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Os sete pecados capitais da economia

E como obter absolvição

18/07/2023

Os sete pecados capitais da economia

E como obter absolvição

Alguns dos grandes pensadores da Grécia Antiga, como Platão e Aristóteles, embora tenham contribuído enormemente para a filosofia, introduziram uma série de graves erros que continuam a atrapalhar a ciência econômica.

Teorias erradas, absorvidas por economistas de diferentes correntes, levam a conclusões equivocadas sobre o funcionamento da economia e, pior, à formulação de políticas ruins. Nesse sentido, conceitos como moeda, juros, lucro e preços sofrem na teoria e na prática econômica.

 

Tese 1: Platonismo

“A curiosa tarefa da ciência econômica é demonstrar quão pouco se sabe sobre o que se imagina de poder projetar”. Friedrich Hayek.

O platonismo introduziu na filosofia o conceito de ideias absolutas, que nos guiam para observar o mundo real. Por exemplo, uma ideia absoluta do bem, da beleza, da justiça etc. Isso cria na mente uma certa ideia de onisciência.

Embora o platonismo tenha sua vantagem na análise da natureza, por exemplo, para a matemática ou a geometria, no mundo real, no nosso mundo da economia, ele cria o que Friedrich Hayek chamou de pretensão do conhecimento. Nas ciências sociais, a onisciência implica uma certa onipotência e cria, na economia e na política, um voluntarismo. Mais cedo do que tarde, a utopia que se quer alcançar leva ao totalitarismo e à ditatura de benevolência.

O platonismo, na economia, pressupõe que nós sabemos mais do que a realidade, e que a realidade econômica é inerentemente deficiente. Assim, é necessário mudar este mundo real em sua totalidade para criar nossa visão quase utópica.

Há uma grande diferença na economia quando qualquer um de nós procura melhorar sua vida e quando temos uma ideia absoluta partindo do governo de um ditador, que procura impô-la sobre a economia.

Hoje em dia, nós encontramos isso de maneira moderada em todos os lugares na forma do intervencionismo. Em todos os governos, mesmo fora do totalitarismo, ainda existe esse voluntarismo e a prática do intervencionismo.

Mas, diferente do que o platonismo faz parecer, a economia funciona baseada nos indivíduos e empresas que procuram planejar e captar a realidade, e não a partir de cima em uma forma de totalitarismo.

 

Tese 2: Esterilidade da moeda.

“O dinheiro não é produto da convenção dos homens engajados em atividades econômicas, nem um produto resultante de atos legislativos (...). Foram indivíduos (...) que, aumentando a consciência de seus interesses econômicos, adquiriram também a consciência de que a troca de mercadorias menos vendáveis por aquelas mais vendáveis representa progresso notável na busca de seus interesses econômicos específicos, e assim surgiu o dinheiro (...), acompanhando o desenvolvimento progressivo da economia”. Carl Menger.

A moeda aparece desde a discussão de Aristóteles até hoje como símbolo de riqueza. Hoje em dia, na fala popular, ainda se diz que um homem é rico por ter muito dinheiro. Na realidade, a riqueza de uma nação não está na moeda, mas nas forças produtivas.

A moeda não é estéril, mas tem uma função fundamental no processo da divisão de trabalho. A moeda, ou o dinheiro, aumenta a produtividade ao possibilitar o aumento da divisão de trabalho e de capital.

Sem moeda, também não podemos praticar o cálculo econômico, e não temos preços nem indicadores de escassez para obter uma alocação eficiente dos recursos.

Assim, em dois lados, esta ideia errada ainda continua na confusão de moeda com riqueza. E segundo, no outro lado, que o dinheiro não contribui para a produtividade.

Ao contrário, precisamos ter consciência de que a moeda é um ponto de altíssima importância para criar produtividade, para alimentar o processo de divisão de trabalho e capital, para a formação de preços, para obter um bom indicador de escassez e obter uma alocação eficiente.

 

Tese 3: Postulado da antiética de cobrar juros

“Em nenhum outro lugar se pode encontrar um número tão grande das piores falácias, de suposições não provadas, de contradições e de cegueira dos fatos [do que na teoria do juro]”. Eugen von Böhm-Bawerk.

A proibição de cobrar juros é a consequência da tese da esterilidade do dinheiro. Se o dinheiro não serve para nada, apenas para a riqueza, então cobrar juros é uma ação antiética.

A Escola Austríaca de Economia nos ensinou, depois de muitos séculos, que os juros refletem a preferência temporal e estão intimamente ligados à função do capitalista. O capitalista, em seu conceito puro, é a pessoa que tem um diferente nível de preferência temporal e, por isso, está disposta a emprestar parte de seu dinheiro.

Aquele que cobra juros recebe uma recompensa pelo tempo de espera, e o que paga juros ganha tempo em suas decisões econômicas – é como se ele pudesse acelerar o tempo. Essa é a troca econômica que ocorre em um empréstimo.

Nos anos 1930, Keynes usou o termo “eutanásia do rentista” para defender políticas de juros baixos que colocassem um fim às pessoas que “vivem de renda”. Keynes não entendeu a função dos juros. Os juros não são um fenômeno de oferta e demanda da moeda, como explicam equivocadamente algumas teorias. Os juros são a consequência da preferência temporal e a recompensa pelo tempo de espera.

 

Tese 4: Valor objetivo.

“O valor subjetivo que um determinado bem tem para uma pessoa é um fenômeno puramente individual e, portanto, não pode ser imediatamente comparado ao valor subjetivo que esse mesmo bem tem para as outras pessoas”. Ludwig von Mises.

A tese do valor objetivo consiste na ideia de que objetos têm um valor intrínseco. No entanto, valor intrínseco é algo impossível, porque o que se deseja de um determinado produto não é o produto por si mesmo, mas o serviço que ele pode nos dar.

Assim, o valor não está dentro do diamante, mas no serviço da beleza, por exemplo, que queremos desse diamante. Ou no caso de uma comida, em que queremos a saciedade provocada pelo alimento ou o prazer que temos ao comê-lo.

Esse erro continuou com Adam Smith, que, a partir do valor objetivo, postulou a teoria do valor trabalho, em que o valor dos produtos se cristaliza no valor do trabalho dispendido em sua produção. Como efeito, a teoria clássica do valor trabalho foi o ponto de partida para a teoria da exploração de Karl Marx. O grave erro da teoria do valor objetivo está na ideia de que os custos determinam os preços, sem perceber que os próprios custos já são preços.

Isso leva à ideia de que existem valores falsos, que precisam ser corrigidos. Nesse caso, caberá a algum indivíduo ungido, invariavelmente inserido no aparato estatal, a função de julgar o “verdadeiro” valor dos bens e determinar quais bens são necessários ou desnecessários.

Contra estes erros, surgiu nos anos 1870, no contexto da Revolução Marginalista, a ideia da utilidade marginal. Para os marginalistas, entre eles Carl Menger, o que conta para a determinação da utilidade de um bem é a satisfação de uma necessidade ou desejo. Dessa forma, a utilidade se torna situacional, isto é, ela muda de acordo com a avaliação subjetiva e individual em determinada situação. Em poucas palavras, o valor é marginal, situacional, individual e subjetivo.

 

Tese 5: Troca de equivalentes.

“Se a troca entre duas partes é voluntária, ela ocorrerá se, e se somente se, ambas as partes se beneficiarem. A maioria das falácias econômicas deriva de esquecer essa premissa básica”. Milton Friedman.

O erro da concepção da troca econômica como uma troca de equivalentes é resultado de todos os outros erros. Este pecado foi implantado ainda no tempo de Aristóteles e continua até hoje a confundir a discussão da economia.

Uma troca voluntária só ocorre porque há ganhos e benefícios mútuos. Se duas pessoas concordam em trocar um produto, a percepção do valor do produto para as duas pessoas não pode ser a mesma. Do contrário, por que o fariam?

Uma pessoa só troca um bem por outro caso atribua a este bem um valor maior do que àquele. O raciocínio é o mesmo, porém inverso, para o outro indivíduo envolvido na troca. A diferença na valorização incentiva a troca, não a igualdade. É a desigualdade dos valores subjetivos que incentiva e, em última instância, possibilita a troca.

Enquanto o preço é objetivo, e está dado para todos os participantes do mercado, o valor é subjetivo e é o que nos motiva a trocar uma coisa por outra.

 

Tese 6: Postulado da existência do preço justo.

“Só um tolo tentaria separar esses valores de tal forma que o preço legal devesse ser diferente do natural”. Juan de Mariana.

O postulado do preço justo é a consequência das teses da objetividade do valor e da equivalência na troca. Ademais, esse postulado também mescla moralidade com análise econômica.

Como consequência, a ideia de que existe preço justo para bens econômicos leva a uma espiral de intervencionismo no mercado. Nesse sentido, dado que alguém deve, por um lado, determinar qual é o preço “justo” e, por outro, aplicar esse preço, o efeito é o fortalecimento do estado em detrimento do indivíduo.

 

Tese 7: ilegitimidade do lucro.

“Que função tem o empreendedor realizado? Em sua busca por lucro (...), ele tem servido ao consumidor melhor, antecipado onde os fatores são mais valiosos”. Murray Rothbard.

Ainda hoje, tem-se a ideia de que o lucro é resultado da exploração. Lucro não é resultado da exploração, mas da previsão correta. Lucro e prejuízo juntos – não pode haver lucros sem a possibilidade de prejuízo – são indicadores da ação empresarial.

Diferente dos juros, que refletem a preferência temporal, lucro e prejuízo refletem a incerteza. Se uma empresa obtém lucro, o tamanho do lucro é um indicador de que os empreendedores desta empresa são capazes de antecipar melhor o futuro do que os outros.

Não teria sentido em falar de lucro empresarial sem a possibilidade de prejuízo. Se assim o fosse, por que não seguirmos todos uma determinada empresa bem-sucedida? O problema é que, para se ter lucro, é preciso ter uma boa previsão do futuro, no sentido do produto e não necessariamente para a toda a economia.

 

Como obter absolvição desses pecados?

Sempre que refletirmos sobre esses pecados, devemos separar moralidade e análise econômica, e evitar esta ideia platônica de que se sabe tudo, pois ela leva à imposição da moralidade, ética ou perfeição sobre a economia.

Também devemos ter em conta que o dinheiro é produtivo, e que é necessário cuidar da moeda, pois uma boa moeda contribui para a nossa produtividade.

As lições da Escola Austríaca de Economia são fundamentais para obtermos absolvição dos pecados citados: os juros são a recompensa pelo tempo esperado; o valor é subjetivo, individual, situacional e marginal; a troca só ocorre devido a valorizações divergentes, e não equivalentes; o preço não é justo nem injusto, mas reflete o grau de escassez na sociedade; e lucro e prejuízo resultam da incerteza sobre o futuro e como o empreendedor atua frente a essa incerteza.

Sobre o autor

Antony Mueller e Samuel Vaz-Curado

Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe

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