesma criou” (pág. 410).

Sem a propriedade privada dos meios de produção, não há outra produção a longo prazo que não seja correr de mão em boca para as próprias necessidades. O socialismo significaria que as fábricas, minas e ferrovias ficariam paralisadas e as cidades ficariam desoladas.

“A irrealizabilidade do socialismo não está enraizada na esfera moral, mas na esfera intelectual. Porque uma sociedade socialista não pode calcular, não pode haver economia comum. Mesmo os anjos, se fossem apenas dotados de razão humana, não poderiam formar uma comunidade socialista” (pág. 420).

Se a sociedade se desenvolve na direção de uma divisão progressiva do trabalho ou se decai novamente está nas mãos do próprio povo. A prosperidade geral depende da preservação da propriedade privada dos meios de produção.

“Aqueles que preferem a vida à morte, a felicidade ao sofrimento, a prosperidade à necessidade, terão que afirmar a sociedade. E quem quer a sociedade e sua formação continuada deve também querer, sem restrições e reservas, a propriedade privada dos meios de produção” (pág. 479).

No sistema econômico capitalista, os donos dos meios de produção e os poupadores privados renunciam ao consumo atual para alcançar um nível mais elevado de consumo no futuro.  Assim, na sociedade capitalista, a preservação do capital e sua acumulação baseia-se em uma desigualdade de distribuição de renda e riqueza, e aí reside sua justificativa utilitarista-eudemonista.

 

Este artigo foi publicado originalmente em https://www.misesde.org/2023/04/wieso-ein-ethisch-begruendeter-anti-kapitalismus-zum-niedergang-und-zur-aufloesung-der-gesellschaft-fuehrt/

Sobre o autor

Antony Mueller

É doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

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