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Economia

O projeto da moeda do BRICS acelera

O objetivo final é desbancar o dólar americano

24/07/2023

O projeto da moeda do BRICS acelera

O objetivo final é desbancar o dólar americano

No último dia 7 de julho, surgiram notícias no mercado financeiro de que o “BRICS” (isto é, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) implementará seu plano de criar uma moeda internacional para transações comerciais e financeiras, e que esta nova moeda será "lastreada em ouro".

Mais recentemente, em 2 de junho, os ministros das Relações Exteriores dos países do BRICS – bem como representantes de mais de doze países – se reuniram na Cidade do Cabo, África do Sul (curiosamente no “Cabo da Boa Esperança”). Entre outras coisas, foi enfatizado que eles queriam criar uma moeda comercial internacional. Sem dúvida, este é um empreendimento que pode ter consequências de proporções épicas.

Afinal, os países do BRICS representam cerca de 3,2 bilhões de pessoas, aproximadamente 40% da população mundial, com uma produção econômica combinada quase do tamanho da economia dos Estados Unidos da América. E há muitos outros países (como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã, Argélia, Argentina e Cazaquistão) que podem querer se juntar ao clube do BRICS.

 

O problema da hegemonia do dólar

O objetivo dos países do BRICS é reduzir sua dependência econômica e política do dólar americano, desafiando o “imperialismo americano”. Para isso, querem criar uma moeda internacional para transações comerciais e financeiras, substituindo o dólar americano como unidade de meio de transação.

A razão é óbvia. O governo dos Estados Unidos usou em muitas ocasiões o dólar como uma “arma geopolítica” e se envolveu em uma espécie de “guerra financeira”: Washington sanciona países inimigos negando-lhes o acesso ao mercado de capitais do dólar americano, mas, acima de tudo, os fecha do sistema internacional de pagamentos centrado no dólar americano.

O congelamento das reservas monetárias da Rússia (o equivalente a quase 600 bilhões de dólares americanos está atualmente em jogo) disparou o alarme em muitos países não ocidentais. Isso lembrou a vários deles que manter dólares americanos representa um risco político. Isso, por sua vez, levou muitos a reestruturar suas reservas internacionais: manter menos dólares americanos, mudar para outras moedas (menores), mas acima de tudo, comprar mais ouro.

 

O BRICS na prática

Mas como o BRCIS conseguiria se afastar do dólar americano? Embora ainda não haja detalhes sobre como a nova moeda do BRICS pode ser estruturada, isso não deve nos impedir de especular sobre o que está por vir.

O BRICS poderia estabelecer um novo banco (o “Banco do BRICS”), financiado por depósitos de ouro dos bancos centrais dos países do BRICS. As posses de ouro fisicamente depositadas seriam mostradas no lado do ativo do balanço patrimonial do Banco do BRICS – e poderiam ser denominadas, por exemplo, “ouro do BRICS”, onde um ouro BRICS representa um grama de ouro físico.

O Banco do BRICS pode então conceder empréstimos denominados em “ouro do BRICS” (por exemplo, para exportadores dos países do BRICS e/ou importadores de mercadorias do exterior). Para financiar os empréstimos, o banco faria um contrato de crédito com os detentores de ouro do BRICS: os detentores de ouro do BRICS concordam em transferir seu depósito para o Banco do BRICS, para, por exemplo, um mês ou um ano, em troca de uma determinada taxa de juros. Além disso, o Banco do BRICS também pode aceitar mais depósitos de ouro de investidores internacionais, que podem manter depósitos de ouro do BRICS (com juros) dessa maneira.

O ouro do BRICS poderia então ser usado pelos países dos BRICS e seus parceiros comerciais como dinheiro internacional, como uma unidade de conta internacional no comércio global e nas transações financeiras. Incidentalmente, a nova moeda de ouro de fato não precisaria nem mesmo ser cunhada fisicamente, mas poderia ser e permanecer em uma unidade apenas contábil, sendo resgatável sob demanda.

Os exportadores dos países do BRICS e dos outros países membros teriam, no entanto, que estar dispostos a vender seus produtos com o ouro do BRICS em vez de dólares americanos e outras moedas fiduciárias ocidentais, e os importadores dos países ocidentais teriam que estar dispostos e capazes para pagar suas contas em ouro do BRICS.

 

Como conseguir o ouro do BRICS?

Aqueles que exigirem ouro do BRICS devem obter um empréstimo de ouro do Banco do BRICS ou comprar ouro no mercado e depositá-lo no Banco do BRICS ou em um custodiante designado, e o depósito de ouro é então creditado em sua conta na forma de ouro do BRICS.

Por exemplo, em transações de pagamento, os depósitos de ouro do BRICS do importador de bens (mantidos, por exemplo, no Banco do BRICS) são creditados na conta do exportador de bens (também detidos no Banco do BRICS ou em um banco correspondente ou custodiante de ouro).

No entanto, a transição, o uso do ouro do BRICS como moeda de comércio e transação internacional, provavelmente teria consequências de longo alcance:

(1) Isso presumivelmente levaria a um aumento (acentuado) na demanda por ouro em comparação com os níveis atuais, com aumento (substancial) dos preços do ouro medidos não apenas em dólares americanos, euros etc., mas também nas moedas dos países do BRICS.

(2) Tal aumento no preço do ouro desvalorizaria o poder de compra das moedas oficiais – não apenas o dólar americano, mas também as moedas do BRICS – em relação ao metal amarelo. Além disso, os preços dos bens em termos das moedas fiduciárias oficiais provavelmente disparariam, degradando o poder de compra de presumivelmente todas as moedas fiduciárias existentes.

(3) Os países do BRICS acumulariam reservas de ouro na medida em que tivessem superávits comerciais. Eles presumivelmente seriam os vencedores da “mudança de moeda”, enquanto os países com déficits comerciais (em primeiro lugar, os EUA) perderiam.

 

Reservas oficiais de ouro dos país do BRICS, em US$ bilhões, T1 2023

Fonte: Refinitiv; cálculos do autor. As reservas de ouro dos países do BRICS totalizaram 5.452,7 toneladas no primeiro trimestre de 2023 (valor de mercado atualmente em torno de 350 bilhões de dólares americanos).

 

Conclusão

Essas poucas considerações já mostram como o tópico de “criar uma nova moeda de comércio internacional lastreada em ouro” pode ser perturbador: o BRICS pode muito bem desencadear mudanças esmagadoras na estrutura econômica e financeira global. Ainda assim, será interessante ver como os países do BRICS pretendem proceder em sua reunião de 22 a 24 de agosto em Joanesburgo, África do Sul.

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Este artigo foi publicado originalmente em https://mises.org/wire/brics-currency-project-picks-speed

Sobre o autor

Thorsten Polleit

é economista-chefe da empresa Degussa, especializada em metais preciosos, e co-fundador da firma de investié economista-chefe da empresa Degussa, especializada em metais preciosos, e co-fundador da firma de investimentos Polleit & Riechert Investment M...

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