Os problemas por trás dos subsídios nos transportes públicos
Os defensores dos subsídios alegam que o principal objetivo é atender ao propósito de aumentar o acesso ao sistema de transporte público, principalmente no contexto de baixa renda, buscando aumentar benefícios para a população e reduzir externalidades. Mas sabemos que, no fundo, a ideia do subsídio transita na busca de garantir os futuros fluxos de caixa, necessários para a modelagem econômico-financeira, em projetos que o agente público acredita serem insuficientes em contratos celebrados no passado. O reequilíbrio financeiro seria o objetivo para garantir a perfeita realização do contrato de prestação de serviço público pelo concessionário contratado ou empresa que recebe ajuda do governo – seja pública ou privada.
Sua lógica corresponde a mais dispêndio de recursos públicos, podendo causar déficit nas contas públicas e comprometendo o equilíbrio fiscal do ente subnacional. A falta de equilíbrio fiscal compromete a execução de outros serviços públicos, entre estes a infraestrutura urbana. O que percebemos em diversas metrópoles é uma deterioração das vias públicas e uma forte dependência de financiamento externo para a construção de obras – vias, corredores BRT, ciclovias, ciclofaixas, entre outros. Esse financiamento externo pode ser com a União, usando o Ministério das Cidades como guichê político, ou com bancos internacionais, como o BIRD, gerando endividamento em moeda estrangeira.
O outro fator são as distorções em informações importantes para usuários e investidores: o preço das tarifas. A distorção no preço interfere na noção real de preços, impedindo uma ação racional dos agentes econômicos, que sob diversas circunstâncias deveriam buscar a redução dos custos de decisão (Hayek, 1973). Ou seja, o subsídio cria um cenário em que as empresas beneficiadas concessionárias de serviços públicos não busquem uma alocação eficiente dos fatores de produção, e, assim que o subsídio for extinto, os preços reais impactam de forma negativa os usuários dos serviços públicos prestados por concessionários privados, dado que a ineficiente alocação de fatores de produção da oferta de serviço público fica evidenciada.
Os subsídios prolongam a vida de empresas ineficientes e impedem a flexibilidade do mercado de satisfazer plenamente as necessidades do consumidor. Quanto maior a extensão do subsídio governamental, mais o mercado é impedido de funcionar, mais recursos são congelados de maneiras ineficientes e menor será o padrão de vida de todos (Rothbard, 1962, p.1028).
Falar mal dos subsídios não é exclusividade de economistas da Escola Austríaca. Essa ineficiência também é explicada por Friedman (1953, p.113), utilizando a argumentação Marshallina de que a prática dos subsídios envolve uma divergência entre a curva de indiferença de produção relevante para o produtor e a curva de indiferença de produção relevante para a sociedade, e, portanto, uma divergência entre a taxa na qual um produtor julga que pode substituir mercadorias na produção e a taxa na qual os compradores como um todo podem realmente fazê-lo.
Também, Hoff e Stiglitz[1] (1998, p.485) corroboram em que “os subsídios podem ter efeitos perversos na concorrência monopolista, aumentando os preços ou induzindo a saída”[2]. Mesmo que a intenção seja a redução de externalidades, Freebairn (2022) e Myers (2001) entendem que a oferta de subsídios pode reduzir determinados custos externos e externalidades, mas promovem o aumento de outros custos externos, visto que induzem o aumento do consumo do bem e serviço que se subsidia[3].
Também é importante destacar que, para compensar os gastos com os subsídios, a criação de mais impostos e taxas será necessária. Novamente, ocorrem distorções no mercado, pois transfere a renda dos eficientes – pagadores dos impostos – em benefício dos ineficientes, e oneram ainda mais as atividades produtivas. De fato, a informação transmitida aos agentes econômicos será de abandono das atividades eficientes e de organização de grupos de interesse para capturar subsídios que favorecem suas atividades.
E a distorção também ocorre quando falamos dos usuários propriamente ditos: de acordo com Sousa et.al. (2014), em razão do aumento de gratuidades, os índices dos preços das tarifas de ônibus sofreram grandes elevações no ano de 2013, equivalente a 67 pontos percentuais acima da inflação medida pelo IPCA. No fim das contas, quem sempre esteve certo foi Ludwig Von Mises, que apontou que quem sempre perde são os cidadãos que pagam duas vezes – "uma vez como contribuintes, que são os que indiretamente pagam os subsídios, e depois uma vez mais como consumidores, ao terem de pagar preços maiores pelos bens que desejam comprar".
O Plano Nacional de Mobilidade, com a força da Lei 12.587/2012, que o institui em seu Artigo 8º, inciso IX, parágrafo 5º, aponta que, optando pela adoção de subsídio tarifário, o déficit originado deverá ser coberto por: (i) receitas extra tarifárias; (ii) receitas alternativas; (iii) subsídios orçamentários, e; (iv) subsídios cruzados intrassetoriais e intersetoriais.
As duas primeiras alternativas propostas pelo Plano Nacional de Mobilidade são infimamente praticadas, enquanto as opções de subsídios são amplamente adotadas. Contudo, as receitas extra tarifárias e receitas alternativas poderiam ser amplamente utilizadas, não só pelos entes públicos, mas também pelos concessionários do serviço de transporte, reduzindo os custos de transação e tornando este ator responsável pela subsistência financeira do sistema.
Assim, o concessionário poderia não só buscar novas fontes de receitas, mas também serviços alternativos para a oferta de serviços eficientes e com sustentabilidade econômico-financeira. Isso perpetuaria o serviço sem dispêndios públicos, visto que os orçamentos estão cada vez mais comprometidos com outros serviços, também com déficits de atendimento à população. No entanto, o subsídio vai ser sempre o caminho mais fácil para solução de problemas complexos com alto impacto na popularidade dos políticos.
Freebairn, John (2022) “Economic Problems with Subsidies for Electric Vehicles.” Economic Papers (Economic Society of Australia), vol. 41, no. 4, 2022, pp. 360–368.
Friedman, Milton. (1953) Essays in positive economics. University of Chicago press, 1953.
Hayek, F. A. (1973). Law, Legislation, and Liberty, Vol. 1. Chicago: University of Chicago Press.
Hoff, K.; Stiglitz, J.E. (1998) "Moneylenders and Bankers: Price-increasing Subsidies in a Monopolistically Competitive Market." Journal of Development Economics 52.2: 485-518. https://doi.org/10.1016/S0304-3878(98)00062-5
Myers, Norman. (2001). Perverse subsidies. Island Press.
Sousa, R. R. C.; Florencio, H. G. T.; Feitosa, Z. O.; Paranaiba, A. C.; Campos, N. S. (2014). Comportamento do consumidor de automóveis no Brasil: uma análise econômica social. In: IV CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 2014, Ponta Grossa - PR.
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[1] Isso mesmo: Joseph Stiglitz o economista socialista ganhador do Nobel de economia em 2001.
[2] Para entender como o sistema de transportes urbanos se comportam como concorrência monopolística ver Oliveira (2013).
[3] Os exemplos dos autores: Myers (2001) aponta que subsídios para a construção mais vias e rodovias incentivam a aquisição de mais carros; Freebairn (2022) demostra que subsídios de automóveis elétricos reduzem poluição, mas provocam outros tipos de externalidades.
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