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Economia

Por que a teoria do cálculo econômico de Mises ainda é relevante

O fracasso do sistema socialista de produção é inevitável

09/08/2023

Por que a teoria do cálculo econômico de Mises ainda é relevante

O fracasso do sistema socialista de produção é inevitável

Até a publicação, em 1920, do trabalho de Ludwig von Mises sobre o problema do cálculo econômico no socialismo, não havia uma análise cientificamente útil da economia socialista. Com esse trabalho e seu desenvolvimento no tratado abrangente Die Gemeinwirtschaft (1922 e 1932, publicado em inglês em 1951 como Socialism: An Economic and Sociological Analysis), Mises demonstrou que, devido à ausência de propriedade privada dos meios de produção, a contabilidade econômica racional não é possível sob o socialismo.

Essa percepção é relevante ainda hoje. O princípio da racionalidade econômica de Mises não é válido apenas para um sistema socialista de pleno direito, mas também para economias mistas; qualquer afastamento da propriedade privada dos meios de produção e do cálculo monetário baseado nos preços de mercado coloca a economia em um caminho distante da racionalidade econômica.

 

Papel do dinheiro e dos mercados

O dinheiro é indispensável para a atividade econômica se essa atividade, ainda que simples, se estender além dos limites de uma família. Uma sociedade baseada na divisão do trabalho precisa de dinheiro porque a coordenação da atividade econômica dos indivíduos requer preços, que servem como sinais para a ação econômica. Segundo Mises:

“O dinheiro não é uma medida de valor, nem é uma medida de preço. O valor não é medido em dinheiro. Os preços também não são medidos em dinheiro; consistem em dinheiro” (pág. 94).

O dinheiro tem suas deficiências, mas para os propósitos práticos da vida econômica, o dinheiro funciona suficientemente bem para transações econômicas. Sem o cálculo monetário, a atividade econômica racional seria impossível. A inadequação da contabilidade monetária advém do fato de que o cálculo econômico é baseado no valor de troca e não no valor de uso subjetivo. Portanto, não se deve aplicar o cálculo monetário a todos os aspectos da vida.

Mas o cálculo monetário dá ao agente econômico um guia para encontrar seu caminho através da abundância de possibilidades econômicas. Os preços monetários permitem que juízos de valor subjetivos individuais sejam estendidos a uma ampla gama de bens de mercado na economia desenvolvida. Assim, o dinheiro torna o valor calculável além da gama limitada de experiência pessoal e estende as possibilidades de negócios além do consumo imediato para a produção de bens de capital.

Sem o cálculo monetário, toda a produção como um processo de longo alcance seria um “tatear no escuro”. O homem econômico estaria cego para os longos desvios de produção típicos de uma economia avançada. Sem dinheiro, a mente humana não seria capaz de lidar com a confusa abundância de produtos intermediários e possibilidades de produção. Não se saberia onde investir diante de todas as questões processuais e de localização a serem consideradas.

A realização do cálculo económico em termos monetários exige o cumprimento de duas condições. Em primeiro lugar, tanto os bens de consumo como os bens intermédios devem ser incluídos na economia de mercado. As relações de troca devem ocorrer nos mercados. Em segundo lugar, um meio de troca deve ser usado para criar um denominador comum para os preços dos bens.

 

A impossibilidade de cálculo racional na economia planificada

Se, como no sistema socialista, não há livre mercado nem propriedade privada dos meios de produção, torna-se impossível realizar cálculos econômicos racionais, como explica Ludwig von Mises:

"Considere a situação da comunidade socialista. São centenas e milhares de oficinas onde as pessoas trabalham. Muito poucas delas produzem bens prontos para uso, mas principalmente meios de produção e produtos semiacabados. Todas essas empresas estão interligadas. Por essas empresas passam os bens econômicos, um após o outro, até que estejam prontos para o consumo. Nas engrenagens inquietas desse processo, no entanto, o gestor econômico socialista carece de qualquer possibilidade de encontrar o caminho" (p. 99).

Que possibilidade tem a administração de saber se este ou aquele tipo de produção é o mais vantajoso? Pode, na melhor das hipóteses, comparar a qualidade e a quantidade dos resultados utilizáveis da produção, mas raramente será capaz de comparar os esforços envolvidos na sua produção.

Em seu papel de consumidores, os participantes do mercado determinam a classificação dos bens prontos para serem utilizados no consumo. Em seu papel de produtores, os empresários selecionam os bens de capital que prometem render o maior rendimento. Dessa forma, não só os bens de consumo, mas também os bens de produção, recebem uma classificação de acordo com as urgências atuais e o estado dado da tecnologia de produção. A interação dos dois processos de avaliação garante que o princípio econômico prevaleça em todos os lugares, tanto no consumo quanto na produção. A situação é diferente na comunidade socialista:

"Numa economia socialista, faltam essas condições essenciais. A autoridade de planejamento pode supor quais bens são mais urgentemente necessários, mas só pode encontrar a parte que cai no orçamento econômico do consumidor. A outra parte, a avaliação dos meios de produção, escapa ao conhecimento dos planejadores. É verdade que a autoridade de planeamento pode determinar o valor da totalidade dos meios de produção e os planificadores podem também determinar o valor de um único meio de produção, mas o comitê de planeamento não pode atribuir essas estimativas a uma expressão uniforme dos preços. Isso exigiria uma economia de mercado em que os preços pudessem ser rastreados até uma expressão comum, ou seja, dinheiro" (pág. 100).

Por mais forte que seja sua vontade, não é possível aos senhores da economia planificada realizar os cálculos necessários para conciliar produção e consumo de tal forma que a soma do capital seja preservada e os excedentes obtidos beneficiem os consumidores.

 

Cálculo de capital

O conceito de “capital” tem um lugar firme na contabilidade econômica. O capital de uma economia comercial é um resumo de seus ativos de capital que é expresso em valores monetários. Esses resumos de ativos e sua revisão regular permitem determinar como o valor dos ativos mudou ao longo do tempo. A origem do conceito de capital está no cálculo econômico. Sua casa é a contabilidade de capital, "esse meio mais nobre de racionalização treinada da ação", nas palavras de Mises.

Quando os mercados são abolidos, como em uma economia socialista, ou são corroídos pela intervenção governamental e manipulação monetária, como acontece na moderna “economia mista”, o cálculo do capital perde sua base como ferramenta da racionalidade econômica. As alocações indevidas aumentam à medida que aumenta a gravidade da dissolução dos direitos de propriedade e outras intervenções estatais. A produtividade diminui e o padrão de vida afunda.

O capitalismo, então, é aquele modo econômico de produção em que o dinheiro é usado para o cálculo de modo que a quantidade de bens dedicados à produção possa ser resumida como capital e calculada de acordo com seu valor monetário. Aqui reside a distinção entre produção capitalista e socialista e, portanto, a diferença entre capitalismo e socialismo. O socialismo é necessariamente definido pela ausência de cálculo do capital por causa da abolição da propriedade privada dos bens de produção. Em contraste, o modo de produção capitalista consiste em determinar o sucesso ou o fracasso de ações econômicas específicas, usando o cálculo monetário para avaliar as mudanças no valor do capital.

Por não considerarem a questão central do cálculo econômico, todos os outros tipos de análises da economia socialista são inadequados e, de fato, inúteis. Afinal, o fato de Karl Marx nunca ter analisado a viabilidade econômica do socialismo, e até mesmo proibido seus seguidores de fazê-lo, teve um efeito devastador sobre o movimento socialista. Assim, o marxismo ficou preso no puro negativismo de criticar o capitalismo sem desenvolver um conceito de socialismo que não fosse um mundo onírico.

Sem transações de mercado, não há precificação e, sem precificação, não há contabilidade econômica. Ambas as condições são necessárias para o cálculo econômico racional e dependem da propriedade privada não apenas de bens de consumo, mas também de bens de produção. Qualquer sistema econômico, incluindo uma economia mista, que se afaste dos princípios da propriedade privada, do livre mercado e da ordem monetária sólida sofrerá com o declínio da racionalidade econômica. Consequentemente, tanto a produtividade quanto o padrão de vida serão menores.

Sobre o autor

Antony Mueller

É doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

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