Economia
A existência do dinheiro é o que permite o desenvolvimento e o progresso da civilização
E por que manipulações da moeda destroem riqueza
A existência do dinheiro é o que permite o desenvolvimento e o progresso da civilização
E por que manipulações da moeda destroem riqueza
Em termos simples, o dinheiro pode ser definido como um "meio de troca aceito por todos".
O dinheiro é o bem que todas as pessoas de uma sociedade estão dispostas a aceitar — com efeito, estão ávidas para aceitar — em troca de produtos e serviços que elas oferecem.
Tão logo as pessoas recebem dinheiro em troca dos bens e serviços que ofertam, elas subsequentemente o utilizam com o objetivo de fazer novas trocas comerciais, para então obter os produtos e serviços de outras pessoas, as quais estão igualmente ávidas para aceitar esse dinheiro delas.
Sendo assim, o dinheiro é a mercadoria de mais fácil comercialização em uma economia. Um indivíduo está disposto a aceitar dinheiro porque tem a convicção de que todas as outras pessoas estarão dispostas a aceitar este dinheiro dele em troca de bens e serviços.
Sem o dinheiro, não há divisão do trabalho
Independentemente da maneira como o dinheiro surge na economia, o fato de que ele existe é algo extremamente benéfico. Sem o dinheiro, uma sociedade baseada na divisão do trabalho — da qual toda a moderna civilização depende para ter bem-estar — não poderia existir.
Uma sociedade baseada na divisão do trabalho é caracterizada pelo fato de que cada indivíduo se dedica a produzir apenas um bem ou serviço — ou, no máximo, uma pequena quantidade de bens e serviços. E cada um destes bens e serviços é consumido pelas outras pessoas.
Ao mesmo tempo, praticamente tudo o que qualquer indivíduo consome nesta sociedade é produzido pelo trabalho de outros.
Apenas pense em qualquer emprego que você já teve, em quão específica era a natureza daquele trabalho, e quem, em última instância, foi beneficiado pelo fato de que aquele serviço foi fornecido. Se, por exemplo, você trabalhou em uma fábrica de botões de camisa, os beneficiários físicos do seu trabalho foram as pessoas cujas camisas tinham os botões que você ajudou a fabricar.
Igualmente, pense em todos os tipos de trabalho feitos por todas as pessoas que fabricam bens e serviços que você consome: de ar-condicionado e automóveis a produtos contendo zinco e zircônio.
Entre os benefícios de uma sociedade baseada na divisão do trabalho está o fato de que o volume de conhecimento empregado nos processos de produção cresce contínua e exponencialmente. Em vez de todas as pessoas viverem como agricultores que visam apenas à subsistência, e que aplicam seus escassos conhecimentos produtivos apenas para si próprias, sob um arranjo de divisão do trabalho o volume de conhecimento aplicado na produção passa a refletir todo o conjunto combinado de conhecimentos de todas as diferentes especializações.
E cada indivíduo, na condição de comprador dos bens e serviços de outras pessoas, se beneficia deste radicalmente ampliado conjunto de conhecimentos.
Uma sociedade baseada na divisão do trabalho, e todos os seus benefícios, não seria possível caso não houvesse dinheiro. Na ausência do dinheiro, bens e serviços só poderiam ser trocados por outros bens e serviços por meio da prática direta do escambo.
O produtor de cada bem ou serviço teria de encontrar alguma maneira de trocar o bem ou serviço específico que ele produziu por todos os bens e serviços que ele deseja adquirir de todas as outras pessoas.
Por exemplo, os produtores de ácido sulfúrico, de vigas de aço, de rolamentos, de chips de computadores, de cortes de cabelo etc. teriam de encontrar alguma maneira de oferecer seus bens e serviços em troca de comida, roupa e alojamento.
Porém, quantos agricultores ou donos de mercearia, quantos comerciantes ou fabricantes de roupas, quantos proprietários de imóveis, incorporadoras ou financiadores hipotecários teriam necessidade de tais produtos — principalmente com uma frequência cotidiana?
Mais: como poderiam os produtores de bens tão valiosos e indivisíveis, como carros ou imóveis, oferecer estes seus produtos em troca de coisas de pequeno valor, como um pedaço de pão? Eles não têm como fragmentar carros ou imóveis em pedaços menores e usar esses pedaços como moeda de troca para conseguir pão.
Nestas e em praticamente todas as outras situações, um tremendamente complicado e oneroso processo de trocas indiretas teria de ser feito, tais como, por exemplo, trocar chips de computadores por computadores, trocar computadores por farinha de trigo (supondo que alguém conseguiria encontrar um dono de moinho de trigo que necessitasse de um computador naquele exato momento), e trocar farinha de trigo por pães (supondo que alguém teria uso para caminhões e armazéns lotados de pães).
No fim, cada indivíduo teria de criar uma enorme e variada coleção de bens que pudesse satisfazer terceiros para, com isso, convencê-los a participar de qualquer transação comercial. Cada indivíduo teria de ter uma variedade de bens que teriam de ser utilizados para pagar empregados, consumidores e fornecedores. E todos estes, por sua vez, também teriam de incorrer em uma série de transações complicadas para também conseguirem os bens e serviços que querem, e para acumular os bens que necessitariam apenas para transacionar com terceiros.
Simplesmente seria impossível para cada individuo obter os bens e serviços que desejam ou necessitam.
Outro problema que existiria na ausência do dinheiro seria a total incapacidade de se calcular custos, de modo que ninguém conseguiria saber se suas operações foram bem-sucedidas. O fabricante de chips de computador, por exemplo, começou com uma determinada quantidade de silício e com uma determinada quantidade de maquinário de fabricação de chip. Após utilizar todo o silício e exaurir uma parte da vida útil de seu maquinário, ele fará trocas comerciais e terminará em posse de uma determinada quantidade de pães ou de um punhado de bens pelos quais pães podem ser trocados.
Como poderá esse produtor saber se teve lucro ou prejuízo em sua operação? (Vale ressaltar que este é exatamente o tipo de problema que ocorre em uma economia socialista, a qual, como Mises demonstrou, é incapaz de calcular custos).
Na ausência do dinheiro, a única maneira confiável de adquirir itens básicos e de primeira necessidade seria ou tentando produzir cada um deles por conta própria, como um agricultor de subsistência, ou tentando produzir bens e serviços que agricultores estão sempre demandando — por exemplo, você teria de se tornar um ferreiro ou um médico rural.
Mas isso, obviamente, significaria a completa destruição da extremamente produtiva especialização gerada pela economia baseada na divisão do trabalho, e a abolição da oferta da enorme variedade de bens e serviços vitais para um moderno padrão de vida.
O resultado seria um apavorante empobrecimento e uma explosão na mortalidade, levando a uma acentuada despopulação. Um precedente histórico deste exemplo ocorreu no século III d.C.: uma das principais razões para o colapso do Império Romano foi a destruição do dinheiro.
Com o dinheiro, todo o progresso é possível
A existência do dinheiro impede esses problemas.
Por causa do dinheiro, um produtor não tem de produzir apenas aquilo que seus ofertantes de bens e serviços essenciais querem. Tudo o que ele tem de fazer é produzir algo que qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, queira e esteja disposta a dar seu dinheiro em troca.
Pois, uma vez em posse deste dinheiro, tal produtor poderá agora comprar o que desejar de quem ele quiser — afinal, o dinheiro é algo que todos querem, é a mercadoria de mais fácil comercialização em uma economia.
Desta maneira, a existência do dinheiro radicalmente aumenta o grau em que a divisão do trabalho pode ser ampliada e aprofundada.
Ao mesmo tempo, o dinheiro fornece a base intelectual para a conduta da sociedade baseada na divisão do trabalho.
Por causa do dinheiro e da existência de preços monetários para todos os bens e serviços, os produtores se tornam capazes de comparar suas receitas monetárias com seus custos monetários e, com isso, saber se estão sendo eficientes em sua produção.
Em uma economia monetária, aquele fabricante de chips de computado sabe o custo monetário do silício e do maquinário utilizado para fabricar os chips, bem como o valor monetário dos chips que ele produz e vende.
Supondo que o poder de compra do dinheiro não tenha caído significativamente entre o momento em que o produtor comprou seus meios de produção (bens de capital e mão-de-obra) e o momento em que ele vende seus produtos, um lucro monetário significa um aumento em sua capacidade de adquirir bens e serviços de terceiros. Consequentemente, isso comprova que sua operação foi bem-sucedida.
Intimamente relacionado a isso está o fato de que a existência dos preços torna possível comparar os custos de se utilizar diferentes métodos de produção e, consequentemente, escolher o mais econômico. O sistema de preços — possibilitado pelo dinheiro — torna possível comparar a lucratividade de se produzir diferentes produtos, a lucratividade de se investir em áreas diferentes e, acima de tudo, comparar em termos remuneratórios as vantagens de se trabalhar em uma determinada ocupação em vez de em outra.
Os preços estabelecidos pelo mercado permitem que os empreendedores descubram novas informações sobre o atual estado do mercado e utilizem esse conhecimento para aproveitar novas oportunidades de lucro. É essa busca pelo lucro que os leva a atuar de forma empreendedora, comprando fatores de produção a preços baixos, utilizando-os para transformar matéria-prima em bens de consumo, e vendendo o produto final a preços mais altos.
Como o explicou Mises:
O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos. Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros.
Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção. Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.
Ou seja, é a existência de preços monetários surgidos livremente no mercado o que permite a apreensão de informações e todo o subsequente processo racional de produção. Sem preços monetários de mercado não há cálculo econômico porque a criação e a transmissão de conhecimento empreendedorial necessário para coordenar a sociedade ficam bloqueadas.
Igualmente, o dinheiro permite a divisão intelectual do trabalho e a especialização da mão-de-obra.
A divisão do trabalho é um arranjo em que cada indivíduo se especializa naquilo em que é bom e, desta maneira, ganha seu sustento produzindo — ou ajudando a produzir — um bem ou um serviço.
A divisão do trabalho é algo cuja plenitude só pode ocorrer sob o sistema capitalista com preços monetários.
Havendo preços monetários e havendo a possibilidade de se calcular custos (ambas as coisas só são permitidas pelo dinheiro), cada indivíduo pode escolher se especializar naquela ocupação em que ele terá o maior ganho possível de acordo com suas habilidades; o indivíduo irá se especializar na produção daqueles bens e serviços que ele é capaz de produzir com mais eficiência para, em seguida utilizar sua renda monetária (alta, por causa da sua especialização), para comprar aqueles bens e serviços que são produzidos de maneira mais eficiente por outros indivíduos em outras localidades.
Um indivíduo maximiza seu bem-estar quando pode se especializar naquilo que faz melhor e, em decorrência disso, utiliza sua receita monetária para comprar, ao menor preço possível, os bens e serviços de que necessita.
Em uma economia monetária, as pessoas — exatamente por poderem adquirir bens e serviços fornecidos por terceiros que são melhores no suprimento destes — podem se concentrar naquilo em que realmente são boas.
Consequentemente, todo o progresso permitido pela divisão do trabalho ocorre. Tal arranjo é o que permite o surgimento de especialistas como neurocirurgiões, cardiologistas, oftalmologistas, gastroenterologistas, agricultores, carpinteiros, alfaiates, pilotos de avião, professores, financistas, instrutores de ioga, artistas, cineastas, chefs, contadores e empreendedores do ramo de tecnologia.
A especialização em cada uma destas profissões só ocorre porque cada indivíduo calculou os custos e os benefícios de se especializarem nelas e de venderem o resultado de sua especializações para consumidores voluntários. Tudo isso só é possível porque há preços livremente formados pelo uso do dinheiro.
O efeito de tais indivíduos se especializarem em cada uma destas áreas é o surgimento de um corpo de conhecimento tão extenso e disperso que gera a existência de uma infinidade de produtos.
Essa multiplicação da quantidade de conhecimento voltada ao processo produtivo gera um aumento contínuo e progressivo da própria quantidade de conhecimento, criando um ciclo de progresso que se retroalimenta.
A importância da moeda sólida: a destruição de um ciclo econômico
Tendo entendido tudo isso, torna-se evidente a importância de se ter uma moeda sólida.
Uma moeda sólida é simplesmente aquela que não gera uma falsificação de todo o processo de cálculo econômico. Segundo o próprio Ludwig von Mises, para que o cálculo econômico ocorra de maneira acurada, tudo o que é necessário é evitar grandes e abruptas flutuações na oferta monetária.
Se a oferta monetária — a quantidade de dinheiro na economia — é profunda e abruptamente alterada, todo o processo de cálculo econômico é falsificado.
Atividades e ocupações que até então não eram atraentes (por não serem lucrativas) repentinamente se tornam rentáveis. Mas a consequência é nefasta.
Excetuando-se a hiperinflação — em que o próprio cálculo de preços, custos e lucros se torna impossível para prazos maiores do que 30 dias —, o caso mais clássico de falsificação do cálculo econômico decorrente de manipulações na oferta monetária são os ciclos econômicos.
Quando o Banco Central atua para reduzir artificialmente os juros, ele provoca uma expansão da oferta monetária. Estes dois fatores (juros menores e expansão monetária) faz com que aqueles investimentos que antes não eram atraentes repentinamente se tornem promissores.
Quando os juros dos empréstimos bancários são reduzidos (em decorrência do maior volume de dinheiro que agora pode ser emprestado), aqueles projetos de longo prazo que antes eram inviáveis tornam-se agora — exatamente por causa dos juros mais baixos e do maior volume de dinheiro — aparentemente viáveis.
Esses projetos de longo prazo — como, por exemplo, empreendimentos imobiliários, construção de shoppings, fabricação de máquinas, e ampliação da capacidade produtiva das indústrias — são aqueles que demandam mais capital e mais investimentos vultosos. O que antes parecia caro, agora, repentinamente — por causa dos juros menores e do maior volume de dinheiro disponível — parece bem mais acessível.
Consequentemente, vários projetos e empreendimentos de longo prazo que antes se mostravam desvantajosos tornam-se agora aparentemente (muito) lucrativos.
Esse novo dinheiro criado pelo Banco Central e injetado na economia por meio do sistema bancário (via concessão de empréstimos) faz empreendedores pensarem que outras pessoas pouparam dinheiro — reduziram seu consumo —, desta forma liberando capital para a economia.
No entanto, a realidade é que não houve nenhum aumento na poupança, e nenhum aumento em bens de capital. Houve apenas criação de moeda e manipulação de juros.
Só que, em algum momento, inevitavelmente, preços e custos começarão a subir, e consequentemente os juros bancários também subirão (se os bancos não subirem os juros, receberão de volta uma moeda valendo muito menos do que quando emprestaram).
Neste ponto, com a subida dos juros, a expansão do crédito é interrompida (ou fortemente reduzida), os juros de longo prazo sobem, a expansão monetária é desacelerada, a renda e a demanda param de crescer, e os investimentos se comprovam sem sustentação, pois não havia poupança real os lastreando.
O mercado inevitavelmente irá impor o desejo dos consumidores e todos estes empreendimentos que até então pareciam lucrativos revelar-se-ão um grande desperdício.
Vários investimentos de longo prazo feitos durante o período da expansão monetária se tornam ociosos, revelando que sua produção foi um erro e um esbanjamento desnecessário (o que os fez ser distribuídos incorretamente no tempo e no espaço) porque os empreendedores se deixaram enganar pela abundância do crédito, pela facilidade de seus termos e pelos juros baixos estipulados pelas autoridades monetárias.
Vale ressaltar que a expansão monetária não aumenta a produção. A expansão monetária altera a produção. Ela desvirtua a produção. Ela retira recursos de determinados setores e os redireciona para outros setores. Por isso, a teoria dos ciclos econômicos é uma teoria sobre investimentos errôneos e insustentáveis (os malinvestments). Estes investimentos, uma vez descobertos, têm de ser liquidados. Este processo de liquidação é a recessão.
Por isso, criar moeda não tem como criar riqueza nem aumentar produção. Criar moeda apenas desvirtua a produção e mal direciona recursos. Há menos produção em determinados setores e mais produção em outros setores. A produção total não aumenta.
No final, os investimentos acima imobilizaram capital e recursos escassos para seus projetos, recursos estes que agora não mais estão disponíveis para serem utilizados em outros setores da economia.
No geral, a economia está agora com menos capital e menos recursos escassos disponíveis, pois boa parte foi imobilizada em empreendimentos insustentáveis no longo prazo.
Ciclos econômicos, portanto, são um fenômeno tipicamente causado pela manipulação dos juros e pela expansão monetária. É um fenômeno inerente a qualquer arranjo que não tenha uma moeda sólida.
Para concluir
Ao radicalmente aumentar a amplitude e a profundidade da divisão do trabalho, e ao fornecer o arcabouço intelectual essencial para orientar a condução dessa divisão do trabalho, o dinheiro é o que torna possível a moderna civilização material, com seu crescente conforto e bem-estar.
O dinheiro é o pilar essencial de tudo o que existe de bom no mundo material.
Manipulações artificiais em sua quantidade não apenas não têm como gerar riqueza, como, ao contrário, tendem a destruí-la em decorrência de toda a falsificação do cálculo econômico que tal medida gera.
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Leia também:
O que é o dinheiro, como ele surge e como deve ser gerenciado
A origem do dinheiro e de seu valor
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