Economia
Ao contrário do que diz Lula, não é necessária uma pandemia para as pessoas se lembrarem do estado
Trabalhadores e empreendedores já lidam com a hidra diariamente
Ao contrário do que diz Lula, não é necessária uma pandemia para as pessoas se lembrarem do estado
Trabalhadores e empreendedores já lidam com a hidra diariamente
Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou considerar algo positivo o surgimento do novo coronavírus, pois a pandemia estava fazendo as pessoas voltarem a ver valor no estado.
Eis a transcrição de sua frase: "Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus. Porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises".
A real intenção de Lula era claramente opor estado e mercado — ou seja, estado e livre iniciativa.
A frase causou polêmica, mas a polêmica é desnecessária.
O ex-presidente não precisava do coronavírus para opor estado e livre iniciativa: esta oposição já está dada há muito tempo. O estado brasileiro, em seus três níveis, sempre exerceu um intenso e contínuo papel hostil ao setor produtivo, e com muito mais intensidade do que um vírus.
No relatório Doing Business 2020, produzido pelo Banco Mundial, e que mede a facilidade de se fazer negócios em 190 países, o Brasil aparece na 124ª posição geral e nas seguintes posições específicas: 138ª na abertura de empresas, 170ª na obtenção de alvarás de construção, 98ª no acesso à energia elétrica, 133ª no registro de propriedades, 104ª no acesso a crédito, 61ª na proteção dos investidores minoritários, 184ª no pagamento de tributos, 108ª no comércio exterior, 58ª no cumprimento de contratos e 77ª na resolução de insolvências.
E a Covid-19 nada tem a ver com esses números, medidos em 2019.
Nosso estado é uma fonte infinita de incertezas sobre a aplicabilidade das leis. Quem supostamente deveria garantir a segurança jurídica é exatamente aquele que muitas vezes atua contra. Todos os dias vemos decisões de instâncias inferiores contrariando precedentes vinculantes dos Tribunais Superiores. E, igualmente, vemos instâncias superiores anulando decisões mais racionais tomadas por instâncias inferiores. Pior ainda é quando os próprios Tribunais em Brasília dão mau exemplo, aplicando as leis e a Constituição Federal ao sabor do vento.
Isso é uma mina inesgotável de problemas e obstáculos para as empresas. Não à toa, somos o país dos advogados, contadores, despachantes e demais profissões dependentes da burocracia. Há quase 1,2 milhão de advogados inscritos na OAB, enquanto engenheiros civis são cerca de trezentos mil.
Ou seja, apostamos quatro vezes mais em custos do que em investimentos.
O Brasil é também um paraíso para os contadores, pois somos o país em que se gasta mais horas para calcular o valor dos tributos a recolher, 50% de tempo à frente do segundo colocado (Bolívia).
Há cerca de 12 mil cartórios no país, que arrecadam R$ 15 bilhões por ano carimbando documentos muitas vezes desnecessários, como, por exemplo, provas que vivos precisam fazer para demonstrar que não são zumbis.
De 1988 a 2017, foram aprovados 5,4 milhões de dispositivos legislativos (769 por dia). Só em nível federal foram 15,96 por dia. Considerando os três entes federativos, tem-se uma média de 217 mil leis em cima de cada um de nós.
Nossos portos estatais, por causa da hiper-burocracia ali reinante, são os mais lentos do mundo. E são assim propositalmente, pois tamanha lentidão permite a venda de jeitinhos e favores para despachar ou desembarcar a mercadoria mais rapidamente.
O Brasil gasta 13,6% do PIB com pagamento de servidores ativos, com salários em média 87% superior aos semelhantes do regime celetista.
Dezoito estados brasileiros gastam com pessoal mais do que a lei permite, sendo que três desses gastam com servidores estaduais perto de 80% do que arrecadam.
A maior parte dos municípios brasileiros depende de verbas externas complementares às suas arrecadações, sendo que quatro quintos da receita de sete em cada dez municípios advêm de transferências, o que não impediu as prefeituras de aumentar em 53%, em média, o número de servidores públicos municipais na última década.
Não fazem o dever de casa e depois marcham até Brasília com o pires na mão pedindo auxílios emergenciais. Que dinheiro público vai sobrar para ajudar na crise? Realmente, só pedindo para o Banco Central imprimir.
Enquanto a maioria dos países estuda formas de desonerar o setor produtivo para aliviar a economia, estamos no movimento oposto, cogitando a majoração da carga tributária. Estimativas indicam que o desemprego aumentará para 15,4% em junho, e que outros milhões de empregos estão suspensos ou tiveram reduções salariais de 25% a 75%.
Sentadas na sombra, até agora nenhuma categoria executiva, legislativa ou judiciária, federal, estadual ou municipal, deu sua parcela de contribuição. Nem 25%, nem 2,5%, nem mesmo 0,1%. Os salários do funcionalismo público, pagos pelos impostos dos assalariados e desempregados, seguem impávidos.
Pior: algumas categorias estão conseguindo reajustes e outras pleiteando aumento.
Enraizado
Há uma dificuldade atávica no Brasil em perceber que o estado não é um fim em si mesmo. Ele, na mais benevolente das hipóteses, seria um meio custoso de proporcionar bem estar a algumas pessoas físicas e jurídicas. Essa incapacidade cognitiva, que atribui ao estado variados deveres e funções, acaba por enfraquecer aquela que poderia ser considerada a única atividade aceitável de um estado, a saber: reduzir riscos jurídicos, garantindo alguma previsibilidade de comportamento do judiciário.
Em existindo um estado, o melhor que ele pode fazer para ajudar o mercado é garantir o cumprimento de contratos, punindo a fraude e as quebras contratuais.
Por outro lado, o estado precisa inteiramente do mercado: estão nas relações privadas os fatos geradores dos tributos que sustentam a máquina pública. Sem iniciativa privada produzindo, não há arrecadação para o estado. Não haveria estado.
Crises são inimigas de tudo: do planejamento, da racionalidade, da economia e até mesmo das liberdades individuais mais básicas garantidas na Constituição (a determinação de se fechar estabelecimentos e de proibir a livre circulação em estradas é flagrantemente inconstitucional). Para atravessar mais esta crise, é preciso olhar para frente, e não para o umbigo. Em vez de um "estado forte", mais do que nunca passa a ser necessário um estado que reduza seus confiscos e regulações anti-empreendedoriais, e que apenas dê liberdade a empreendedores e trabalhadores —os quais são ainda mais cruciais em épocas de crise.
Isso, sim, seria um estado justo e eficiente. E tal estado seria o oposto do estado atual, que chegou ao ponto de proibir as pessoas de trabalhar, empreender e produzir.
Mas não é esse estado que Lula e demais políticos parecem querer.
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